A pandemia que colocou boa parte dos brasileiros dentro de casa mudou os hábitos do consumidor, que buscou uma renovação dos eletrodomésticos básicos. A Whirlpool, a maior fabricante de geladeiras, fogões e lavadoras do País, dona das marcas Brastemp e Consul, sentiu o impacto dessa mudança no crescimento das vendas desde o ano passado. Mas enfrenta escassez de insumos e inflação de matérias-primas. Os preços de aço, resinas, vidros e chips, usados na fabricação de eletrodomésticos, têm subido na casa de dois dígitos desde o final do ano passado.
Apesar de o mercado continuar com vendas em alta, mesmo com as fortes pressões de custos que estão sendo repassadas parcialmente aos preços dos eletrodomésticos, João Carlos Brega, presidente da Whirlpool na América Latina, diz que o momento não é para ficar feliz com esses resultados, porque há mais de 2 mil pessoas morrendo diariamente no País em razão da pandemia.
Engajado no movimento da sociedade civil Unidos pela Vacina, Brega afirma que o foco para a solução da crise sanitária tem de ser a vacinação. Ele questiona a efetividade da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid como saída rápida para o fim da pandemia e frisa estar confiante nas novas lideranças políticas que estão surgindo no País. “Que a economia vai se recuperar, eu não tenho dúvida. A questão é quando e quem estará vivo até lá.” A seguir , os principais trechos da entrevista.
Neste momento da pandemia, como está o mercado de eletrodomésticos e a produção de Whirlpool?
Houve mudança nos hábitos do brasileiro por estar mais em casa. O consumidor viu que a geladeira, o fogão e o forno de micro-ondas, por exemplo, eram antigos. Daí, começou a investir nos eletrodomésticos e a demanda cresceu. No terceiro e no quarto trimestres de 2020, o crescimento foi de dois dígitos. Neste ano, o mercado continua crescendo, mas a taxa é de um dígito. No entanto, não é um período para ficarmos felizes, porque há entre 2 mil e 3 mil pessoas morrendo por dia no País. Não dá para ignorar a crise sanitária e precisamos resolvê-la. Enquanto não tivermos superado a pandemia, o que estaremos fazendo é lidar com essa realidade. Tem uma coisa em que o governo se destaca: o coronavoucher (auxílio emergencial) conseguiu mitigar a recessão, porque estamos com um desemprego muito alto. Falo com propriedade, porque tenho o privilégio de ser responsável pela empresa do México à Patagônia (Argentina). Quando se compara o impacto que a crise sanitária provocou no México, Colômbia, Argentina, no Brasil foi menor.
Como está o ritmo de produção nas fábricas da Whirlpool hoje?
Estamos enfrentando dificuldades no abastecimento de matérias-primas, componentes como chips, e inflação em dólar das commodities fora de qualquer parâmetro de normalidade. Acredito que essa alta seja mais oportunista e temporária do que permanente. Mas é a realidade neste momento. Quanto às falhas no ritmo de entregas de matérias-primas e componentes, esperamos que se estabilize no terceiro trimestre deste ano. Não paramos nenhuma das fábricas, que hoje operam com 85% da capacidade. Se falta algum componente, desviamos, vamos para a produção de outro eletrodoméstico e depois voltamos.
Se o fluxo de insumos estivesse normal, daria para produzir mais?
Não sei se daria para produzir mais, mas daria para produzir sem tanto soluço, sem tanta hora extra, o que acaba encarecendo a produção.
Essa pressão de custos está sendo repassada para o preço?
Investimos muito em produtividade, queremos ser competitivos. Mas, com a magnitude da inflação que os fornecedores de matéria-prima estão nos impondo, não há como não ter repasse para os preços. Mas não estamos conseguindo repassar para a ponta no mesmo ritmo em que estamos sofrendo esses aumentos
Qual tem sido esse aumento de preços?
Se pegarmos o período que começou no fim de dezembro, início de janeiro, estamos com dois dígitos de aumento, como no aço, resinas, vidro. Commodities como minério de ferro e cobre subiram muito, além do frete marítimo. O repasse não está sendo integral porque temos produtividade.
Além de negociar com fornecedores, o que a empresa está fazendo para atenuar a alta de custos?
Procuramos diversificar os fornecedores, incentivar lançamentos de produtos com estrutura de custos e matérias-primas diferentes. Nosso objetivo é sempre investir em inovação para ter uma experiência custo/benefício interessante para o consumidor.
Depois da segunda onda de covid em Manaus (AM), onde a empresa tem fábrica, a situação se regularizou por lá?
Não podemos ter ilusão: precisamos ter o povo vacinado. O cenário é incerto até termos a crise sanitária resolvida. Que a economia vai se recuperar, eu não tenho dúvida. A questão é quando e quem estará vivo até lá. Então, é preciso perguntar o que eu tenho de fazer para encarar a realidade.
O que a empresa tem feito nesse sentido?
A Whirlpool está envolvida para ajudar o governo. Não queremos tomar o lugar dele. Participamos do movimento da sociedade civil Unidos pela Vacina. Doamos recentemente máscaras, EPIs (equipamentos de proteção individual). Junto com algumas empresas americanas, apresentamos uma carta ao embaixador americano no Brasil, pedindo que, quando os Estados Unidos flexibilizarem o estoque adicional de vacinas, que considere o Brasil como um dos destinos para esse excedente de doses.
O que o senhor acha da CPI da Covid?
Se houve roubo e desvio, isso deve ser apurado. Sou sempre pela correção. Mas existem coisas importantes e urgentes. Temos uma crise sanitária com mais de 2 mil mortos por dia. Precisamos ter mecanismos para acelerar esse ritmo de vacinação. Como conceito, a CPI está certa, sou a favor. Agora, do ponto de vista prático, não sei. Como se corrige o problema? Qual é a solução? Há momentos que eu sinto que a gente está mais querendo ver o videoclipe Thriller, do Michael Jackson, com aqueles zumbis andando.
Qual a alternativa?
Fui coordenador de fóruns de competitividade e um desses fóruns era voltado para a renovação política. Acredito muito nessa renovação política, independentemente do pensamento. Tem a deputada federal Tábata Amaral (PDT-SP), o deputado federal Felipe Rigoni (PSB-ES), os governadores Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul. Há tanta coisa legal para trabalhar com esse pessoal novo.
O caminho para sair desse quadro seriam essas novas lideranças políticas?
Não tem herói, super-homem. O caminho é ter uma proposta para saúde, educação, tamanho do Estado, privatizações, reformas. Temos de ter uma proposta. Super-homem a gente já viu que vem a criptonita e mela tudo. O que eu vejo é que há jovens capazes de se articular, de propor e ter conhecimento para ter apoio da sociedade. Tenho acompanhado alguns e acredito nessa nova liderança com proposta. Querem que a gente acredite que há uma polarização política. Não acredito.
O senhor está otimista?
Sempre sou otimista. Confio na nossa capacidade como sociedade de dirigir o destino, por pior que seja a situação. O Brasil vai crescer: ou cresce a taxas medíocres ou cresce o que ele precisa crescer. Temos 14% de taxa de desemprego, precisamos de reformas para lidar com isso. Temos inflação e não adianta ficar com o argumento de ficar fora do teto. Tanto faz estar fora do teto ou dentro do teto: é gasto. Vai pagar como?
Quando acabar a pandemia, o que deve ficar desse período conturbado?
Uma sociedade muito mais consciente da desigualdade social, da importância da saúde, da educação. O legado da pandemia é saber o que é prioridade. O foco é evitar que a gente caia novamente onde a gente estava. É preciso ter um debate mais inteligente das atribuições do Estado e do governo.
O ESTADO DE S. PAULO