Folha de S.Paulo –
Primeiro a pandemia colocou de ponta cabeça o mundo do trabalho e mandou todo mundo para casa. O trabalho remoto era a única opção. Agora, com o avanço da vacinação, mas ainda com alto índice de contaminados, além do surgimento de novas variantes do vírus da Covid, há uma nova angústia: voltar ou não ao escritório?
Marcelo Cerizo comprou a Inversa, empresa de publicações e análise independente de investimentos, em dezembro de 2020 e, em poucos meses, teve de se adaptar às regras de isolamento social. Em maio deste ano, assumiu o cargo de diretor-executivo da companhia.
Mesmo com as restrições, lançou uma plataforma para investidores, com recomendações e cursos de educação financeira, além de um serviço de streaming com séries e documentários sobre o tema. Chegou a 5.000 usuários no primeiro mês e hoje tem 44.000 clientes.
Para conhecer os novos funcionários da Inversa, Cerizo fez happy hours virtuais. “No finalzinho do isolamento social, algumas pessoas, principalmente as lideranças de área, vinham trabalhar presencialmente algumas vezes por semana. Agora, muitos estão voltando”, conta.
Na Inversa, todos os funcionários têm contrato de trabalho presencial, mas Cerizo diz não ter uma política rígida em relação ao modelo de trabalho. “Todos aqui tem total liberdade de ficar em home office, basta comunicar seu gestor.”
Segundo o diretor-executivo, não foram estabelecidos revezamentos nem a quantidade de funcionários que voltam a trabalhar no espaço físico da empresa. “A Inversa tem um quadro muito heterogêneo: engenheiros, cientistas de dados, jornalistas, publicitários, economista, pessoal da https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg. Para alguns, o trabalho à distância funciona bem, para outros, o presencial é mais produtivo”, diz ele.
Durante a pandemia, a empresa se mudou para um escritório menor, com aluguel mais barato. Por enquanto, o espaço está sendo suficiente para acomodar os funcionários que voltaram ao trabalho e para manter as regras de distanciamento recomendadas.
“Tem funcionário que não voltou [ao escritório] até hoje e provavelmente não voltará tão cedo, continua trabalhando de casa. Tem gente que mudou de cidade por causa da pandemia, outros convivem com pessoas de maior risco em relação ao Covid.”
Segundo Cerizo, o modelo híbrido funciona bem na empresa. “As pessoas começaram a voltar ao presencial de maneira quase espontânea, sentem falta de contato. Seguimos as orientações oficiais para a reabertura do escritório, mas não houve um planejamento rígido. No espaço atual, estamos preparados para voltar 100% ao trabalho presencial com segurança e seguindo as regras atuais. Mas se tivermos um crescimento acelerado e não quisermos gastar com um aluguel mais alto, talvez eu tenha de colocar algumas pessoas de volta ao home office.”
Já na fintech Olívia, assistente financeira virtual, o trabalho remoto continua mesmo depois da pandemia. Tanto que, em agosto, mudaram o contrato de trabalho de seus funcionários, que era presencial, para o modelo de teletrabalho.
“Fizemos esse modelo para deixar a volta mais flexível. Isso satisfaz nossos colaboradores e atrai novos talentos para a empresa”, diz Patricia Neufeld, diretora de recursos humanos da Olívia. Com isso, a empresa sediada em São Paulo pode contratou pessoas de todo o Brasil, cresceu de 40 para 70 colaboradores e está abrindo mais 13 vagas neste ano.
A Olívia manteve o escritório, que hoje funciona como um benefício aos trabalhadores. “As pessoas que preferem ir ao escritório podem usar o espaço, mas ninguém é obrigado a trabalhar presencialmente. Cada equipe tem seu esquema e combina com seu gestor, que tem autonomia para decidir.”
A opção por oficializar o trabalho remoto foi uma decisão estratégica dos líderes da empresa, mas os funcionários também foram ouvidos. Segundo pesquisas feitas na empresa, as pessoas desejosas de voltar ao presencial são minoria.
Para essa fatia, há atualmente a limitação de dez pessoas por dia no escritório. As escalas são feitas em um calendário interno, no qual os colaboradores deixam agendada as datas em que pretendem trabalhar no local, onde são mantidas as regras de distanciamento e disponibilizadas máscaras e álcool gel.
“Não tem certo ou errado no modelo de volta ao trabalho pós-pandemia, cada empresa tem sua cultura e vai entender o que funciona melhor para ela”, diz Angela Brasil, responsável pelo setor de recursos humanos da Open.
Na fintech de crédito, a volta está sendo preparada com muita conversa entre lideranças, colaboradores e, também, com muita pesquisa sobre as práticas do mercado. “Não podemos ignorar o que vai ser de forma geral o futuro do trabalho”, diz Brasil.
Além de ouvir os colaboradores, a Open está sentindo na prática como se dará (ou não) a volta. O escritório está disponível para quem quiser experimentar de novo as vantagens e desvantagens do trabalho presencial.
“Estamos nesse processo de transição. Fizemos reformas para adaptar o escritório, mas ainda não há uma política definida. Estamos ouvindo colaboradores, gestores e parceiros em conversas individuais, fóruns de cada área e com toda a empresa e fazendo pesquisas para definir a melhor forma de engajar as pessoas e atrair novos talentos ”, conta Brasil. A empresa tem hoje mais de 200 colaboradores contratados e perspectiva de crescer ainda mais.
Segundo a psicóloga Ana Carolina Peuker, diretora-executiva da Bee Touch, startup de inovação e gestão em saúde, as transformações nos modelos de trabalhos impostas no início da pandemia tiveram um impacto muito grande na saúde mental das pessoas e é preciso se preparar para volta.
“A terceira onda da Covid é a da saúde mental, e para isso não existe vacina. As empresas precisam entender as demandas dos trabalhadores e deixar os ambientes de trabalho seguros também do ponto de vista psicológico”, diz ela.
Abrir canais de comunicação com os funcionários é uma forma de fazer isso. Também existem ferramentas digitais para fazer rastreio e estabelecer quadros estatísticos da saúde mental, expectativas e necessidades dos colaboradores.
“O trabalho remoto não é possível para todos, não há uma receita igual para todas as empresas, mas ouvir as pessoas é fundamental”, diz ela.
Peuker avalia que empresas com modelos mais rígidos e estruturas mais tradicionais devem levar mais tempo para as adaptações, mas precisarão mudar e ser mais flexíveis para não sucumbir: “A sustentabilidade de uma empresa é também a sustentabilidade emocional”, afirma.