Às vésperas de o STF decidir sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins nos idos de 2017, a burocracia fazendária afirmara com alarde que uma eventual decisão favorável aos contribuintes geraria um passivo da ordem de R$ 250 bilhões nas contas públicas, algo assustador que comprometeria o programa de ajuste fiscal em curso à época, sem falar na perda de arrecadação da área vinculada à seguridade social, da ordem de R$ 25 bilhões/ano.
Tendo passado tantos anos no governo, imagino que dificilmente a burocracia adotaria outra postura. Tanto assim que, já em 2020, a União poderia ter gasto R$ 52 bilhões a mais no orçamento discricionário para reagir à crise, mas não o fez (ISTOÉ, 28/1/21). Agora, o mesmo tipo de postura se repete no embate sobre o Orçamento de 2021 com o Congresso. Ou seja, sedenta de ajuste e com um ministro inexperiente, ela segura os já supercontidos gastos além da conta.
Confesso que eu mesmo talvez tivesse hesitado, diante da veia pró-ajuste adquirida na longa vivência na área. Mas do outro lado perguntei: e se os contribuintes estivessem certos do ponto de vista jurídico (como acabou entendendo o STF em 2017) e, em adição, o impacto financeiro de R$ 250 bilhões não fosse algo impossível de absorver? O mínimo a fazer seria analisar o assunto de forma equilibrada tanto lá atrás como a qualquer momento – a exemplo de hoje, que o assunto voltou à ordem do dia, e oferecer a análise a quem quiser ter acesso (veja estudo especial em www.inae.org.br na seção Publicações / Estudos e Pesquisas).
Indo direto ao ponto, concluí que o impacto da citada exclusão: 1) visto do início de 2017 não era tão relevante; e 2) hoje, pasmem, continua irrelevante, em que pesem as mudanças desfavoráveis do ponto de vista financeiro que têm ocorrido (como as ligadas à pandemia). Sobre esse último ponto, as pessoas esquecem que mudanças em outros itens e noutra direção podem criar compensações. Daí a sugestão de que excluir o ICMS não detonará a economia.
Primeiro, porque, em si, a estimativa de R$ 250 bilhões é exagerada. Supõe que TODOS os contribuintes potencialmente prejudicados teriam ajuizado suas respectivas demandas judiciais, quando, sabidamente, somente uma parte utiliza os instrumentos de proteção judicial contra a cobrança indevida de tributos.
Segundo, poderá haver compensação tributária, ou seja, contribuintes que tenham sido vitoriosos na Justiça poderão compensar seus créditos com débitos tributários vincendos ou vencidos, débitos esses que, muitas vezes, poderiam ser de difícil recuperação.
Terceiro, considerando que não há uniformidade no prazo de conclusão das ações judiciais, o mais provável é que a União tenha de ressarcir seus credores ao longo de vários anos, diluindo a pressão sobre suas contas.
Quarto, tem-se observado o expressivo crescimento da dívida pública sem que tenha havido qualquer estresse incontornável no mercado financeiro.
Por último, entre vários outros motivos que não dá para listar neste espaço, a decisão do STF em favor dos contribuintes não afastaria a dívida pública de uma trajetória equilibrada no longo prazo. Ou seja, diante do conjunto de políticas de ajuste do gasto em vigor, e de outras razões, projeções feitas das principais variáveis envolvidas se juntam para mostrar que, mesmo se crescer nos próximos anos, o comportamento da relação dívida-PIB tenderá a ostentar uma reversão dessa trajetória antes até da próxima década, em todos os casos simulados. Neles, ao final de 2020, a razão dívida-PIB se inicia em 89%, e no CASO BÁSICO (ou seja, sem a decisão favorável aos contribuintes) atinge o pico de 97% em 2024, fechando finalmente em 50% em 2038. Só que, nos dois casos alternativos mais prováveis que foram simulados para a hipótese de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, o fechamento se dá em 51%, ou seja, o efeito da decisão do STF se dilui completamente em 18 anos.
*CONSULTOR ECONÔMICO
O ESTADO DE S. PAULO