O governo deve abrir mão de R$ 365,2 bilhões em receitas em 2022 com isenções, subsídios e desonerações a setores específicos. O valor equivale a 4,11% do Produto Interno Bruto (PIB) e, se concretizado, representará um aumento em relação ao esperado para 2021 (4,02%). A alta vai na contramão do plano de redução prometido pela equipe econômica e que foi fixado na Constituição por meio da PEC emergencial.
A projeção dos chamados gastos tributários consta no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2022, enviado na semana passada ao Congresso Nacional.
A maior parte desse subsídio está concentrada em apenas cinco ações: Simples Nacional (R$ 85,5 bilhões), modelo simplificado de impostos para pequenos negócios, Zona Franca de Manaus (R$ 42,9 bilhões), rendimentos isentos e não tributáveis do Imposto de Renda Pessoa Física (R$ 37,7 bilhões), agricultura e agroindústria, incluindo cesta básica (R$ 37,0 bilhões), e entidades sem fins lucrativos (R$ 32,3 bilhões).
Dessas cinco ações, três estão totalmente blindadas do plano de redução: Simples, Zona Franca e entidades sem fins lucrativos. Uma delas está parcialmente protegida: a emenda constitucional prevê que a desoneração da cesta básica está livre da tesourada. Em 2022, ela será de R$ 22,1 bilhões.
O montante dos subsídios e sua estagnação em patamar acima de 4% do PIB desde 2013 são vistos por economistas como fortes indícios da dificuldade política de mexer nesse vespeiro. Iniciativas de diferentes governos, de variados espectros ideológicos, naufragaram no Congresso após colidir com o poderoso lobby dos setores beneficiados.
Recentemente, um segmento conseguiu até mesmo ampliar suas benesses. Com apoio do presidente Jair Bolsonaro, os parlamentares derrubaram um veto e, na prática, concederam às igrejas a isenção de Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), ao custo de R$ 1,4 bilhão até 2024. A votação ocorreu dois dias após a promulgação da emenda constitucional que instituiu o plano de redução.
“É difícil. Cada um que consegue tem uma excelente narrativa para justificar a benesse”, diz o sócio e economista-chefe da MZK Investimentos, Alexandre Manoel, que já foi secretário de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria e esteve na linha de frente de avaliação e revisão desses incentivos.
Uma das distorções já conhecidas é a da própria desoneração da cesta básica. Pensada para aliviar o bolso das famílias mais pobres na compra de alimentos básicos, a política acaba alcançando artigos de luxo, como filé mignon, salmão, ovas de peixe, entre outros.
Como exemplo da dificuldade política, Manoel cita o caso de São Paulo, onde a Assembleia Legislativa aprovou uma proposta do governador João Doria (PSDB) de cortar incentivos dados a produtos da cesta básica como parte do ajuste fiscal. Apoiadores de Bolsonaro atacaram o aumento nas redes sociais, o que levou Doria a recuar na medida.
Plano
O governo federal tem até meados de setembro de 2021 para enviar ao Congresso Nacional o plano para reduzir os gastos tributários, junto com as propostas legislativas que efetivarão o corte. Será preciso reduzir o equivalente a 10% (em termos anualizados) ainda este ano e traçar um plano capaz de diminuir os gastos tributários a 2% do PIB em até oito anos.
O cumprimento desse plano pode melhorar dramaticamente a trajetória da dívida pública brasileira, uma vez que a redução dos subsídios eleva a arrecadação. Segundo projeções do Tesouro Nacional, a dívida bruta, que fechou em 89,3% do PIB em 2020, cairia a 72,5% do PIB em 2030 caso a força total do plano seja colocada em prática.
Fora do governo, porém, ainda há dúvidas sobre a capacidade de o governo levar adiante uma proposta mais ambiciosa. “O governo tem de enviar o plano, isto é, um conjunto de proposições legislativas, até setembro. O problema é que, do jeito como a PEC emergencial foi aprovada, o Congresso vai poder apreciar ou não. Não tem prazo, não tem punição, foi malfeita a regra. Aliás, é curioso que, mediante essa crise fiscal tremenda, o governo ainda não tenha enviado a proposta”, avalia o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto.
O ESTADO DE S. PAULO