As dificuldades já comuns às empresas menores foram agravadas pelo prolongamento da pandemia. Para alguns setores, nem mesmo as flexibilizações das restrições garantiram algum alívio para a geração de caixa.
Para a empresária Alessandra Pedroni, 49, os últimos 15 meses têm sido de sufoco, acúmulo de dívidas, corte de despesas e pouca ajuda, seja dos governos, em forma de descontos ou isenções, seja via financiamento bancário.
Dona de dois buffets infantis na capital paulista, ela viu a renda cair a praticamente a zero da noite para o dia.
Piscina de bolinha, escorregador, mini-cozinha: os principais atrativos do negócio, diz Alessandra, estão interditados.
“São 15 meses praticamente sem trabalho. Hoje eu consigo cerca de 20% do que eu faturava”, diz. Para manter um nível mínimo de renda, Alessandra passou a administrar as redes sociais de empresas de amigos e mantém um serviço de entrega de refeições, utilizando a cozinha de um dos buffets.
Nesse período, os filhos deixaram a escola privada em que estudavam e o plano de saúde já foi alterado por duas vezes.
“Nosso setor não teve ajuda nenhuma. Teve o Pronampe [linha de crédito para pequenas empresas] e o governo [de São Paulo] anunciou um programa para o segmento de turismo e eventos, mas não pode ter o nome sujo. Como que eu fico todo esse tempo sem trabalhar e ainda tenho nome limpo?”, questiona.
O Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) foi lançado o ano passado pelo governo e tornado permanente em 2021. Os bancos emprestam o dinheiro, mas os recursos são garantidos pelo FGO (Fundo Garantidor de Operações), que teve aumentada a participação da União.
Segundo dados da Serasa, analisados pelo especialista em recuperação de crédito Max Mustrangi, os pedidos de falência no setor de serviços chegaram a quase dobrar em março deste ano na comparação com o mesmo período em 2020. Em abril, a variação ficou em 5% e, em fevereiro, 20,9%. Somente em janeiro, houve queda de 50% ante o mesmo mês no ano passado.
Mustrangi diz que os números do birô de crédito indicam um aumento na participação de empresas médias no total das falências e pedidos de recuperação judicial. De 18,1% no primeiro quadrimestre de 2020, elas hoje respondem por 25,7% do total.
Para ele, o resultado vem da ausência de esforço governamental para proteger os negócios nesse período turbulento. O cálculo de risco dos bancos, em situações de crise, também foi para uma calibragem mais alta, o que acaba favorecendo quem, contraditoriamente, precisa menos do dinheiro.
“Só vem conseguindo crédito quem já estava bem posicionado na análise dos bancos”, diz. Além disso, programas como o Pronampe tiveram alcance limitado devido à duração da pandemia. “Quando chegou a hora de as empresas pagarem, estávamos de novo em situação ruim.”
A demanda por crédito, segundo a Serasa, tem oscilado de acordo com as medidas de fechamento ou abertura impostas por governos estaduais e municipais. De abril a novembro de 2020, houve queda na procura. Subiu a partir de novembro e voltou a cair em janeiro.
A partir de fevereiro, porém, a demanda por dinheiro voltou a crescer. Na comparação com o ano passado, o aumento foi de 12,7%. Em março, foi de 10,9%, e de 39,3% em abril.
Mesmo quem manteve o nível de faturamento do pré-pandemia viu a disponibilidade de crédito encolher. Um executivo de uma empresa de mineração e beneficiamento de minerais não metálicos, que prefere não se identificar, diz que o custo do dinheiro ficou muito alto.
Segundo ele, mesmo nos bancos que anunciaram facilidades para a concessão de linhas de créditos, o dinheiro não saiu. Sem o mesmo nível de acesso a crédito para capital de giro, as margens começaram a ficar apertadas.
Para ele, as instituições financeiras priorizam a avaliação de patrimônio que possa ser usado como garantia dos empréstimos, e não da qualidade da operação comercial.
Uma vez acostumados a certo nível de crédito, diz ele, um corte brusco prejudica a capacidade de manter a operação. Para garantir capital de giro, foi necessário vender patrimônio.
A solução tomada no início deste ano foi iniciar uma reestruturação do negócio. “Estamos passando por mudanças em todos os setores, na contabilidade, na administração, na gestão tributária. Precisamos ajustar a bússola para continuar.”
Mustrangi diz que a procura de empresas por reestruturação mais do que triplicou. “Em dez anos trabalhando com isso, nunca tive tanta empresa buscando o serviço”, afirma. “A situação está tão crítica, que muitas estão indo direto para a falência, sem condições de recuperação judicial”.
O especialista também viu aumentar a participação de empresas consideradas médias, com faturamento anual acima de R$ 50 milhões entre as que precisam de ajuda para evitar uma recuperação judicial.
“As grandes conseguiram se proteger. Entre as micro e pequenas, os pedidos [de falência e recuperação] explodiram ainda no ano passado. Agora são as médias que começam a entrar em risco de quebrar”, afirma.
Somente no último ano, empresas consolidadas no varejo pediram recuperação judicial, como TNG, Cavalera e Le Postiche.
Segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE, o Brasil perdeu, no primeiro trimestre deste ano, 489 mil empregadores formalizados em relação ao mesmo período em 2020. A redução percentual é de 13%.
Houve queda também em relação ao último trimestre do ano passado. De 3,2 milhões de empregadores, para 3 milhões até março de 2021.
Na avaliação do presidente do Simpi (Sindicato das Micro e Pequenas Indústrias), Joseph Couri, os dados de falências e recuperação judicial registrados pela Serasa e na Junta Comercial ainda não representam a real situação das empresas, pois muitas estão sem condições até mesmo de encerrar as atividades.
“A baixa da empresa é a última fase do fechamento. Leva cinco, seis meses até que o empresário consiga fazer isso. A menos que ele opte pela via rápida, em que ele assume responsabilidades futuras e coloca seus bens como garantia, mas nós desaconselhamos usar esse caminho.”
FOLHA DE S. PAULO