O Tribunal Superior do Trabalho (TST) abriu um importante precedente para as empresas que querem contratar trabalhadores avulsos por meio de sindicatos, e não pelo Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), entidade criada para esse fim há quase 30 anos. A decisão tomada recentemente é importante por sinalizar a posição dos ministros em um julgamento pendente que terá abrangência nacional. Na prática, o TST vai decidir o destino de acordos coletivos firmados por terminais e sindicatos há pelo menos quatro anos em portos como o de Santos (SP), Espírito Santo, Manaus e Pará. Esses acordos, feitos com base na Lei dos Portos (nº 12.815, de 2013), têm sido derrubados por tribunais regionais do trabalho. Pela norma, a intervenção do órgão poderia ser dispensada por meio de previsão em norma coletiva expressa. Os desembargadores entendem, porém, que é função exclusiva do Ogmo o fornecimento de trabalhares avulsos, que não possuem vínculo de emprego e prestam serviço a diversos empregados por breve período de tempo. Um dos acordos anulados foi o da Portocel, situada em Aracruz (ES), onde é embarcada a celulose da Suzano, da Cenibra e da Veracel. Em épocas de maior movimentação de carga, a empresa chega a recrutar uma média de 5 mil avulsos, o que representa 40% da mão de obra.
De acordo com Anselmo Farias Oliveira, consultor jurídico da Portocel, o recrutamento via Ogmo gera perda de competitividade para a empresa. “O Ogmo se revelou uma estrutura burocrática com custos altos e isso se reflete nas nossas operações”, afirma, citando ineficiência do órgão no atendimento de requisições e qualidade nos treinamentos de trabalhadores. No precedente aberto recentemente, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST validou acordo coletivo firmado pela Norte Operações de Terminais que previu a atuação do Sindicato dos Estivadores do Pará para o fornecimento de trabalhadores para o carregamento e descarregamento de carga em três portos do Estado. “Existindo previsão em norma coletiva autônoma no sentido de regular a contratação de mão de obra portuária avulsa por intermediação direta do respectivo sindicato profissional, o disposto no instrumento precederá o órgão gestor e dispensará sua intervenção nas relações entre capital e trabalho no porto”, afirma, no voto, o relator, ministro Mauricio Godinho Delgado. Para ele, a atuação do sindicato está expressamente autorizada pelo artigo 32, parágrafo único, da Lei dos Portos (RO 636- 89.2018.5.08.00 00). O dispositivo prevê que “caso celebrado contrato, acordo ou convenção coletiva de trabalho entre trabalhadores e tomadores de serviços, o disposto no instrumento precederá o órgão gestor e dispensará sua intervenção nas relações entre capital e trabalho no porto”.
O advogado Lucas Rênio, sócio da Advocacia Ruy de Mello Miller, discorda da interpretação do TST. Para ele, não há sentido que o parágrafo único do artigo 32 afaste a previsão do caput do próprio artigo e da Lei nº 9.719, de 1998, que determina que os operadores portuários criem um órgão de gestão de mão de obra. “A lei não pode ser contraditória e autofágica, criando uma instituição e ao mesmo tempo abrindo espaço para a sua preterição”, diz. Segundo o advogado, o dispositivo dispensa a atuação do Ogmo para intervir sobre treinamento e outros itens acessórios sobre o desenvolvimento do trabalho avulso, quando houver norma coletiva que discipline essas questões. O Ministério Público do Trabalho (MPT) vai recorrer da decisão do TST. De acordo com Edelamare Barbosa Melo, subprocuradora-geral do trabalho, a discussão vai além da prevalência do acordo coletivo sobre o legislado, garantida pela reforma trabalhista (artigo 611-A da CLT). “O que está em discussão é a precarização do trabalhador portuário e o desvio de finalidade da atuação sindical, que é de defesa do trabalhador e não de prestador de serviço”, diz.
O precedente é importante para outro julgamento na Seção de Dissídios Coletivos do TST, que terá alcance nacional. Na ação, a Federação Nacional dos Operadores Portuários (Fenop) pede que a Corte declare ser da competência exclusiva do Ogmo a gerência e o fornecimento dos trabalhadores avulsos. Requer ainda que os sindicatos sejam proibidos de intermediar mão de obra. Ainda não há data para o julgamento (DC-1000360-97.2017.5.00.0000). Criado com a primeira lei de modernização dos portos no início dos anos 1990, justamente para substituir os sindicatos na administração de mão de obra nos portos, o Ogmo é custeado pelas empresas que atuam nos portos públicos. Por lei, é obrigação dos operadores criar e manter o órgão. Os terminais privativos não arcam com os custos fixos, apenas com as despesas pelo recrutamento dos trabalhadores avulsos, como salário e transporte, o que indica um problema de concorrência. O procurador Ronaldo Fleury, que trabalhou na implantação do sistema Ogmo, é cético na competência dos sindicatos para fazer o trabalho de intermediação de mão de obra, que envolve a arrecadação e repasse de salários e encargos, controle de jornada, rodízio entre trabalhadores e treinamento. “Na prática, é a troca de um sistema eletrônico e justo de escalação pelo bel-prazer de líderes sindicais”, afirma.
José Adilson Pereira, presidente da Federação Nacional dos Estivadores, diz que, uma vez firmado o acordo coletivo, o trabalho é feito em conjunto pelo sindicato e a empresa. Segundo ele, o Ogmo não atende a demanda dos operadores e terminais privativos. “O trabalhador fica desempregado por causa disso. O Ogmo deve se reinventar”, afirma, citando medidas como proteção de terminais contra passivos trabalhistas e cobrança de um valor diferente pelo recrutamento a partir da movimentação da carga. O presidente da Federação Nacional dos Operadores Portuários (Fenop), Sergio Aquino, porém, considera o Ogmo um modelo mundial para gestão do trabalho avulso. Para ele, não é possível transferir para terceiros as atribuições do órgão por meio de negociações nas quais ele sequer participa. “Estamos trabalhando em melhorias de gestão, de redução de custos e equacionamento de passivos. Mas defendemos o respeito à lei”, afirma.
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