Precisamos acabar com as barreiras invisíveis que separam as mulheres dos homens

Mulheres já se aproximam da metade da força de trabalho ocupada em vários países. No Brasil, somos 52,6% da População em Idade Ativa (PIA) e representamos 43,8% da força de trabalho ocupada, segundo os dados do 1.º trimestre de 2020 da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (Pnad) do IBGE. Mas quando a palavra representatividade é substituída por liderança, os números se embaralham. Numa pesquisa feita pela Oliver Wyman com 3.000 empresas americanas, 47% da força de trabalho dessas empresas são mulheres. Mas apenas 25% dos cargos de liderança são preenchidos por elas. Olhando com uma lupa maior vemos que apenas 12% ocupam posições de chefe de operações ou de vendas, áreas tradicionalmente vinculadas a centros de resultado. Ou seja, a boa notícia é que caminhamos na direção em que o problema deixa de ser de mulheres nos negócios. A má notícia é que ele continua sendo um problema de mulheres na liderança dos negócios.

Por que ficamos presas no meio? O estudo da Oliver vai além dos diagnósticos tradicionais e alerta para a existência de quatro barreiras invisíveis, que tornam o funil mais fino para as mulheres. Primeiramente, mulheres valorizam traços de liderança distintos daqueles abraçados pelos homens. Homens classificam objetividade, decisão e confiança como as principais características de liderança, e nessa ordem. Nós, mulheres, tendemos a identificar na capacidade de empoderamento do time o traço de liderança mais importante. Essa vem seguida de confiança e capacidade de colaboração. Como mulheres são avaliadas e promovidas majoritariamente por homens, a dissonância em relação aos traços mais importantes de liderança acaba por se traduzir em nosso desfavor e nos deixar de fora da linha de sucessão na medida em que o topo se aproxima. Ficamos invisíveis.

Outra barreira aparece no foco. Mulheres colocam mais energia na geração de resultados do que na construção de laços e afinidades no ambiente profissional. Como postos de liderança se confundem com confiança, além de competência ficamos, mais uma vez, fora do campo de escolha nos processos mais altos da hierarquia. Da mesma forma, nossas dificuldades em advogar em causa própria e a tendência cultural de assumirmos a maior parcela das responsabilidades familiares adicionam complexidade e opacidade, reduzindo as alternativas femininas no topo das listas de cargos de liderança. A invisibilidade aqui vem travestida de uma suposta impossibilidade, ou de uma pretensa falta de vontade que mantêm mulheres qualificadas nas franjas das companhias.

Finalmente, para aquelas mulheres que se posicionam e se colocam como alternativas, há os vieses e as micro agressões que acabam por desanimar e cansar. Persistir num mesmo caminho que é ao mesmo tempo tão diferente a depender do seu gênero, é injusto e cansativo. Não são poucas as que desistem.

Falar e ser ouvida. Poder falar. Concluir uma ideia sem ser interrompida. Ser vista, entendida e valorizada pelas suas competências complementares. São inúmeros os estudos que mostram que as mulheres, na tentativa de sair da invisibilidade, são tratadas de forma diferente a que homens em mesma posição seriam. Um desses estudos, focado em seminários de apresentação de trabalhos em Economia, mostra que as mulheres são mais questionadas e as perguntas que recebem tendem a ser mais hostis e marcadas por tons de superioridade. As autoras Pascaline Dupas, Alicia Sasser Modestino, Muriel Niederle, Justin Wolfers, afiliadas a renomadas universidades americanas, celebraram uma parceria com o coletivo Seminar Dynamics Collective no artigo “Gênero e a Dinâmica dos Seminários de Economia” (Gender and the Dynamics of Economics Seminars). Com base em 462 apresentações de trabalhos em departamentos e conferências de Economia de 32 instituições, elas analisaram o número e a frequência de interjeições e a senioridade e gênero de quem intervém e de quem apresenta. As autoras encontram diferenças significativas no tratamento recebidos por homens e mulheres economistas apresentando seus trabalhos. O que nos dá pistas para explicar a baixa representatividade de mulheres em níveis mais altos da profissão.

Não há receita pronta. Mas há atitudes importantes e elas começam por patrocinar – e não mais só mentorar – mulheres hoje invisíveis aos processos de liderança. Por isso mesmo há de se reforçar que precisamos acabar com os vieses conscientes e inconscientes. E com as barreiras visíveis e invisíveis. Num mundo e num Brasil cada vez mais intolerante, mais polarizado e onde a diversidade e as diferenças passaram a ser hostilizadas, os retrocessos são fáceis e os avanços cada vez mais difíceis. Tornar visíveis aquelas e aqueles que são diversos é parte desse avanço. Assim como é parte relevante de resistência aos tantos retrocessos que hoje nos ameaçam.

Ana Carla Abrão – *ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

O ESTADO DE S. PAULO

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