O calvário das reformas (Claudio Adilson Gonçalez)

A tumultuada aprovação do Orçamento de 2021 deixou claro o risco fiscal decorrente da aliança, ou, mais apropriadamente, da submissão, do governo ao Centrão. Preocupa o valor recorde destinado a emendas parlamentares, R$ 35,6 bilhões, e a exclusão do cálculo do resultado primário de despesas de aproximadamente R$ 120 bilhões (1,4% do PIB).

Apesar disso, muitos analistas entendem que, superado o impasse do Orçamento, cresceram as chances de progresso das duas mais importantes reformas estruturais em debate no País, a saber, a administrativa e a tributária. Não vejo assim.

Esse governo não é reformista. Mesmo a reforma da Previdência teve a tramitação tumultuada pelo Executivo. Bolsonaro trabalhou como típico líder sindical, empenhando-se para excluir das novas regras segmentos dos servidores públicos que integram seu nicho eleitoral. Paulo Guedes, por birra, sugeriu aos parlamentares a não aprovação do parecer do relator, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), porque este não incluiu a proposta, não financiável, do regime por capitalização, obstinadamente defendida pelo ministro.

Os interesses políticos de Bolsonaro tendem também a dificultar a reforma administrativa. Além da redução das despesas com pessoal, tal reforma precisa criar mecanismos para melhorar a qualidade dos serviços prestados à população. Para tanto, necessita rever regras aplicáveis inclusive aos atuais servidores, tais como, fim da progressão automática na carreira, avaliação periódica, regulamentação da demissão de servidores por baixo desempenho, fim dos supersalários, reorganização das carreiras, entre outras medidas. É irrealista achar que o governo e o Centrão avancem nessa linha.

Já uma boa reforma tributária é ainda mais improvável. O presidente não tem familiaridade com o tema e não se espera que se empenhe no Congresso para aprová-la. Guedes, até agora, não apresentou qualquer proposta bem embasada tecnicamente, e tem expressado ideias equivocadas, principalmente quanto à tributação do consumo.

O ministro sempre foi contra a PEC 45/19, que institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), um verdadeiro tributo nacional sobre o valor adicionado, nos moldes dos melhores sistemas tributários conhecidos no mundo. Respeitados períodos de transição, esse imposto deverá ser cobrado no destino e possuir número muito reduzido de alíquotas, dado que o ideal, que seria alíquota única, é difícil de viabilizar politicamente.

Ao invés disso, Guedes sugere a aprovação, na primeira etapa, apenas da CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços, impropriamente chamada de IVA federal, que nada mais é do que o PIS/Cofins incidente de forma não cumulativa. A medida está na direção correta, mas possui três problemas principais.

O primeiro é manter o ICMS, de longe, o imposto mais complicado, ineficiente e gerador de contenciosos do sistema tributário brasileiro. O segundo é que, para alcançar eficiência, racionalidade e maior equidade nos impostos indiretos, a tributação do consumo deve ser tratada em conjunto, jamais por partes. O terceiro é que tende a aumentar a carga tributária incidente sobre vários serviços, sem período de transição, o que é inoportuno em virtude da pandemia e das pressões sobre o IPCA que isso pode provocar.

Guedes defende que os entes federativos adiram voluntariamente ao IBS, o que é impossível, por tratar-se de um imposto cobrado no destino, pelo sistema de débito e crédito, inclusive nas operações interestaduais. Ou todos os Estados e municípios entram conjuntamente ou não há IVA subnacional.

Em qualquer democracia o caminho para aprovar reformas estruturais é penoso. Bolsonaro e Paulo Guedes o transformaram em um calvário.

O ESTADO DE S. PAULO

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