Retomada do Brasil este ano deve ter ritmo inferior ao de outros emergentes

Turbinada pelo impulso do auxílio emergencial no consumo das famílias, a economia brasileira terminará o ano da pandemia de covid-19 com desempenho mediano, na comparação com os principais países. O tombo do Produto Interno Bruto (PIB) de 2020 deverá ser menos agudo do que o de vizinhos da América Latina, mas será maior do que nas economias emergentes da Ásia. Por outro lado, a retomada neste ano deixará a desejar, com ritmo inferior aos emergentes asiáticos e pouco abaixo dos pares latino-americanos, num cenário em que os Estados Unidos poderão ser destaque.

No somatório de 2020 e 2021, a economia brasileira deverá registrar uma retração média de 0,5% ao ano, mostra levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), com base nas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), atualizadas em janeiro. A retomada de 2021 não recuperará totalmente o tombo de 2020, expectativa que já estava no cenário da maioria dos analistas.

Segundo economistas, controle da pandemia, vacinação e prorrogação de estímulos para mitigar a crise dão o tom das diferenças entre a retomada de cada país. O Brasil poderá ficar ainda mais para trás na retomada deste ano, por causa do recrudescimento da pandemia e do ritmo ainda lento de vacinação, em meio ao cenário de incertezas políticas e econômicas. Com o impasse em torno da reedição do auxílio emergencial, uma retração da economia neste primeiro trimestre já é prevista e há quem aposte em dois trimestres de queda, ou seja, teríamos uma recessão.

“Sem a vacina não tem jogo, vamos estar atrasados em relação aos demais países do mundo. Não tem vacina em quantidade necessária para imunizar 70% da população e alcançar a imunidade por rebanho. O crescimento da economia este ano pode ser menor que o esperado. Eu, particularmente, não acredito num avanço de 3,6%, por conta das incertezas, mas, principalmente, por causa da vacina”, avaliou Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do Ibre/FGV.

No ano passado, o PIB do Brasil deve ter encolhido 4,5%, nas estimativas do FMI – as projeções de analistas nacionais, compiladas pelo Banco Central (BC), apontam uma retração de 4,3%, conforme o Boletim Focus. Este ano, a projeção do FMI aponta para um crescimento de 3,6%, ante 3,29% nas estimativas dos analistas brasileiros pesquisadas pelo BC. As projeções locais vêm piorando. Há um mês, o Boletim Focus apontava crescimento de 3,50%. As estimativas para este ano serão calibradas após a divulgação do resultado oficial de 2020, pelo IBGE, amanhã.

“A principal atividade no País tem relação com o convívio social, que é a parte dos serviços. Isso faz com que nosso PIB seja bastante prejudicado pela pandemia. Os demais países (desenvolvidos) colocaram mais recursos em auxílio emergencial do que fomos capazes. Embora nosso primeiro auxílio tenha tido um volume relevante, agora está sendo discutido um volume menor”, disse Considera.

FMI
A retomada do Brasil será mais lenta do que o agregado mundial e do que a recuperação dos emergentes. O FMI projeta que a economia global crescerá 5,5% este ano, avanço médio de 0,9% ao ano em 2020 e 2021. No geral, o crescimento projetado para o Brasil em 2021 fica no meio da lista de 30 países incluídos no levantamento do Ibre/FGV: para 13 países, o FMI projeta crescimento superior ao estimado para o Brasil, enquanto 16 nações deverão crescer este ano num ritmo inferior ao brasileiro (veja quadro ao lado).

Só que a retomada, no agregado, será puxada pela Ásia, com destaque para a China e a Índia. Tanto que os emergentes deverão crescer 6,3% neste ano, ritmo quase duas vezes maior do que o esperado para o Brasil. Conforme as projeções do FMI, o PIB da Índia deverá saltar 11,5%, a China deverá crescer 8,1%, seguidos de Malásia (7,0%) e Filipinas (6,6%).

“A China, na contramão, ou como está na frente, deverá começar a retirar estímulos antes da maioria do mundo”, afirmou Fabiana D’Atri, economista do Bradesco, que prevê a “normalização” da economia chinesa, com a pandemia controlada, já a partir do segundo semestre.

EUA
O crescimento brasileiro também deverá ficar abaixo de economias desenvolvidas, como Estados Unidos (5,1%), França (5,5%) e Espanha (5,9%), segundo os números do FMI. As revisões, para cima, nas expectativas de crescimento da economia americana têm chamado a atenção, em função da possibilidade de o recém-empossado presidente Joe Biden conseguir aprovar mais um pacote de US$ 1,9 trilhão para mitigar os efeitos da pandemia – para além dos US$ 900 bilhões aprovados em dezembro, com efeitos desde janeiro.

Tanto que, em relatório divulgado na última sexta-feira, o Bradesco elevou sua estimativa para o crescimento americano neste ano para 7,0%, bem acima da projeção de janeiro do FMI. Além de mais estímulos, o controle da pandemia melhorou nos EUA, onde, segundo o banco, a vacinação contemplou 19,4% da população até fevereiro.

Para Fabiana, do Bradesco, diferentemente do tombo inicial do segundo trimestre de 2020, quando todas as economias do mundo pararam mais ou menos ao mesmo tempo e da mesma forma, a recuperação econômica tem sido assimétrica entre os países, por causa das diferenças no controle da pandemia, no ritmo de vacinação e na capacidade de adotar estímulos.

Na Europa, a Itália, fortemente atingida pela covid-19 ainda em fevereiro do ano passado, antes mesmo de a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciar que se tratava de uma pandemia, deverá ter o pior desempenho médio em 2020 e 2021, com crescimento de 3,0% este ano, vindo de um tombo de 9,2% ano passado, segundo o estudo do Ibre/FGV. O aumento do número de casos de covid-19 levou a novas medidas de restrição na virada do ano, colocando a possibilidade de retrações econômicas em diversos países europeus neste início de ano.

País deixa time das 10 maiores economias
A crise de 2020 deverá confirmar a saída do Brasil do grupo das dez maiores economias do mundo, como já mostrou outro levantamento do Ibre/FGV, de outubro do ano passado. O País deverá fechar o ano como a 12.ª maior economia em termos de valor do PIB, ultrapassado por Canadá, Coreia do Sul e Rússia.

“Fica muito claro que o Brasil tem algum problema crônico e interno. É uma questão doméstica muito grave, que atribuo aos problemas que existem na gestão do Executivo e do Congresso, conflitos que persistem ao longo do tempo”, diz o economista-chefe da agência Austin Rating, Alex Agostini.

O ESTADO DE S. PAULO

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