crise de imagem que afeta o Carrefour desde o assassinato de um cliente negro numa das lojas da empresa, na quinta-feira, tirou R$ 2,2 bilhões de seu valor de mercado ontem, para R$ 38,3 bilhões, e também derrubou ações de outros varejistas como GPA e Mateus. Sob o risco de boicote de clientes e pressão da matriz, o Carrefour suspendeu campanhas publicitárias, enquanto prepara medidas para convencer clientes, fornecedores e investidores de que será mais rígido em seus controles internos. Na noite de quinta-feira, João Alberto Freitas, autônomo e negro, foi assassinado no estacionamento de uma loja do Carrefour em Porto Alegre (RS) após ter sido espancado por dois seguranças a serviço da varejista. Pelo menos oito funcionários da empresa assistiram ao espancamento.
No início de uma das semanas mais importantes do ano, quando ocorre a Black Friday, as ações da empresa cederam 5,35%, para R$ 19,30, ontem – o Ibovespa subiu 1,26%. A queda ocorre após a ação ter resistido às más notícias na sexta-feira e fechado naquele dia com alta de 0,49%. Os papéis de concorrentes da empresa também recuaram. A ação ON do Grupo Pão de Açúcar teve perda de 3,97%, e os papéis do Grupo Mateus caíram 1,96%. Neste ano, uma funcionária do Mateus morreu após prateleiras desabarem sobre ela numa loja e, em 2019, um cliente do Extra, do GPA, foi imobilizado por um segurança terceirizado e acabou morto.
“O evento [a morte de Freitas] pode gerar pressão sobre o estoque no curto prazo devido a riscos à sua imagem, embora não deva afetar a operação no longo prazo”, disse a clientes a equipe da Genial Institucional. Desde a sexta-feira, houve protestos na frente de algumas lojas em, pelo menos, cinco capitais, afetando as vendas. Para Maria Clotilde Perez Rodrigues, professora titular da ECA/USP, especializada em consumo e sociedade contemporânea, houve erros iniciais, como o fato de o CEO no país Noel Prioux dar explicações somente no sábado à noite, dois dias após o ocorrido, e depois de CEO global do grupo Carrefour, Alexandre Bompard, ter criticado a subsidiária.
“A expectativa era que o presidente no país aparecesse já nas primeiras 24 horas, e parte do discurso não foi bom, falando que, como homem branco, não compreendia aquele desastre. Como não entende por ser branco? ”. Em horário nobre, na TV, Prioux pediu desculpas e afirmou que a extensão da tragédia estava além da sua compreensão, considerando sua posição de “homem branco e privilegiado”. Prioux está no cargo desde 2017 e seu nome teve apoio direto de Bompard. Na avaliação do professor titular da PUC/SP, Alexandre Las Casas, autor do livro “Marketing de Varejo”, há medidas certas tomadas até agora, como a definição de um comitê de apoio a causas antirracistas, mas haverá pressão maior por “medidas mais enérgicas que ainda não vieram”. Esse comitê deve ter seus nomes divulgados nos próximos dias.
“Entendo que daqui para frente é que vai se verificar se o que foi falado pela companhia realmente vai ficar de pé e se medidas rápidas serão tomadas mesmo, inclusive em relação à forma como trabalha com seus terceirizados”. O Carrefour montou um grupo para gerenciar a crise da marca, e medir o nível de percepção negativa da sua reputação. Paralelamente, com outra equipe interna, vem debatendo mudanças em suas normas de contratação, dizem duas fontes. A ideia é não se prolongar nesse processo. No caso dos terceirizados, consultores de varejo dizem que isso pode eventualmente levar a aumento de custos, a depender da negociação.
O grupo Carrefour suspendeu ações de mídia em redes sociais e adotou uma postura de maior cautela após a tragédia. Para a Black Friday, que ocorre na sexta-feira, a empresa já vinha com uma programação preparada especialmente para esta semana, e os anúncios em plataformas como Facebook e Instagram ganhariam força a partir de agora. Essas ações foram paralisadas até segunda ordem, diz uma terceira fonte. O Carrefour não é tão ativo nesta data promocional como grandes redes de eletrônicos, mas a data vinha ganhando peso nas vendas nos últimos dois anos, e essas ações de mídia são planejadas com meses de antecedência.
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