A maioria dos brasileiros está fazendo uma verdadeira ginástica financeira para conseguir conviver com a inflação alta e a falta de renda, provocada pela queda da atividade em razão da pandemia.
O galope nos preços não é algo desconhecido para boa parte da população que, em meados dos anos 1990 – antes do Plano Real que estabilizou a moeda –, chegou a conviver com taxas mensais na casa de 40%. Em março, a inflação oficial atingiu quase 1% em um só mês. Em 12 meses, a alta beira 7%, especialmente para as famílias de menor renda. Em relação a quase 30 anos atrás, a inflação é bem menor, mas, na prática, o quadro hoje é mais grave por causa da falta de renda, concordam os entrevistados ouvidos pelo Estadão.
“Na época da hiperinflação era ruim, os preços estavam um abuso, mas a gente podia fazer um pano de prato para vender e tinha condição de comprar arroz, óleo”, lembra a empregada doméstica Zenilda Tiuba da Silva, de 56 anos, que cria sozinha um casal de netos. Mesmo com emprego fixo, o salário de R$ 1,2 mil mensais ficou nos últimos meses insuficiente para cobrir as despesas da casa. “A inflação me derrubou”, reclama.
Sem condições financeiras, mandou os netos de volta para a casa do filho e apertou o cinto. Cortou o plano de internet, substituiu o óleo de soja pela banha de porco na hora de cozinhar e a carne por ovo, salsicha.
Também ela tem procurado uma renda extra. Na Páscoa, fez entrega de ovos. “Com o dinheiro comprei um botijão de gás, um frango, uma dúzia de ovos e arroz.” Agora começou a montar minijardins de plantas suculentas. Com a renda curta, também passou a fazer compras “picadas”: só vai ao supermercado quando acaba algum item na despensa.
A catadora de produtos para reciclagem Eliane Carmo da Silva, de 37 anos, moradora da comunidade de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, é outra que não vai ao supermercado regularmente. Ela apenas compra comida quando o marido, desempregado, consegue fazer algum bico como pedreiro. “Daí a gente vai ao supermercado e pega pé de frango ou ovo. A carne está um absurdo, faz muito tempo que não como.” A última vez foi seis meses atrás, quando ainda morava no Recife (PE).
Os R$ 250 que Eliane tira por mês como catadora vão integralmente para pagar o aluguel. No ano passado, ela recebeu o auxílio emergencial, mas faz três meses que não conta com esse dinheiro. “A gente pega cesta (básica) aqui em Paraisópolis.”
Assim como Zenilda, a catadora está fazendo trocas para enfrentar esse período de carestia. No lugar do arroz, que está na faixa de R$ 30 um pacote de cinco quilos, Eliane conta que, quando pode, compra fubá. Com o produto, que sai por R$ 2,50 o quilo, ela prepara um angu para comer com ovo. “Um pacote dá para fazer três vezes, é o que está segurando.”
Marca
Diante do aperto na renda e da alta de preços, a esteticista e manicure Vania Candida dos Santos, de 51 anos, também aderiu às trocas, mas entre marcas de um mesmo item. “Só compro o básico, fico trocando de marca e levo para casa a mais baratinha.” O sabão em pó Omo, por exemplo, que costumava usar, foi substituído pelo Tixan Ypê, que, segundo ela, é mais em conta. O leite Ninho, que era o seu preferido, foi trocado pelo Dia, que é a marca própria de uma rede varejista.
Vania que tirava cerca de R$ 3 mil por mês antes da pandemia, atendendo clientes em domicílio, viu sua renda despencar. “Como as minhas clientes são idosas, na faixa dos 80 anos, onde o risco da covid é maior, elas ficaram com medo.”
Além de cortar gastos no supermercado, ir à feira na hora da xepa para economizar, pedir desconto no aluguel e suspender o plano de internet, outra saída encontrada pela esteticista foi buscar novas fontes de renda. Nos últimos tempos, Vania tem feito máscaras e outros bicos de costura, pintado parede, aplicado textura e até rejuntado revestimento de piscina.
Na sua opinião, o que mais lhe afeta neste momento é a falta de renda. “A inflação aumentou, mas, quando você tem clientela e pode fazer o serviço, você aumenta um pouquinho. Só que agora não tem cliente, a paradeira atrapalhou.”
Combustível
Na fila para obter a aposentadoria, o professor universitário Paulo Henrique Viggu, de 55 anos, que atualmente faz trabalhos como freelancer para plataformas de educação e também atua como músico, diz que tem sentido mais de perto o efeito da inflação na hora de abastecer o carro. “Cheguei a pagar R$ 4 pelo etanol.”
Apesar de morar numa cidade pequena do interior, ele conta que por causa da pandemia e sobretudo pela alta do etanol reduziu o uso do carro. Na sua opinião, a situação atual é bem pior do que a na época da hiperinflação. “Naquela época só tinha inflação, hoje também a renda está afetada.”
O ESTADO DE S. PAULO