Governo quer usar parte dos recursos da previdência como garantia de crédito

O governo quer permitir aos clientes usar parte dos recursos poupados em previdência complementar como lastro de empréstimos com o objetivo de conseguir baratear o custo do crédito. A permissão está prevista em medida provisória (MP) em elaboração pelo Ministério da Economia para fomentar as garantias, aumentando a competição no mercado com redução da taxa de juros e portabilidade das operações de crédito.

A MP cria a Câmara de Gestão de Garantias (CCG) e está em estudo há mais de um ano e meio, ação apontada com grande potencial para estimular o crédito e ser uma das principais bandeiras na área de medidas microeconômicas do governo.

A Câmara também vai administrar essas garantias e também facilitar operações com empresas. A central vai avaliar o valor do imóvel e dizer quanto a pessoa ou a empresa pode pegar de financiamento dando o imóvel como garantia. O tomador do crédito poderá escolher qualquer instituição financeira e buscar o empréstimo. Uma vez que ele pague um valor do empréstimo libera espaço para pegar mais crédito com outro banco, se quiser. Ele poderá escolher o banco que está ofertando a melhor condição.

Também será permitido a “recarga” do financiamento imobiliário. Ou seja, pegar um novo empréstimo com o lastro do valor do imóvel pago. Para isso, será feita uma averbação do registro dos imóveis sobre o valor do saldo devedor para atualizar o valor da dívida e o que foi pago.

O diagnóstico do Ministério da Economia e do Banco Central é de que há um “empoçamento” das garantias. Isso significa, na prática, que muitas garantias que poderiam ser usadas para novos financiamentos não são aproveitadas.

É o caso, por exemplo, de uma pessoa que fez um financiamento para a compra do imóvel, já pagou grande parte dele, mas esse patrimônio está “preso” numa alienação fiduciária (uma modalidade de financiamento, onde o devedor, para garantir o pagamento, transfere o imóvel para o credor enquanto paga por aquele bem). Até quitar o financiamento, o imóvel fica no nome do banco e não do comprador.

Cálculos do governo apontam que a carteira de financiamento imobiliário é próxima de R$ 600 milhões. Mas só em ativos de imóvel residencial o valor gira em torno de R$ 10 trilhões. Boa parte desse valor poderia ser usada com lastro em novos financiamentos.

Técnicos da área econômica afirmam que a criação da CGC está sendo preparada com segurança jurídica e que não mexe no mecanismo de alienação fiduciária que deu certo no Brasil. O que se vai permitir é uma alienação fiduciária para terceiros.

O melhor uso das garantias no cenário da pandemia de covid-19, que trouxe impacto forte na economia, é considerado um catalisador importante das operações de crédito para quem tem patrimônio (lastro) na busca de financiamentos mais baratos. A proposta é aumentar a eficiência do uso de garantias no Brasil, trazendo maior competitividade ao segmento, como ocorre em outros países.

Segundo apurou o Estadão, outra medida que está sendo proposta é o uso da poupança feita por meio de previdência complementar vale para os fundos abertos e fechados.

Os planos de previdência privada abertos são ofertados a qualquer pessoa que esteja interessada. Estes planos são mantidos por seguradoras, e podem ser distribuídos por meio de bancos, corretoras de investimentos e até mesmo corretoras de seguros. Ao aderir a um plano aberto, o investidor passa a realizar aportes para a seguradora responsável, e a seguradora investe estes valores em um fundo criado especialmente para a previdência.

Já os planos de previdência fechados, também conhecidos como fundos de pensão, são planos criados exclusivamente para funcionários de uma empresa ou categoria específica. É comum que os planos fechados sejam oferecidos como benefício aos funcionários.

Uma parcela, com limite a ser fixado e que não será elevada, poderá ser dada em garantia em novos empréstimos. Se a pessoa não pagar o empréstimo, o banco poderá pegar os recursos para a quitação do financiamento.

O uso dessa garantia é mais efetiva, sobretudo, para quem tem previdência em fundos fechados, cujas regras de saque são muito mais restritas em relação à previdência aberta, que permite ao participante sacar os recursos (liquidez imediata), mesmo que com a perda do incentivo tributário que existe hoje para essa aplicação.

Por trás da medida, existe também uma preocupação de cunho estrutural na equipe econômica de fomentar maior competitividade para a previdência fechada, que vem perdendo espaço e fomentar a poupança de longo no País que financia investimentos de prazo mais alongado, como de infraestrutura.

O prazo médio dos investimentos da previdência aberta, segundo dados do governo, é em títulos públicos de três anos e meio. Há receio na área econômica que a previdência aberta se torne “um fundo de investimento com benefício tributário” . Quem aplica em previdência aberta pode abater o investimento do Imposto de Renda a ser pago. Já os investimentos dos fundos de pensão fechados tem duração de 15 anos.

Com essa medida, o governo também quer harmonizar mais as regras da previdência privada e fechada. Não se trata de flexibilizar o resgate, medida que o Ministério da Economia é contra, mas permitir o seu uso como garantia. A medida pode ter efeito também para quem tem aplicação em previdência aberta há não muito tempo, precisa de dinheiro, e não quer perder o tratamento tributário diferenciado.

A Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) se posicionou contra a intenção do governo de permitir o uso de reservas de aposentadoria dos fundos de pensão como garantia de empréstimos.

“O governo não está diferenciando o que é uma reserva de um fundo de pensão de uma reserva de plano de previdência aberta (PGBL, VGBL). Por lei, a reserva financeira de um fundo de pensão é impenhorável, não pode servir como garantia”, afirmou o presidente da Abrapp, Luis Ricardo Martins, em entrevista ao Estadão/Broadcast. “Acredito que o Ministério da Economia vai se sensibilizar e retirar isso do texto, antes de mandar a MP para o Congresso.”

O ESTADO DE S. PAULO

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