Na contramão dos esforços de governadores e prefeitos de adiarem a aposentadoria dos servidores, difundem-se pelo País esforços de antecipação de aposentadorias nos Judiciários e Legislativos locais. Sem previsão na Constituição e às vezes sem previsão em lei, a invenção é chamada de Programa de Aposentadoria Incentivada (PAI). O PAI é uma mãe.
Esses programas têm consistido em uma indenização para servidores e juízes que se aposentam cedo. Recebem de uma vez um pagamento, normalmente de acordo com uma fórmula que considera o valor do maior salário e a quantidade de anos trabalhados. Frequentemente, supera R$ 100 mil. A contrapartida é simplesmente parar de trabalhar: o que seria recebido mensalmente como salário passa a ser pago como aposentadoria, já que servidores antigos têm direito a este cálculo.
A justificativa dos pagamentos, acredite o leitor, é gerar economia. Mas se o funcionário vai continuar recebendo o mesmo que antes todo mês, se vai receber ainda uma boa indenização e se o Estado precisará fazer nova contratação para dar conta do serviço, onde está a economia?
A economia do PAI é contábil. Se aposentados não entram na contabilidade do Poder em que trabalhavam, por exemplo Judiciário ou Legislativo, estes podem alegar economia em médio e longo prazos quando aposentam alguém. O truque aumentaria os gastos do Executivo, que tem a unidade gestora da previdência local e onde costumam ser computados os gastos com aposentadoria.
Assim, o que é obviamente um aumento do gasto público é defendido como uma economia para cumprir os limites da LRF (que são por Poder). Apesar da contabilidade criativa, as iniciativas contrastam com os esforços de reforma da Previdência e a equalização dos déficits dos regimes de previdência estaduais e municipais – demandada pela Constituição.
Ao contrário de um programa de demissão voluntária (PDV), não há qualquer perda para o participante: ele não troca a indenização recebida por perdas no futuro. Não se renuncia aos pagamentos que recebe, porque a aposentadoria no regime privilegiado continua sendo devida, em geral com o mesmo valor do último salário. Trata-se, portanto, de espécie de “bônus por aposentadoria precoce”. Beneficia servidores já regidos por regras favorecidas, que podem se aposentar anos antes de trabalhadores da iniciativa privada, especialmente os mais vulneráveis ao desemprego (como o pedreiro, a doméstica).
A Constituição até prevê um pagamento ao servidor que, podendo se aposentar, decide continuar trabalhando. Mas não ao servidor que, podendo continuar trabalhando, decide por se aposentar. Sendo falsa a economia com os programas, parece haver desvio de finalidade. O PAI parece mera justificativa para distribuição de dinheiro para servidores mais antigos, até porque tem o formato de uma indenização (como uma diária de viagem). Embora não seja óbvio o que se está indenizando, já que não há perda patrimonial ao servidor que participa, o formato permite receber o dinheiro acima do teto remuneratório e não pagar sobre ele nenhum centavo de IR.
O desvio de finalidade fica patente em casos em que o servidor inclusive volta a trabalhar no mesmo lugar, por meio de um cargo em comissão ou como contratado de uma terceirizada.
Às vezes o benefício sequer é previsto em Lei, e é pago por simples canetada do órgão. Lei exigiria sanção do chefe do Poder Executivo, diretamente prejudicado pela benesse. O leitor deve se perguntar: mas onde está o MP? E os tribunais de contas dos Estados? Às vezes, criando seus próprios PAI.
O caso mostra a dificuldade de se cumprir os limites máximos de remuneração no serviço público diante dos excessos na interpretação do que são verbas indenizatórias – que, como apenas reembolsam os funcionários, estão fora do teto. O legislador fica como o cachorro correndo atrás do próprio rabo, já que invenções antigas são rapidamente substituídas por novas pelos Steve Jobs da burocracia.
Não deveriam estar fora de cogitação medidas extremas, como exigir notas fiscais para pagar indenizações ou mesmo extingui-las em uma PEC, substituindo-as por instrumentos mais transparentes – como verbas remuneratórias e cartões corporativos.
*DOUTOR EM ECONOMIA
O ESTADO DE S. PAULO