Ano começou pior do que se imaginava, afirma FGV Ibre

Valor Econômico – 21/02/2022 –

O início do ano tem sido mais difícil que o previsto, com inflação alta e atividade fraca. As perspectivas adiante não são animadoras: problemas persistem e se somam aos riscos associados de inflação nos Estados Unidos e ao cenário pré-eleições presidenciais no Brasil, avalia o Boletim Macro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio (FGV Ibre), em sua edição de fevereiro, antecipada ao Valor.

Na percepção do FGV Ibre, o início deste ano tem sido mais difícil do que se imaginou pelas pressões inflacionárias no front internacional e também pelo aumento dos preços de commodities, como petróleo e produtos agrícolas, impulsionada por problemas climáticos.

O documento observa que no Brasil a “inflação vai além dos problemas climáticos” e deve continuar elevada nos próximos meses. “Apenas quando entrar a redução da tarifa de energia, em razão da melhora do nível de reservatórios, teremos um recuo da inflação mensal. A expectativa é que ela fique em torno de 5,6% no ano, mas há riscos de novas revisões para cima”, diz. “Em relação à atividade econômica, os indicadores divulgados recentemente confirmam a tendência de desaceleração, em especial para o comércio varejista.”

“Não tem muito otimismo, também porque se está em um período de eleição”, afirma Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro. “E 2022 já está meio dado. A política monetária vai atuar mais. E o legado de 2021 para 2022 foi ruim, já estamos pagando o preço. O Brasil está desacelerando bastante de 2021 para 2022, desconectado do mundo. Desaceleração tem no mundo todo, mas questões domésticas brasileiras acirraram essa desaceleração, dada a pressão inflacionária muito intensa.”

Na seção sobre inflação, o economista André Braz lembra que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou em janeiro alta de 0,54%, maior resultado desde 2016, refletindo pressões de dois tipos. “Alguma temporárias, associadas a fatores sazonais, e outras mais persistentes, relacionadas a repasses promovidos pela indústria e por empresas prestadoras de serviços”, diz.

Os efeitos sazonais causados por variações climáticas contribuíram para elevar preços de alimentos in natura como hortaliças e verduras. Além da herança em safras anteriores marcadas por seca, geadas, incêndios e atraso na colheita, o clima castigou lavouras no Sul, como milho e soja. Outra parcela do IPCA foi pressionada por aumentos nos preços de bens duráveis, semiduráveis e serviços, que continuam confirmando o espalhamento das pressões inflacionárias.

“Teremos inflação ainda salgada neste início de ano, e não tem muito espaço [para ceder]”, diz Silvia. O FGV Ibre prevê inflação de 5,6% em 2022.

A economista acrescenta que a inflação corrói o poder de compra dos salários e leva as empresas a terem dificuldade de se organizarem. “Pagamos o preço de ter um Banco Central que vai manter a política monetária mais apertada”, afirma.

Esse cenário pode recrudescer com a aceleração da inflação nos EUA. “O maior risco internacional para as economias emergentes em 2022 é a natureza do processo inflacionário na economia americana”, diz o economista Samuel Pessôa na parte sobre internacional.

O cenário-base é que, após o conjunto de choques que atingiu a economia americana e a global, haja neste ano e no próximo reversão desses choques, argumenta Pessôa. “Mas o grande risco é, após a reversão dos choques, a inflação adquirir inércia e ficar rodando sistematicamente em um nível acima da meta de 2% ao ano.”

Se isso ocorrer, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) terá de trazer a política monetária para terreno contracionista, de modo a produzir uma desaceleração do crescimento, ele argumenta.

Nesse sentido, a mais recente ata do Comitê de Política Monetária (Copom) deixa clara a preocupação dos dirigentes do Banco Central com o quadro inflacionário prospectivo. A estimativa do FGV Ibre é que o BC eleve a taxa de juros até 12,25% neste ano.

Isso tende a minar ainda mais a atividade já fraca. O cenário de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 2021 se manteve em 4,6%. O FGV Ibre revisou a projeção de crescimento do PIB no quarto trimestre de 0,6% para 0,5% na variação trimestral e de 1,7% para 1,6% na variação anual.

Com inflação ainda alta e avanço da taxa de juros, a estimativa de crescimento do PIB neste ano deve ser baixo, de 0,6% no ano. O setor agropecuário deve crescer 2,8%, a indústria, contrair-se 1,1%, e o setor de serviços, expandir 1,3%.

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