Símbolo do home office, as reuniões virtuais proliferaram no mundo corporativo e dominaram a rotina de quem foi obrigado a trocar o escritório pela própria casa em meio à pandemia. Mas esse excesso de videoconferências tem causado estresse nos profissionais, que passam cada vez mais tempo diante das telas e das câmeras.
Empresas que já notaram isso começam a tomar medidas para limitar esse efeito e evitar a perda de produtividade, que tinha até aumentado com o tempo ganho sem deslocamentos.
O psicólogo Jeremy Bailenson, da Universidade de Stanford, nos EUA, usou a expressão em inglês “Zoom Fatigue” (fadiga do Zoom) para definir a estafa causada por repetitivas chamadas em uma das plataformas mais usadas hoje no mercado de trabalho.
Em um estudo publicado em fevereiro, ele concluiu que, apesar de suas vantagens, as reuniões virtuais podem estressar profissionais porque demandam ainda mais energia que os encontros presenciais.
Mãe de Fred, de 3 anos, Deborah Goldkorn, de 37 anos, sentiu esse peso logo no início da pandemia, em março de 2020. Diretora de relacionamento com profissionais da saúde da Sanofi CHC, unidade da farmacêutica voltada a medicamentos sem prescrição, ela chefia 85 pessoas.
— Antes da pandemia, eu viajava muito. Quando mudamos para o home office, as viagens minguaram e passei a organizar minha agenda com nove ou dez reuniões virtuais de uma hora cada. Fui sugada pelas demandas do dia a dia e não conseguia nem fazer pausas para me planejar para a reunião seguinte — conta.
Trégua para planejar
A situação começou a mudar em agosto, quando a empresa propôs quintas-feiras sem reuniões, para que o tempo fosse usado para planejamento, diz a executiva:
— Era tanta reunião que a gente sentiu que faltava tempo de silêncio e começou a discutir saúde mental. Agora, reuniões informativas são passado. Algumas coisas são comunicadas por WhatsApp ou rede social. Gera mais engajamento.
No mês passado, a Sanofi CHC criou uma série de atividades para promover a saúde mental dos funcionários. Uma das medidas foi orientar gestores a dosarem o tempo das reuniões e evitar marcar videoconferências às sextas, depois das 15h. Os encontros duram de 15 a 45 minutos, não mais.
— Vimos que a estafa com reuniões virtuais era grande. A sensação é de que sessões de uma hora por vídeo esgotam — diz Raquel Nogueira, gerente sênior de RH da empresa.
Divorciada, Deborah mora sozinha com Fred, que já interrompeu as videoconferências mais de uma vez. Agora, ela se sente confortável até para interromper uma reunião para almoçar com o filho:
— Na primeira reunião virtual que tive com toda a empresa, 400 pessoas, ele interrompeu bem na minha vez de falar, e me senti mal. Mas percebi que existe uma sororidade (apoio de outras mulheres).
Fabiana Piva, gerente executiva de Gente e Gestão da gigante de celulose Suzano, conta que pesquisas realizadas a partir de junho, para medir a ansiedade e tentar identificar o que gerava mais preocupação nos empregados, identificaram questões como a de que qualquer conversa ou troca de e-mail virava uma reunião.
Como aliviar a pressão
Em setembro, a Suzano elaborou um conjunto de “regras que valem ouro”. Gestores foram orientados a evitar reuniões antes das 9h e depois das 17h. Nada de convocar videoconferência na hora do almoço ou nas tardes de sexta. Outra recomendação foi tornar os encontros mais breves.
— No começo, a adesão foi baixa, mas reforçamos a importância. Hoje tem sido uma prática. Entendemos que não é produtivo nem saudável ter reuniões seguidas. Todos precisam de momentos de pausa, de ergonomia — diz Fabiana.
Maira Nisi, líder de design estratégico da Suzano que participou da elaboração de um conjunto de técnicas para tornar o home office mais fluido e produtivo na empresa, dá uma receita simples:
— Uma das estratégias é a tática Pomodoro, que intercala 25 minutos de concentração com cinco de descanso.
Para o consultor e professor de oratória Reinaldo Polito, o home office colabora para a banalização das videoconferências, o que aumenta a ansiedade das pessoas sobre suas performances. Segundo ele, o fato de as pessoas se olharem o tempo todo também gera preocupações com a própria imagem ou com o cenário atrás.
— As pessoas marcam porque é mais fácil se reunir, tem menos custo, mas com 12 reuniões por dia não é possível se preparar bem, é contraproducente — diz Polito, que recomenda que as câmeras sejam desligadas em alguns momentos da reunião. — As pessoas se sentem o tempo todo observadas e ficam se arrumando, o que é desgastante.
Também ajudam a acelerar as reuniões pautas prévias e atas posteriores, recomenda o professor. Um resumo breve do que foi discutido na última reunião evita que as pessoas iniciem outra recapitulando.
— Isso facilita o foco e você caminha mais rapidamente para o assunto — diz Polito.
O GLOBO