A crise do mercado de trabalho provocada pela pandemia de covid-19 é mais intensa e persistente do que a observada na recessão de 2015 e 2016, causada pelo desastre da política econômica do governo Dilma Rousseff. Mas não é apenas por sua intensidade que a deterioração do mercado de trabalho é mais nociva do que em outras épocas. Algumas de suas características e seu impacto mais acentuado sobre grupos mais vulneráveis a tornam mais perversa.
Em artigo publicado na revista Mercado de Trabalho do mês de abril, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que, embora já muito altas, as taxas de desocupação aferidas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não retratam com toda a fidelidade o impacto das medidas de isolamento e restrições às atividades econômicas sobre a população em idade de trabalhar.
Não se trata, obviamente, de insuficiência ou imprecisão da pesquisa do IBGE, que traz o retrato mais completo da evolução do mercado de trabalho do País. Mas, como ressalvam os autores do estudo do Ipea, por se tratar de um indicador que sintetiza o comportamento da oferta e da demanda de mão de obra, a Pnad Contínua tende a atenuar certos aspectos das transformações do mercado de trabalho quando tanto a oferta como a demanda caminham na mesma direção.
Uma das características da atual crise apontada pelo Ipea é que, ao contrário do que ocorria nas anteriores, no caso de perder a ocupação, é mais intensa a passagem de um trabalhador não para a condição de desocupado, e sim para a de inativo. Assim, ele sai da população economicamente ativa (base sobre a qual se calcula a taxa de ocupação), que tende a diminuir. Dessa forma, cai a taxa de participação da força de trabalho (população economicamente ativa como porcentagem da população em idade de trabalhar).
Outra característica é a forma desigual com que a crise afeta os diferentes grupos. “Os grupos em desvantagem são os que apresentam os indicadores mais vulneráveis no momento da crise”, constata o estudo. A taxa de desemprego cresce mais entre os membros desses grupos, separados por raça, idade e sexo. São negros, jovens e mulheres. Entre eles, as taxas de desemprego e de inatividade crescem mais do que as médias.
O ESTADO DE S. PAULO