A pandemia da covid-19 fez sindicatos de empresas e de trabalhadores sentarem à mesa para negociar regras para o teletrabalho. Dos 20.038 acordos ou convenções coletivas firmados em 2020, 2.738 (13,7%) trataram do assunto. Um salto em comparação ao ano anterior. Em 2019, o home office estava previsto em 284 negociações (1,2%), segundo levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), fornecido com exclusividade ao Valor.
A maior parte das cláusulas coletivas firmadas em 2020 trata, além da autorização, sobre fornecimento de equipamentos e concessão ou suspensão de auxílios e benefícios. Também foram identificadas cláusulas que abordam redução de jornada e da suspensão de contrato de trabalho, previstas nas medidas provisórias (MPs) nº 927 e nº 936 (atual Lei nº 14.020, de julho de 2020). Apesar dos avanços, advogados tanto de empresas quanto de trabalhadores afirmam que ainda existe muita margem para negociação neste ano. “Agora, estamos numa segunda onda do home office. A primeira foi de sobrevivência. Não tinha outra maneira de fazer com que o trabalho seguisse. Agora, ele pode ser usado como um instrumento de retenção de talentos. Todos viram os benefícios”, diz o advogado Leonardo Jubilut, sócio do Jubilut Advogados, que assessora sindicatos patronais. Essa é a mesma sensação do advogado que assessora sindicatos de trabalhadores, José Eymard Loguercio, do LBS Advogados. Para ele, as negociações, em sua maioria, procuraram resolver os problemas imediatos – a preservação da saúde, da vida e do emprego. E, acrescenta, avançaram em pontos importantes para uma regulação do teletrabalho, como a questão dos equipamentos e custos adicionais. “Mas há muito por construir ainda”, afirma. O teletrabalho está previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), desde 2017, por meio do artigo 75-A e seguintes, inseridos pela reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017). De acordo com especialistas, a legislação deixou muitas lacunas, mas traz liberdade para a negociação entre empregadores e trabalhadores. Em 2020, segundo o estudo do Dieese, a maioria das negociações aconteceu no setor de serviços (17,5%) e comércio (16,3%). Na indústria, o percentual foi menor (9,7%), o que pode ser explicado pela dificuldade de se executar remotamente a maioria das atividades. No meio rural, o percentual foi ainda menor, de apenas 1,1%.
Entre as principais preocupações dos trabalhadores estava a montagem da estrutura necessária para o teletrabalho, além de aumento nos gastos com internet, telefone e eletricidade “Como foi um home office forçado, muitas pessoas foram pegas de surpresa sem ter a menor infraestrutura para trabalhar em casa”, diz Daniel Taquiguthi Ribeiro, técnico do Dieese responsável pelo estudo. Aproximadamente 36% dos acordos ou convenções trataram desses pontos em 2020. Em 15% do total, ficou estabelecido que o fornecimento dos equipamentos ou da infraestrutura seria de responsabilidade do empregador. A maior parte não detalha, porém, como serão fornecidos. Algumas cláusulas estabelecem a entrega por meio do regime de comodato – o empregado usa os equipamentos e os devolve no final. E um número pequeno das negociações define que a manutenção deve ser feita às custas do empregado.
Algumas negociações preveem um valor mensal fixo de ajuda de custo ou reembolso. Em geral, os valores oscilam entre R$ 40 e R$ 220, segundo o técnico do Dieese. Parte delas condiciona o pagamento à comprovação dos gastos. Para Ribeiro, a tendência é que ocorram mais negociações sobre auxílios, uma vez que agora os sindicatos já estão mais preparados para essa reivindicação. “Cada vez mais empresas têm concedido [auxílio]. Houve redução nos gastos com a infraestrutura dos escritórios e nada mais justificável que estabelecer um auxílio para os trabalhadores”, afirma. Em apenas 3% das negociações, as cláusulas definem que o empregado é o responsável pelos equipamentos e infraestrutura, com a justificativa de que se trata de um momento excepcional. Em outros 3% ficou definido que a responsabilidade seria dividida entre empresa e trabalhador.
De acordo com o advogado Leonardo Jubilut, as negociações têm muito a melhorar. Para ele, ainda existe uma resistência das próprias empresas. “Como a lei não impõe obrigações, algumas não querem dispor de nada”, afirma ele, acrescentando que o melhor caminho é a negociação coletiva, para dar segurança jurídica a todos. Entre os pontos que podem ser negociados, Jubilut destaca a ajuda de custo para as despesas com aquisição de equipamentos e manutenção do home office e o estabelecimento de uma forma alternativa de controle de jornada. Ele cita ainda questões voltadas para a saúde e segurança, como riscos ergonômicos. “Isso poderia evitar problemas futuros para as companhias”, diz.
O advogado José Eymard Loguercio, do LBS Advogados, que assessora trabalhadores, também concorda. “Há muito por construir ainda. Por exemplo, a questão da desconexão, dos controles de jornada, da intimidade e do uso dos equipamentos, a ergonomia e o que desafia o futuro: a realidade do home office, para muitos setores, veio para ficar.” A juíza do trabalho Noêmia Porto, presidente da Associação Nacional da Justiça do Trabalho (Anamatra), no entanto, ressalta que existem parâmetros a serem observados para essas negociações, previstos no artigo 611-A, inciso VIII, da CLT. “Não é uma autorização ampla e irrestrita”, diz. Entre os exemplos do que não se poderia negociar, cita, está a transferência do custo dos equipamentos necessários ao teletrabalho. “As despesas do trabalho são ônus do empregador”, afirma. Ela acrescenta que também não se pode exonerar a empresa de responsabilidade por doenças laborais ou acidentes de trabalho.
VALOR ECONÔMICO