Apesar de o ministro da Economia, Paulo Guedes, dizer que o governo não trabalha, neste momento, com a hipótese de prorrogação do auxílio emergencial, a equipe econômica estuda como pode estender o pagamento do auxílio caso se confirme a extensão dos efeitos da pandemia no início de 2021. Ontem, Guedes disse que, em caso de uma segunda onda da covid-19, o governo já sabe a parcela dos beneficiários que “realmente precisa” continuar recebendo o auxílio.
A principal dúvida entre os técnicos da equipe econômica é como estender o pagamento do benefício sem furar o chamado teto de gastos, a regra que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação. Nas duas prorrogações do auxílio, a equipe econômica acabou tendo que ceder porque não havia definição sobre um novo programa social para abarcar mais beneficiários – cenário que deve se repetir agora.
O governo começou a fazer os pagamentos em maio. Inicialmente, iriam até julho. Depois foram prorrogados uma primeira vez até setembro e, uma segunda vez, até dezembro. No início, o valor era R$ 600, mas passou para R$ 300 nas últimas parcelas.
A emenda constitucional do teto de gastos permite o uso de crédito extraordinário, fora do limite imposto pela regra (a inflação de um ano antes), para bancar despesas que sejam imprevisíveis e urgentes. Mas há dúvidas se esse expediente pode ser usado, já que o fim do auxílio já estava previsto para 2021.
No governo Michel Temer, o governo lançou mão de um crédito extraordinário para financiar o subsídio do diesel durante a greve dos caminhoneiros e adotou medidas compensatórias para atender a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Para o coordenador do observatório fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da FGV, Manoel Pires, a questão é se daria para enquadrar como crédito extraordinário como foi feito com o diesel. “Isso é bastante polêmico Até mesmo porque ainda não há uma segunda onda clara que seria a forma de enquadrar”, diz. Segundo ele, daria para dizer que a segunda onda é um evento imprevisto porque não havia certeza se ocorreria quando o orçamento foi feito. “Eu acho esse argumento correto. Mas não é claro que estejamos lá”, completa.
Se o Congresso resolver aprovar a prorrogação, sem ser via crédito extraordinário, os gastos com o pagamento do auxílio vão concorrer com o teto de gastos no espaço orçamentário, cortando ainda mais despesas discricionárias (aquelas que não são obrigatórias, como investimentos), que já estão bem baixas. Além disso, o governo terá que incorporar mais de R$ 20 bilhões de despesas com o impacto do aumento da inflação e da prorrogação da desoneração da folha de pagamentos.
Segundo apurou o Estadão, a Secretaria de Orçamento do Ministério da Economia avalia que a prorrogação não poderia ser feita com crédito extraordinário depois do fim do orçamento de guerra e do estado de calamidade. O ministro da economia trabalha para barrar a prorrogação porque argumenta que não há dinheiro para continuar gastando com o auxílio, segundo uma fonte da equipe econômica. Técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) também apontam restrições ao uso apenas do crédito extraordinário.
Divergências
Na avaliação do Daniel Couri, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, o problema é de “interpretação”. “Deveria ter uma interpretação menos restritiva para que as despesas com a pandemia em 2021 fiquem fora do teto”, diz Couri, que não vê nem mesma a necessidade de prorrogação do estado de calamidade. “Em 2021, ainda precisaríamos socorrer as pessoas porque eles não têm emprego e a vida delas não voltou ao normal”. Para ele, tentar achar uma interpretação mais literal do que “pode e não pode” prejudica até mesmo o combate dos efeitos da pandemia. Na sua avaliação, o Congresso não vai deixar acabar o auxílio sem ter nada para substituí-lo. Por isso, a IFI avalia com alta a chance de prorrogação.
“O ideal seria contemplar a despesa nova no projeto de Orçamento, que ainda não foi apreciado. A despesa vai precisar acontecer, pois o mercado de trabalho segue muito precário e a ocupação deve cair perto de 9%, neste ano, para recuperar apenas pouco menos de 2% no ano que vem. Um contingente importante de pessoas precisará de algum auxílio”, diz Felipe Salto, diretor executivo da IFI.
O consultor do Senado, Pedro Fernando Nery, alerta que para problema que será virar o ano com uma queda do orçamento de R$ 322 bilhões do auxílio para R$ 35 bilhões do Bolsa Família. “Vamos observar uma alta relevante dos indicadores de pobreza já que o auxílio evitou que 30 milhões ficassem na pobreza esse ao e talvez uma alta no desemprego”, prevê. Segundo Nery, a preocupação é como ficam os informais e desempregados até a vacina chegar.
Especialista em contas públicas, a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane, diz que sem auxílio haverá um cenário de depressão econômica, insegurança alimentar e caos nas políticas de assistência social e segurança pública. “Tendemos a viver algo análogo à revolta chilena contra o receituário de redução do Estado”, diz. Segundo ela, a prorrogação poderá ser feita com a extensão do decreto de calamidade. “Assim o orçamento de guerra continua a vigorar”, ressalta. Graziane avalia que não dá fazer somente abrindo um crédito extraordinário porque a prorrogação é previsível.
A expectativa da equipe econômica é que depois das eleições o presidente Jair Bolsonaro anuncie as medidas fiscais em negociação com as lideranças do governo. O pacote prevê medidas de gatilhos (corte de despesas com pessoal), redução de renúncias tributárias e subsídios, além de aprovação de mudanças nos fundos públicos que podem garantir mais espaço fiscal e permitir a criação do novo programa social em 2021. Ainda não há consenso para incluir no pacote o que está sendo chamado de “semidesindexação” das despesas do Orçamento acima de um salário mínimo (ou seja, desobrigar a correção automática desses benefícios).
O ESTADO DE S. PAULO