Levar o desemprego de volta aos níveis pré-pandemia será uma das tarefas mais complicadas para o governo – se a equipe econômica tiver mesmo essa preocupação. Nem isso é certo. Apelar de novo para os mecanismos de suspensão de contratos e de redução de jornada e salários é uma das saídas em discussão no Ministério da Economia, informou o Estado. Janeiro termina e o governo continua sem Orçamento e sem roteiro econômico para 2021. No mercado de trabalho, a herança de 2020 é tenebrosa. Catorze milhões de pessoas, 14,1% da população ativa, estavam desempregadas no trimestre de setembro a novembro, num cenário com pouca mudança em relação ao trimestre de junho a agosto. Mas houve melhora, dirão os otimistas: nesse intervalo a desocupação diminuiu de 14,4% para 14,1%.
Apesar da redução porcentual, irrelevante, segundo os autores da pesquisa, o número de pessoas desocupadas passou de 13,8 milhões para 14 milhões e aumentou 18,2% (mais 2,2 milhões de trabalhadores) em relação ao número apurado no mesmo trimestre de 2019, quando os desocupados eram 11,2% da força de trabalho.
A oferta de vagas normalmente cresce no segundo semestre, com a perspectiva de vendas maiores no fim de ano. A animação, desta vez, foi muito moderada, e a porcentagem dos desocupados no trimestre móvel terminado em novembro foi a mais alta para o período na série iniciada em 2012, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A oferta de vagas pouco melhorou e, ao mesmo tempo, mais pessoas foram em busca de oportunidades. Com mais 4,1 milhões de trabalhadores, a força de trabalho aumentou para 99,6 milhões.
O quadro fica ainda mais feio, como se tem observado com frequência, quando se observam os detalhes. A população subutilizada (29%) foi pouco menor que a do trimestre junho-agosto, e correspondeu a 32,2 milhões de pessoas. Esse grupo inclui os desempregados, os subocupados por insuficiência de horas e a força de trabalho potencial, onde se incluem, ao lado dos outros, os 5,7 milhões de desalentados.
Os trabalhadores por conta própria (22,9 milhões) receberam o reforço estatístico de 1,4 milhão de trabalhadores. Essas pessoas podem ter descoberto o empreendedorismo ou podem ter simplesmente resolvido tentar novo caminho, mesmo sem experiência em negócios. Por enquanto, o aumento dos trabalhadores independentes atenua um pouco, e de certa forma disfarça, as condições do emprego.
Somados os trabalhadores assalariados e os por conta própria, os informais totalizaram 33,5 milhões, ou 39,1% da população ocupada. Quando se examina o quadro mais amplo, perde relevância o número de empregos formais – 142.690 – criados em 2020, segundo o balanço final do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia.
Os números finais do Caged foram anunciados na quinta-feira, pouco depois da divulgação dos dados do IBGE, correspondentes à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. O balanço anual do cadastro foi o pior depois de 2017, quando o resultado foi o fechamento de 20.832 postos.
A precária situação do emprego, combinada com a redução do auxílio emergencial a partir de setembro, explica, em boa parte, o modesto desempenho do comércio varejista no fim do ano. Em novembro as vendas no varejo foram 0,1% menores que em outubro. Essa relativa estabilidade ocorreu depois de seis meses de crescimento. Esse avanço, no entanto, vinha perdendo impulso, depois de forte reação inicial em maio e junho. Os dados de dezembro ainda serão publicados, mas nenhuma informação conhecida sugere uma grande animação perto do Natal.
A inflação também afetou o consumo nos meses finais. Os trabalhadores foram duplamente afetados nessa fase – pela redução do auxílio emergencial, afinal extinto em 31 de dezembro, e pelo encarecimento dos produtos básicos. Com pouca mudança, o quadro continua desfavorável à maioria dos trabalhadores e desafiador para o governo – se o governo aceitar desafios ligados ao emprego e ao bem-estar das famílias.
O ESTADO DE D. PAULO