Cicatrizes da crise (Editorial)

Por muitos anos o trabalhador brasileiro vai sofrer os efeitos da crise gerada pela pandemia, alertam economistas do Banco Mundial. Os impactos sobre emprego e salários poderão durar nove anos a partir de seu início, segundo o relatório “Emprego em Crise: Trajetória para Melhores Empregos na América Latina Pós-covid-19”. Desocupação, informalidade maior, maior pobreza e menores possibilidades para os jovens serão efeitos duradouros, se nada for feito para mudar as condições do mercado e valorizar o capital humano, advertem os autores do estudo. Feito o alerta, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, tenta dar uma resposta positiva. Segundo ele, o governo já está empenhado em garantir a inclusão dos informais e em proteger o emprego.

Os fatos conhecidos até agora são muito menos positivos que as palavras do secretário. Na maior parte dos países desenvolvidos e emergentes, empregos foram criados e a desocupação diminuiu depois da pior fase de 2020. No Brasil, o desemprego seguiu caminho inverso, aumentando na passagem de ano e atingindo, no primeiro trimestre de 2021, 14,7% da força de trabalho. O quadro se manteve no trimestre móvel terminado em abril. Essa taxa era mais que o dobro da média (6,6%) registrada, no período, nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A mesma diferença havia sido observada no começo da pandemia.

A duração das ações anticrise também distancia as políticas seguidas na maior parte dos países da OCDE e no Brasil. Como se a crise tivesse acabado, ou estivesse quase terminando, o governo brasileiro relaxou e em seguida abandonou a proteção de empregos e a ajuda emergencial às famílias em pior situação. O aumento do desemprego e o avanço da miséria, nos primeiros meses de 2021, resultaram de ações e omissões de autoridades federais. A piora das condições econômicas esteve associada, em grande parte, a erros do poder central diante da crise de saúde.

A vacinação começou com atraso e avançou lentamente durante algum tempo. As falhas do Ministério da Saúde e as irresponsabilidades da Presidência da República têm sido claramente expostas graças ao trabalho da CPI da Covid. Não há como separar, no balanço geral, os erros da política sanitária, desde o ano passado, o prolongamento da crise do emprego e a recuperação ainda incompleta, oscilante e muito desigual dos vários segmentos da indústria, do varejo e dos serviços.

No Brasil, como em qualquer outro país desenvolvido ou emergente, recessões tendem a afetar mais duramente os trabalhadores menos qualificados e os jovens. No caso brasileiro, essa diferença se manifesta de forma ainda mais dolorosa, por causa das enormes desigualdades, da escassa formação da maior parte da mão de obra e da ampla informalidade.

Algumas autoridades agora exibem preocupação com esses problemas. O governo decidiu, com atraso e com muita parcimônia, restabelecer a ajuda emergencial e repensar medidas para formação profissional e inclusão de jovens no mercado de trabalho. Mas, talvez por uma inclinação difícil de contrabalançar, as propostas parecem mais voltadas para o barateamento da mão de obra do que para a multiplicação de oportunidades e – muito importante – para a modernização da economia brasileira.

É significativo, mas nada surpreendente, o distanciamento entre os Ministérios da Economia e da Educação no tratamento dessas questões. O Brasil tem respeitáveis especialistas em política educacional e pessoas capazes de articular estratégias de educação e de desenvolvimento econômico e social. Mas o Ministério da Educação, a partir de 2019, foi sempre orientado para agir como um propagador do universo intelectual, político e moral do presidente Jair Bolsonaro e de sua família. Os ministros da Educação têm mostrado qualidades semelhantes às do general Pazuello no Ministério da Saúde, mas as piores consequências de seus atos são menos visíveis e demoram muito mais para aparecer. Mas acabam aparecendo, e são muito custosas.

O ESTADO DE S. PAULO

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