Qualidade do serviço público é o principal instrumento de geração de oportunidades e de mobilidade social. Afinal, são educação pública de qualidade, atendimento de saúde universal decente e segurança pública eficaz que permitem ao cidadão que nasce pobre – e não tem senão no Estado as condições de acesso a esses serviços – reduzir o abismo que o distingue daqueles que podem pagar por eles. No Brasil, apesar do aumento contínuo dos gastos públicos, a qualidade do serviço público é ruim, quando não péssima. É isso que mostram os resultados da pesquisa que o movimento Livres encomendou ao instituto Ideia Big Data. Alguns dos resultados já foram publicados em reportagem do Estadão do último fim de semana. Mas, considerando a importância (e quiçá ressurreição) da reforma administrativa, vale destacar um outro conjunto de resultados, esses voltados à qualidade dos serviços públicos básicos. Nada que surpreenda, mas que deveria nos motivar a abraçar a reforma.
O Ideia ouviu mais de 1.600 pessoas visando a capturar aspectos relacionados ao regime jurídico e de contratação e promoção de servidores públicos, avaliação de desempenho, qualidade dos serviços, comparação entre os mercados público e privado de trabalho e – foco desta coluna – a avaliação dos serviços públicos de segurança, educação e saúde.
Os números da Livres/Ideia gritam. Em relação à qualidade da educação nas escolas públicas de ensino médio e fundamental, 29% dos entrevistados avaliam como péssima ou ruim e outros 39% a consideram apenas regular. Na saúde, o porcentual de péssimo e ruim atinge 34% quando se avaliam prontos-socorros e UPAs e 35% no caso de Unidades Básicas de Saúde. Quando o foco são os hospitais públicos a insatisfação chega a 45%. Na segurança, apenas 18% avaliam como ótima ou boa a qualidade do serviço. No caso de creches e centros de educação infantil, tipicamente ofertados por municípios, a satisfação chega a 34%, patamar que, embora baixo, é superior ao observado nos demais serviços.
Os números variam por região, em alguns casos, para muito pior. É o caso dos hospitais públicos na Região Norte do País, que são avaliados como péssimos ou ruins por 52% dos entrevistados. Há também discrepâncias entre regiões como no caso da avaliação da educação. No Sul, a avaliação satisfatória atinge 36% (frente ao número geral de 28%), enquanto no Centro-Oeste os mesmos 36% refletem insatisfação (29% da avaliação geral). Para creches e educação infantil o destaque positivo fica por conta da Região Sul, onde ótimo e bom atingem 47%. Mas vale notar que isso equivale a dizer que mais da metade da população não está satisfeita com a qualidade do serviço.
Os resultados apresentados corroboram outras avaliações já feitas e que sempre apontaram na direção da baixa qualidade dos serviços públicos. Estudos e pesquisas publicados nos últimos anos pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), vêm medindo a percepção da população em relação à qualidade dos serviços do Judiciário e da saúde, segurança e educação públicas. Os números da CNI nunca foram animadores.
Na segurança, em pesquisa divulgada em 2016, metade dos brasileiros considerava péssima a situação da segurança pública no País e seis em cada dez consideravam que ela havia piorado em relação a anos anteriores. Na saúde, a melhoria no atendimento público se mantinha no topo das três principais prioridades pelo quinto ano consecutivo em pesquisa divulgada em 2018. Em relação à educação básica, a avaliação de preparo dos alunos que concluem o ensino fundamental e médio nas escolas públicas piorou ao longo das três avaliações feitas. Nelas, o porcentual de entrevistados que avaliou os alunos como pouco preparados ou não preparados subiu de 39% em 2010 para 55% em 2017. Numa avaliação mais geral, feita em 2016, 90% disseram que a qualidade dos serviços públicos deveria ser melhor considerando o valor dos impostos.
Segurança pública eficaz reduz as chances de ser o crime a melhor (senão única) alternativa de renda; saúde, além de humanidade e dignidade, tem impacto na produtividade. Educação, dentre todos os instrumentos, é o mais poderoso para garantir tudo isso junto e muito mais, além de cidadania.
Daí porque a melhoria dos serviços públicos básicos deveria ser a prioridade de um País que vê a desigualdade de renda piorar, a pobreza avançar sobre a população e a injustiça social corroer nossa sociedade.
A pesquisa Livres/Ideia joga nova luz sobre a insatisfação da população com os serviços públicos e reforça a necessidade de reformar um modelo de funcionamento da máquina pública que, além de injusto e disfuncional, concentra renda, desperdiça recursos e não entrega resultados. Buscar qualidade no serviço público exige romper com feudos e privilégios há décadas forjados por um modelo que só uma ampla e corajosa reforma administrativa poderá alterar.
*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE A OPINIÃO DA COLUNISTA
O ESTADO DE S. PAULO