É consenso que o País precisa de uma profunda reforma tributária, capaz de modernizar e tornar mais funcional seu sistema de impostos, contribuições e taxas. Não há quem defenda o atual sistema. Por exemplo, desde que assumiram as presidências da Câmara e do Senado, em fevereiro deste ano, o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) afirmam que a reforma tributária é uma prioridade do Congresso.
Declarações desse teor não são novidade. De modo muito semelhante, presidentes anteriores das duas Casas defenderam a “urgência” da reforma tributária.
No entanto, apesar de todo esse apoio formal, a reforma não tem sido prioridade para os Poderes Legislativo e Executivo, como se fosse um tema sem maior relevância. Basta ver que, como relatou o Estado, a comissão do Congresso constituída para tratar do assunto está parada.
Em março do ano passado, o Congresso instalou a Comissão Mista Temporária da Reforma Tributária, com o objetivo de realizar uma fusão das três propostas em tramitação: a da Câmara (formulada pelo economista Bernard Appy), a do Senado (de autoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly) e o projeto de lei enviado pelo governo federal criando um novo imposto a partir da união do PIS/Cofins.
No entanto, até o momento, o relator da Comissão Mista, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), não apresentou seu parecer.
Sabe-se que, na política, existe uma distância entre o discurso e a realidade. No entanto, quando o assunto é reforma tributária, parece que os discursos perdem qualquer conexão com a realidade.
Por exemplo, em janeiro deste ano, o deputado Aguinaldo Ribeiro afirmou acreditar na aprovação da reforma tributária na Câmara até março. O mês terminou e o relator nem mesmo apresentou seu parecer.
Inicialmente, o prazo da Comissão Mista terminava no dia 28 de agosto de 2020. Foi prorrogado para 10 de dezembro de 2020, depois para 31 de março de 2021 e, agora, para 30 de abril de 2021. No ano passado, foram feitas 11 audiências públicas. No entanto, sem o parecer do relator, tudo fica parado.
“Tem de falar com o relator, ele que tem de dizer sobre o relatório. Eu tenho cobrado o relatório”, disse o presidente da Comissão Mista, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), ao ser questionado pelo Estado sobre o andamento dos trabalhos.
Há muito trabalho a ser feito. As propostas de Bernard Appy e de Luiz Carlos Hauly têm pontos de proximidade, como a importância atribuída a um Imposto sobre Bens e Serviços, a um Imposto Seletivo e à redução do número de tributos. Mas há também divergências relevantes a respeito, por exemplo, de competência normativa, modos de partilha da arrecadação entre União, Estados e municípios e as formas e períodos de transição.
Também não é demais lembrar que uma reforma tributária envolve muito mais do que os dois pontos que o governo federal costuma mencionar sobre o assunto: simplificação de tributos e redução da carga tributária. Uma discussão sobre o sistema de impostos, contribuições e taxas deve incluir a inserção global do País, a competitividade, as possibilidades de incentivos, o fim da guerra fiscal, a facilitação do investimento produtivo e – muito importante – a tributação da economia digital, tema prioritário da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Lembrar a urgência e a necessidade da reforma tributária não significa, portanto, dar a entender que o tema seja simples. Há um longo trabalho a ser feito e, precisamente por isso, o Congresso instalou uma Comissão Mista sobre o tema. É preciso, no entanto, avançar. Não basta prorrogar sucessivamente seu prazo de vigência.
No início de fevereiro, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco anunciaram um acordo para aprovar a reforma tributária em um prazo de seis a oito meses. Seria muito oportuno que o Legislativo, ciente de sua responsabilidade perante o País, assumisse de fato essa empreitada. Para essa tarefa, não se deve esperar ajuda do governo Bolsonaro, cujas preocupações são outras.
O ESTADO DE S. PAULO