Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, reiteradas vezes, que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) deve ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins. Esse importante contencioso fiscal chegou à mais alta corte do país em 1988, e a última decisão, confirmada em 2017, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706, foi favorável ao contribuinte. Em uma clara manobra protelatória, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) ajuizou embargos declaratórios em outubro de 2017, para reanálise de pontos já debatidos pelos ministros. Pediu, também, a modulação dos seus efeitos para o futuro, sob o argumento de que o prejuízo aos cofres da União seria de grande vulto.
Argumento da PGFN, baseado no prejuízo aos cofres públicos, não deve se sobrepor à aplicação da lei A PGFN não considera, em seu pedido, a correta aplicação do direito e muito menos os graves prejuízos aos contribuintes que, ao longo de muitos anos, recolheram tributos indevidos aos cofres públicos. A modulação é um jeitinho brasileiro, não existe em qualquer outro direito tributário no mundo. Ou a cobrança é constitucional ou não. E, caso não seja, como o STF já decidiu, os valores devem ser devolvidos àqueles que foram obrigados a pagar por um erro do governo. Nosso país encara seríssimos desafios, conhecidos de todos. Um dos mais importantes é reanimar a economia nacional, vitimada pela recessão de 2015-2016 e pelos severos impactos causados pela pandemia da covid-19. Do que não precisamos agora é mais insegurança jurídica, um mal crônico que afasta de nosso país investidores e capitais que poderiam estar gerando os empregos demandados pela nossa gente. Entre 2014 e 2016, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil registrou uma forte retração de 9%. Depois de três anos de crescimento muito baixo, em 2020, a economia encolheu 4,1%. Nesse longo período de crise, mais de 20 mil empresas apresentaram pedidos de falência ou de recuperação judicial, segundo a Serasa Experian. Na indústria, a situação é ainda pior. Enquanto na última década o PIB brasileiro apresentou o pífio crescimento médio anual de 0,3%, o PIB da indústria de transformação apresentou retração média de 1,6% ao ano.
Excentricidades que ajudam a deteriorar o ambiente de negócios são indesejáveis. De acordo com o relatório Competitividade Brasil 2019-2020, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil apresenta um dos três piores ambientes para se fazer negócio entre os dezoito países avaliados. E não causa surpresa que a insegurança jurídica seja uma das variáveis a pesar negativamente contra nós.
O índice Rule of Law, do World Justice Project, é uma referência para a avaliação da segurança jurídica de um país. Ele varia de zero a 1 e é gerado a partir da percepção de confiança de especialistas sobre as regras da sociedade. Quanto mais próximo de 1, melhor. O índice medido no Brasil é 0,52. Infelizmente, ocupamos a 67ª posição entre os 128 países avaliados. Enquanto a PGFN busca arrastar o caso, a vida segue. Os créditos provenientes da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins vêm assumindo papel relevante nos resultados das empresas. Em meio à situação econômica adversa, muitas companhias já estão lançando em seus balanços os créditos tributários com base na definição judicial transitada em julgado e na decisão do Supremo.
Levantamento feito pela CNI nos últimos balanços disponíveis para as 60 maiores empresas do Brasil, classificadas pelas vendas líquidas pela revista Exame, aponta que 27% delas tinham lançamentos relativos a créditos tributários extemporâneos referentes à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins. Apenas nos anos relativos a esses balanços, as 16 empresas lançaram R$ 24 bilhões como “créditos tributários a recuperar reconhecidos”. A modulação dos efeitos do julgamento ou da adoção de conceito restritivo no cálculo do ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins provocaria impactos negativos nos próximos balanços dessas empresas. É necessário considerar, também, que parte dos valores dos créditos lançados já foram repassados para acionistas, na forma de dividendos, e para funcionários, no caso das companhias que mantêm programas de participação nos lucros.
A própria Fazenda Nacional ficou com parte dos ganhos obtidos a partir do lançamento dos créditos, pois o Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) incidem sobre o resultado apurado pelas companhias. Caso as empresas tenham que rever esses lançamentos, os eventuais prejuízos gerados nessa retificação vão demorar muito tempo para serem compensados contra lucros futuros. Isso porque a legislação limita o uso do prejuízo fiscal a 30% do lucro de cada período. O julgamento dos embargos declaratórios ajuizados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional está marcado para amanhã, dia 29. A decisão do STF é esperada com muita preocupação pelos contribuintes em razão das severas consequências sobre o caixa das empresas.
Segundo a própria Fazenda Nacional, caso o Supremo não decida pela modulação dos efeitos da decisão, de forma que a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins seja feita apenas depois da finalização do julgamento, o impacto nas contas públicas alcançaria R$ 250 bilhões. Esse cálculo poderia variar conforme a decisão a respeito do valor do ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins, que poderá ser o efetivamente recolhido ou o destacado nos documentos fiscais. No entanto, é preciso considerar os efeitos que a decisão terá sobre os contribuintes. Caso o posicionamento do Supremo seja pela modulação dos efeitos, há o fato de que cerca de R$ 250 bilhões foram arrecadados pelo Fisco de forma inconstitucional e de que tal valor não será devidamente restituído às empresas.
Uma eventual decisão do Supremo que não restitua os tributos indevidamente recolhidos no passado aumentará ainda mais o Custo Brasil, que consome cerca de R$ 1,5 trilhão ao ano das empresas, como indica o estudo feito pelo Movimento Brasil Competitivo em parceria com o Ministério da Economia. Também vai prejudicar a recuperação das empresas, que estão fragilizadas pela grave crise econômica, e a retomada do crescimento sustentado do país. Por isso, o argumento da PGFN, baseado no prejuízo aos cofres públicos, não deve se sobrepor à aplicação da lei. Tampouco pode ser motivo para impor pesadas perdas às empresas e para aumentar ainda mais a insegurança jurídica no país. Robson Braga de Andrade é empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
VALOR ECONÔMICO