Além de ter demorado para começar a ser distribuído, o auxílio emergencial deste ano está pagando valores bem abaixo dos praticados em 2020 e beneficiando um grupo mais reduzido da população. Em consequência, não está conseguindo evitar o crescimento da pobreza e vários outros desastres como a fome e atrasos na educação. Diversos indicadores vêm evidenciando esses problemas, alertando as autoridades, sem comover o governo federal.
O auxílio emergencial de 2020 começou a ser distribuído em abril no valor de R$ 600, por pressão do Congresso, que obrigou o governo a triplicar a quantia inicialmente pretendida. O dinheiro foi para a conta de 67 milhões de brasileiros mensalmente até dezembro, caindo para R$ 300 nos últimos três meses do ano. Apesar de estar mais do que claro que a pandemia seguia intensa e sem tréguas no início do ano, o governo gastou três meses articulando um novo programa e somente começou a pagá-lo neste mês, por um prazo inicial de quatro meses, no valor médio de R$ 250, para 45,6 milhões de pessoas. Se o programa anterior custou R$ 294 bilhões, neste ano a previsão do governo é gastar R$ 44 bilhões. Mas tudo indica que a ajuda será necessária por mais tempo. O saque foi restrito a uma pessoa por família e limitado a indivíduos que já receberam o auxílio em 2020. Quem perder a renda esse ano não poderá contar com a ajuda.
O atraso das novas concessões do auxílio, o corte no valor e a redução do número de beneficiados, além do efeito perverso da segunda onda da pandemia na economia são visíveis no aumento da miséria nas cidades, grandes e pequenas – e nas estatísticas. A mais recente é do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP) que estima que mais de 61 milhões de brasileiros estarão na pobreza neste ano. O número, equivalente a 28,9% da população, representa um salto de 42%, ou de 18,1 milhões de pessoas, em comparação com os 43 milhões de pobres detectados em julho de 2020. Naquele momento, o auxílio emergencial mais polpudo conseguiu até reduzir por algum tempo a pobreza que afligia 51,9 milhões de pessoas antes da pandemia. A pobreza vinha crescendo desde 2015, desencadeada pela recessão que durou três anos e ganhou velocidade com pandemia. Desse total de 61 milhões de pessoas, 19,3 milhões estarão na pobreza extrema neste ano, ou 9,1% da população. A extrema pobreza será quase quatro vezes maior do que a registrada em julho do ano passado, quando atingia 5 milhões de pessoas, e superior até aos 13,9 milhões de 2019. Os cálculos foram feitos a partir da Pesquisa Nacional Anual de Domicílios (Pnad) Contínua de 2019 e da Pnad Covid realizada ao longo de 2020. Com base nos mesmos dados, outros pesquisadores chegam a números ligeiramente diferentes, mas com a mesma conclusão.
O FGV Social calculou que, em agosto, a população pobre era de 4,5% do total, menos da metade dos 10,97% registrados antes da pandemia. No primeiro trimestre deste ano, no entanto, sem o auxílio, o percentual de pobres saltou para 12,8%, nível pior do que antes da pandemia. A conta considera como linha de pobreza uma renda abaixo de R$ 246 mensais per capita. Com a volta do auxílio, mas de menor valor, a perspectiva é que o percentual recue apenas ligeiramente, para 10%. O FGV Social e a consultoria Tendências também constatam o aumento das classes E e D, e o encolhimento da classe média.
Há reflexos ainda no endividamento. Levantamento da Serasa Experien calculou que o número de brasileiros inadimplentes fechou o ano passado em 61,4 milhões, bem abaixo do pico de 65,9 milhões de abril, no início da pandemia. Em janeiro e fevereiro deste ano, esse número já tinha crescido para 61,6 milhões. O aumento da fome é outra faceta do mesmo problema. Quase metade da população brasileira enfrenta a insegurança alimentar, relata o The New York Times (24/4). Uma das saídas passa pelo aumento do valor e do prazo de distribuição do auxílio emergencial que, em 2020, foi vital para que a economia encolhesse menos do que se esperava, garantiu empregos e arrecadação. Os jovens e as crianças precisam de um apoio especial para conseguir acompanhar as aulas à distância e minimizar prejuízos na formação e competitividade no mercado de trabalho.
VALOR ECONÔMICO