Antes da pandemia, na maior parte dos países desenvolvidos e em desenvolvimento as desigualdades estavam crescendo. Um dos fatores decisivos é a divisão entre os empregos mais e menos qualificados, aprofundada pela digitalização do mercado de trabalho. Ao acelerar essa digitalização, a pandemia agravou as disparidades: não só os trabalhadores menos qualificados tiveram mais dificuldades de se adaptar e manter seus empregos e rendas, como encontrarão mais dificuldades de recuperá-los no pós-pandemia.
“Há um risco real de que o fosso da crise da covid aprofundará a desigualdade e a exclusão a menos que os governos ponham os empregos no coração da recuperação”, alerta a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em seu Panorama do Emprego 2021.
Desde 1985, a renda nos países da OCDE cresceu 63% para os 10% no topo de renda e apenas 20% para aqueles nos 10% da base. Na pandemia, 1 em 10 empregos de baixa renda foi destruído, enquanto nas ocupações mais bem remuneradas o choque foi absorvido por reduções nas horas de trabalho subsidiadas por programas de retenção ou pela mudança para o teletrabalho. No pico da crise, metade dos trabalhadores mais bem pagos conseguiu trabalhar de casa, enquanto para os menos bem pagos o índice foi de 29%.
Apesar das medidas emergenciais, outros grupos vulneráveis, como trabalhadores que não estavam sob contratos-padrão de trabalho assalariado em tempo integral e os jovens, foram mais impactados pelas perdas de emprego e renda. A crise também foi marcada por outras formas de desigualdade econômica, como a maior exposição dos trabalhadores da “linha de frente” e suas famílias ao vírus e as dificuldades de seus filhos de acompanhar as aulas a distância, dada a carência de meios digitais.
“À medida que os governos desenvolvem seus planos de recuperação, é essencial continuar a apoiar as famílias mais necessitadas, dando maior atenção, ao mesmo tempo, a medidas fiscais projetadas para impulsionar o crescimento de empresas e empregos que têm um futuro viável no ambiente pós-covid”, disse o secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann.
Promover a inclusão exige o enfrentamento de lacunas persistentes na proteção social, especialmente à medida que novas formas de emprego, diversas do padrão assalariado em tempo integral, se multiplicam. Muitos países editaram medidas emergenciais para trabalhadores autônomos e outras modalidades diversas do padrão durante a pandemia, reduzindo temporariamente algumas lacunas. “Essa experiência precisará ser agora reavaliada e traduzida em respostas estruturais mais sistemáticas”, como formas de proteção mais neutras por meio das diversas modalidades de trabalho, melhorias na portabilidade de títulos de seguridade e uma elegibilidade mais adaptada às novas necessidades das pessoas.
Uma recuperação equânime exigirá a combinação entre subsídios temporários para contratações cuidadosamente focadas e políticas de treinamento para orientar os trabalhadores menos qualificados a novas oportunidades de trabalho.
Atualmente, as oportunidades de treinamento são desiguais e as políticas de requalificação não chegam aos trabalhadores mais vulneráveis. Nos países da OCDE, em média, a participação em programas de treinamento daqueles que não têm educação secundária é um terço da dos trabalhadores com formação superior. Os trabalhadores cujos empregos sofrem maiores riscos de automação têm metade da probabilidade de se engajar em aprendizagem adulta em comparação a seus pares em empregos menos afetados por esse risco.
“Todos os esforços deveriam ser empregados para promover uma cultura de aprendizagem contínua e vitalícia, conectando o treinamento aos indivíduos mais do que aos empregos.” A oferta de programas de reciclagem, adaptados às condições de renda e de horário dos trabalhadores menos qualificados, precisa ser acompanhada de campanhas de conscientização. Engajar os empregadores nesse processo é fundamental para conferir mais resiliência aos seus próprios negócios e para o crescimento da produtividade em geral.