A evolução no número de inscritos nos principais concursos do Exército mostra forte correlação com a alta do desemprego no Brasil.
As inscrições para a EsPCEx (Escola de Preparação dos Cadetes do Exército) e para a ESA (Escola de Sargento das Armas) deram um salto significativo em 2016, quando o percentual de pessoas desocupadas ultrapassou a barreira dos 10%, segundo dados do IBGE —a taxa terminou 2020 em 14,2%.
O ano de 2016 coincide com a permissão para que mulheres concorram nessas provas. Contudo, mesmo excluindo as inscrições femininas, é possível verificar um forte aumento.
Na EsPCEx, o número de inscritos em 2015 foi de 17.633 jovens. No ano seguinte, chegou a 29.771 —sendo 22.064 homens. O número de inscritos ultrapassou 40 mil em 2017, patamar que se manteve até o ano passado.
Na ESA, as inscrições voltaram ao patamar que tinham no início do século. Em 2001, foram 113 mil homens concorrendo para as 1.480 vagas. O número caiu para 37.055 em 2006 e voltou a subir em 2019, quando alcançou 118 mil interessados —85 mil para o concurso exclusivo masculino.
“Quando a gente entra em crise, a procura pela carreira militar aumenta bastante. Os jovens procuram a estabilidade, um bom salário, fora os benefícios que a carreira oferece”, afirma Leonardo Chucrute, coordenador do curso preparatório Aprovação Virtual.
Além da estabilidade, o ingresso para estudar no Exército permite que o aluno receba de imediato uma ajuda de custo.
Na EsPCEx e na ESA, a ajuda de custo é de R$ 1.199. O curso de um ano na EsPCEx é a porta de entrada para a Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), onde o jovem recebe um soldo de R$ 1.334 até se tornar um oficial, com salário inicial na casa dos R$ 6.000.
O acesso à informação também contribuiu para o aumento no interesse, segundo Gustavo Klauck, coordenador da Academia Pré-Militar, outro curso preparatório.
“Antes só se tinha informação por meio de jornais impressos. Atualmente, a internet facilitou muito o acesso à informação e aos estudos. Hoje tenho alunos até em aldeias indígenas”, afirma Klauck, cujo curso é focado no ensino à distância.
O alistamento militar obrigatório é também um meio de entrada para jovens sem perspectiva imediata de emprego ou estudo. Foi o caso de Alan Amaral, 28, que há dez anos não tinha planos de estudo ou trabalho e viu no ingresso no Exército uma oportunidade.
“Não tinha tanta perspectiva, e era uma oportunidade boa. Acredito que muita gente entre por isso. Começa a ganhar seu dinheiro com 17 e 18 anos. Tem uma independência. Alguns têm um sonho, mas a maioria entra por isso”, disse ele.
Atualmente, o recruta recebe um soldo de R$ 1.078. Amaral foi selecionado para a Brigada Paraquedista e trabalhou por um ano e meio na ocupação do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Ele ficou ao todo três anos no Exército.
Amaral deixou a Força por decisão própria, cursou administração e atualmente estuda gestão financeira enquanto trabalha como corretor de imóveis.
“[No Exército] Absorve coisas ruins do militarismo, mas o amadurecimento também é tremendo. É muita disciplina. Não pode chegar cinco minutos atrasado, não pode estar com a cara de ontem, indisposto. Amadurece bastante”, disse Amaral.
O recruta selecionado no alistamento obrigatório pode permanecer por até oito anos no Exército. Mas pode ser dispensado ao longo desse período, por indisponibilidade de vagas.
Matheus Mendes, 23, foi dispensado após três anos de alistamento. Atualmente estuda para a prova da ESA para retornar aos quartéis.
“Sempre gostei por causa da disciplina, assistindo vídeos no YouTube. Achava muito maneiro as formaturas”, disse ele, morador de Japeri, na região metropolitana do Rio de Janeiro.
Dentro do Exército, ele atuou no setor de comunicações, onde ampliou seus conhecimentos de informática, área na qual já havia feito curso profissionalizante. Mendes trabalha atualmente na área enquanto estuda para os concursos militares.
Em nota, o Exército afirma que desenvolve o projeto Soldado-Cidadão, no qual os recrutas têm uma qualificação profissional visando o momento de saída da Força.
Filho de uma doméstica com um profissional autônomo, o jovem diz ver no Exército uma oportunidade de carreira estável. “Procurava uma carreira e também estabilidade. É muito maior do que na área civil.”
FOLHA DE S. PAULO