Parecia que 2021 não seria tão difícil. Há um ano, muitos imaginavam que a esta altura a pandemia estaria controlada. Mas a realidade é mais cruel do que nossos sonhos. Não é preciso citar os números da covid para ilustrar o desastre magnificado pela inépcia negacionista do governo federal. Na economia não estamos melhor. Como se temia, o isolamento social não foi forte o suficiente para controlar a pandemia, mas foi brutal para a atividade econômica. De forma análoga, a reação do governo foi suficiente para explodir a dívida pública, mas não conseguiu evitar uma recessão de dimensão histórica.
O nível de emprego é nosso ponto nevrálgico, o nervo exposto do dente cariado da economia. A mensuração desta variável está prejudicada. A pesquisa Caged alterou sua metodologia, o que não impede o governo de comemorar dados que não são comparáveis. Por sua vez, a Pnad, conduzida pelo sofrido IBGE, passou a ser feita por telefone, o que também gera distorções. Ainda assim, o que o IBGE nos conta é trágico. O total de pessoas desocupadas subiu de 11,9 milhões em janeiro de 2020 para 14,3 milhões em janeiro último. O número de pessoas fora da força de trabalho saltou de 65,7 milhões para 76,4 milhões no mesmo período. Também entre janeiro de 2021 e janeiro do ano passado a massa de rendimentos efetivamente recebidos passou, em termos reais, de R$ 255,6 bilhões para R$ 226,5 bilhões, queda de 11,4%. Este tombo foi parecido com a redução no número de pessoas ocupadas no setor privado com carteira assinada, da ordem de 11,6%. O recuo no número de empregadores foi ainda maior, 12,4%. O contingente de trabalhadores domésticos despencou 21,4%, ao passo que no setor de alojamento e alimentação o declínio alcançou 28,1%, sempre na comparação entre janeiro de 2021 e janeiro de 2020. É importante notar que, no mesmo período, o índice de nível de atividade do Banco Central, que guarda grande correlação com o PIB, caiu apenas 0,5%. Isto quer dizer que tanto a atividade como o emprego mergulharam e atingiram pontos mínimos em meados do ano passado, mas na recuperação do segundo semestre o emprego ficou para trás, já que a retomada foi concentrada em setores que geram relativamente menos postos de trabalho. A segunda onda da pandemia tende a agravar este descompasso. Empresas que renegociaram dívidas e postergaram impostos terão agora que enfrentar suas dívidas em plena recessão. Muitas não sobreviverão. Pesquisa da XP-Ipespe de março mostra que 45% dos pesquisados acreditam que é pequena ou muito pequena a chance de manterem o emprego nos próximos seis meses. A mesma enquete registra que 65% acham que a economia está no caminho errado.
O Ministério da Economia não demonstra maior preocupação com o colapso do nível de emprego. Enquanto os EUA rompem com paradigmas fiscais e anunciam um megaprograma de incentivo ao crescimento, ficamos aqui enroscados em dogmas e crenças. O pequeno auxílio emergencial de 2021 foi extraído a fórceps, o programa de sustentação dos empregos formais não foi renovado e a barafunda na aprovação do Orçamento de 2021, em pleno mês de abril, mostra que a política econômica se perdeu. O desemprego ainda vai se agravar no segundo trimestre. A recuperação, mais adiante, será lenta, na ausência de uma ação mais firme do governo. Neste contexto, a popularidade restante do presidente pode derreter ao sol tropical, o mesmo que castiga o exército de famélicos que vemos nas ruas. Contar com Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2022 é, no mínimo, precipitado, o que não deixa de ser um alento. O descalabro é clamoroso. O caos é notório. O ajuste de contas, inevitável.
- ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DE ECONOMIA DA PUC-SP E FGV-SP. E-MAIL : LUISEDUARDOASSIS@GMAIL.COM
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