Quando o contribuinte tem razão (Editorial)

Em evento virtual promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), fez uma exposição sobre as incertezas jurídicas causadas pela legislação dispositiva no campo do direito tributário, que é editada sob a forma de portarias, resoluções e instruções normativas por órgãos do segundo escalão da administração pública, como é o caso da Receita Federal. O que motivou essa discussão foram as dúvidas da entidade com relação à reforma tributária e à promessa do Ministério da Economia de divulgar prontamente o projeto que altera o imposto das pessoas jurídicas.

Esse é um tema de grande interesse do empresariado, que há muito tempo reclama de mudanças abruptas na regulamentação das leis tributárias e reivindica mais segurança jurídica para investir no País. Tanto os empresários da Fiesp quanto o presidente da Câmara dos Deputados concentraram a atenção no modo como a Receita se acostumou a atuar, especialmente na regulamentação das leis que regem a cobrança do Imposto de Renda das pessoas físicas e jurídicas.

Segundo os empresários, quando discorda do teor de determinadas leis aprovadas pelo Congresso, a Receita se vale da regulamentação para reformulá-las. Algumas vezes o órgão também interpreta as leis tributárias de modo muito amplo, criando com isso uma jurisprudência contrária aos objetivos e motivações dos legisladores. Outras vezes inclui centenas e até milhares de dispositivos nas resoluções e nas portarias, instituindo uma legislação paralela à legislação tributária votada pelo Congresso.

Por isso, quando as empresas calculam o Imposto de Renda que têm a pagar em cada exercício com base na legislação oficial, desprezando essa legislação paralela, acabam sendo autuadas. Se recorrerem ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, serão quase sempre derrotadas. Já se recorrerem à Justiça têm oportunidade de saírem vitoriosas, mas isso exige a manutenção de um custoso departamento integrado por contadores e advogados.

Em sua intervenção no evento da Fiesp, o deputado Arthur Lira afirmou estar consciente de que a Receita nem sempre é fiel ao que as leis tributárias dizem. “A Receita Federal não pode e não vai continuar com o poder de regulamentar, de soltar resoluções e de legislar em cima da legislação tributária. Não se pode baixar duas mil, três mil resoluções a cada ano, o que enlouquece o contribuinte”, disse o presidente da Câmara. Segundo ele, é inadmissível que as empresas gastem com assessoria jurídica para não serem autuadas num ano sendo que essas resoluções acabam sendo alteradas no ano seguinte.

As críticas de Lira são endossadas pela Frente Parlamentar Mista de Reforma Tributária, cujos líderes afirmam que, se o Legislativo não detiver a tendência da Receita Federal de “criar ordens e legislar”, a área jurídico-fiscal do País se converterá num “manicômio tributário”. Para esses líderes, o máximo que a Receita tem de fazer é fiscalizar e cobrar. Na mesma linha, o deputado Arthur Lira disse que, quando votar a reforma tributária, a Câmara aprovará um dispositivo que proibirá o órgão de sobrepor resoluções e portarias às normas tributárias, afrontando o princípio da hierarquia das leis.

Como era de esperar, as entidades sindicais dos fiscais e auditores reagiram imediatamente. Para o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), os órgãos públicos têm o poder e o dever de fazer a regulamentação das leis aprovadas em suas respectivas áreas de atuação. Para a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), se fizer o que prometeu, o presidente da Câmara estará cometendo um equívoco. Isto porque, sem uniformidade interpretativa, cada auditor entenderá a legislação a seu modo, aumentando ainda mais a insegurança jurídica.

Dada a histórica tendência de fiscais e auditores da Receita de exorbitar no uso de prerrogativas, esses argumentos corporativos são inconvincentes. Nessa discussão proposta pela Fiesp, é claro que o contribuinte tem razão.

O ESTADO DE S. PAULO

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