Como parte do pacote anticrise implementado em 2020, o governo deixou de cobrar R$ 242,6 bilhões em débitos tributários inscritos na dívida ativa da União. O objetivo foi dar fôlego a empresas e pessoas impactadas pela pandemia do novo coronavírus.
Assim como em outras medidas emergenciais, o Ministério da Economia não deu continuidade a essas suspensões em 2021 e iniciou a retomada das cobranças.
No entanto, com setores ainda impactados pela crise sanitária e a retomada de parte das políticas restritivas em capitais, empresários cobram a reedição das medidas.
Documento produzido pala PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) analisou os valores que deixaram de ser cobrados entre março e setembro do ano passado, por tipo de mecanismo.
“A gente suspendeu protestos, ajuizamentos de execução fiscal, encaminhamentos para órgãos de restrição a crédito. […] O rito normal de cobrança foi afetado”, disse o procurador-geral-adjunto de Gestão da Dívida Ativa da União, Cristiano Neuenschwander.
O maior impacto vem da suspensão dos chamados procedimentos de responsabilização de terceiros —quando alguém passa a ser cobrado por dívidas de uma empresa que foi dissolvida de forma irregular. Nesse caso, débitos de R$ 159,9 bilhões deixaram de ser atribuídos.
No período, também não foram feitos 781 mil protestos de dívidas em cartório. Essa conta somou R$ 45,5 bilhões.
O governo ainda suspendeu a regra que determinava a rescisão de acordos de parcelamentos tributários em casos de atraso no pagamento. Foram poupados 271 mil devedores, com débito total de R$ 20,5 bilhões.
Por fim, a PGFN deixou de pedir na Justiça a execução fiscal de 2.745 dívidas, que totalizam R$ 16,8 bilhões.
Com as medidas, o governo abriu mão de parte da arrecadação que poderia conseguir com a recuperação de débitos da dívida ativa.
Porém, isso não significa que todos esses valores retornariam aos cofres públicos se a cobrança fosse feita normalmente. Muitos dos débitos cobrados pelo governo acabam não sendo pagos, engordando a dívida ativa da União.
O presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), Paulo Solmucci, afirma que o setor vive agora o momento mais delicado desde o início da pandemia. Segundo ele, os empresários ainda enfrentam dificuldades e tiveram que voltar a pagar os tributos ordinários e aqueles que haviam sido suspensos.
“Veio uma segunda onda de restrições nas cidades, as contas agora estão dobradas, o aluguel voltou a ser o que era, com reajustes pelo IGP-M. A sobrevivência está mais ameaçada agora do que já esteve antes”, disse.
Solmucci vem negociando pessoalmente com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a equipe econômica a retomada de medidas emergenciais. Segundo ele, as suspensões de cobrança foram essenciais para a manutenção das atividades em 2020 e deveriam ser reeditadas.
“Um número enorme de empresas não está conseguindo pagar essa folha salarial de janeiro. A retomada de medidas como essas, além de aumentar a carência para pagar impostos, vai ser fundamental para manter a solvência do setor”, disse.
Em relação ao retorno dos procedimentos de cobrança, a PGFN informou que vem adotando uma abordagem gradativa, priorizando casos com constatada capacidade de pagamento do devedor ou prática de fraudes.
O órgão afirma ainda que está atento ao cenário e adotará medidas sempre que necessário, com o objetivo de assegurar receitas públicas e dar assistência a contribuintes em situação de crise econômica.
No caso da indústria, o gerente de política econômica da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Mário Sérgio Carraro Telles, afirma que o setor vem em trajetória de recuperação expressiva depois de queda acentuada no primeiro semestre de 2020. Segundo ele, as medidas do governo deram fôlego às empresas no ano passado.
“Essas ações da PGFN e da Receita Federal foram no sentido de deixar o máximo possível de recursos nas empresas, dar a maior liquidez possível”, disse.
Telles afirma que a indústria conseguiu voltar à atividade e que grande parte das empresas já não precisa mais das medidas emergenciais, e sim de reformas estruturantes. Para ele, a retomada dessas ações pontuais pode ser mais necessária para o setor de serviços, que ainda sofre para se recuperar.
Por conta da adoção das medidas emergenciais no ano passado, a PGFN espera que um volume relevante de tributos não pagos durante a pandemia ainda sejam incorporados à dívida ativa. Como a Receita também suspendeu prazos de cobranças, os trâmites internos se alongaram.
Dos impostos adiados por alguns meses em 2020, quase R$ 21 bilhões encerraram o ano sem pagamento. Parte desse montante ainda deve chegar à dívida ativa.
“Foi um ano muito difícil, é natural que a inadimplência aumente, aumentou para todo mundo. O reflexo seria a dívida ativa também ter um aumento substancial, mas para a dívida chegar aqui na PGFN, ela passa ainda por uma cobrança na Receita que leva até 120 dias. Existe um passivo que vai chegar, principalmente esse formado na pandemia”, disse o procurador.
Entre 2019 e 2020, o montante da dívida ativa foi de R$ 2,44 trilhões para R$ 2,57 trilhões, um crescimento de R$ 130 bilhões. Ainda assim, Neuenschwander afirma que houve uma melhora de perfil, com crescimento dos débitos em situação regular porque 268 mil dívidas foram renegociadas pelos devedores e inseridas no programa de parcelamento.
FOLHA DE S. PAULO