O Estado de S.Paulo – 01/10/2021 –
O trabalho informal, o mais precário e com menos benefícios, continua liderando o aumento da ocupação, embora o governo comemore todo mês a expansão dos contratos com carteira assinada. O número de informais – trabalhadores sem registro, por conta própria e também sem remuneração – cresceu 5,6 milhões nos 12 meses até julho e chegou a 36,3 milhões de pessoas, grupo correspondente a 40,8% da população ocupada, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo período, a ocupação formal medida pelo Ministério do Trabalho chegou a 40,9 milhões de trabalhadores, com acréscimo de 3,1 milhões de ocupados.
Sempre ressaltada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a criação de postos formais é um avanço importante, mas insuficiente, ainda, para tornar menos sombrias as condições do trabalho. Alguma melhora aparece também nos números do IBGE, obtidos na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. O desemprego diminuiu para 13,7% da força de trabalho no trimestre móvel encerrado em julho. Houve recuo em relação à taxa do trimestre fevereiro-abril (14,7%) e na comparação com o período até junho (14,1%). Mas o quadro continuou muito feio, com 14,1 milhões de pessoas desocupadas e 31,7 milhões de subutilizadas, 28% da população economicamente ativa.
Todos esses dados são melhores que os obtidos nas apurações anteriores neste ano, mas todos confirmam uma recuperação econômica insuficiente para tirar do sufoco as famílias mais atingidas pela crise iniciada com a pandemia. Além disso, milhões de famílias já estavam em situação muito complicada antes da pandemia, porque o Brasil nunca se recuperou, de fato, do tombo causado pela recessão de 2015-2016.
Multidões em busca de trabalho têm sido um componente constante da economia brasileira há muitos anos. Desde o fim da recessão, em 2016, até o registro do primeiro caso de covid-19, o desemprego nunca foi inferior a 11,2% e em vários trimestres superou 12% da força de trabalho. Chegou a 12,2% no trimestre janeiro-março de 2020 e bateu em 14,2% na travessia do ano passado para 2021. Subiu nos meses seguintes, até abril, e diminuiu lentamente a partir daí.
Nessa trajetória, especialmente a partir do último trimestre de 2020, a desocupação foi acompanhada de rápido empobrecimento de milhões de pessoas e até de fome. Desnutrição sempre existiu, mas em proporção muito limitada, em termos estatísticos, até recentemente. A visibilidade da fome, especialmente no primeiro semestre, foi uma das grandes novidades da paisagem social brasileira neste ano.
O sensível empobrecimento está associado a um fenômeno mais amplo que o desemprego. Somando-se os desempregados, os subutilizados por insuficiência de horas de trabalho, os desalentados e os trabalhadores potenciais fora do mercado, chega-se a um contingente de 31,7 milhões, número 4,7% menor que o do trimestre até abril, mas ainda muito grande. Os números seriam muito mais feios se menos pessoas buscassem ocupação autônoma. Os trabalhadores por conta própria, 25,2 milhões, foram em julho um recorde na série histórica, com aumento de 4,47% (1,1 milhão de pessoas) em relação ao trimestre fevereiro-abril.
Um estrangeiro pouco informado poderia ver nesse recorde um sinal entusiasmante, indicativo de um país com amplas oportunidades e enorme número de pessoas com vocação empreendedora. Muitos brasileiros talvez tenham, de fato, descoberto essa vocação, no último ano, mas a explicação mais provável é bem menos animadora. Tanto empreendedorismo só pode ser, na maior parte dos casos, um novo esforço para sobreviver num cenário de pouco dinamismo e de escassas oportunidades.
No trimestre maio-julho, a massa real de rendimentos habituais ficou estável, em R$ 218 bilhões, mas o rendimento médio habitual, de R$ 2.508, foi 2,9% inferior ao de fevereiro-abril e 8,8% menor que o de um ano antes. É preciso considerar também esse dado para avaliar as condições de vida nesse período descrito como de grande dinamismo pelo ministro da Economia.