A disparada do IGP-M, índice utilizado na correção dos contratos de aluguel, tem colocado lojistas e shoppings novamente na mesa de negociação. Nos primeiros meses da pandemia, as partes chegaram a um acordo para a suspensão do aluguel no período em que os estabelecimentos ficassem fechados. Agora, com os shoppings reabertos mas com movimento ainda abaixo do ano passado, os inquilinos pressionam as redes para evitar o repasse integral do IGP-M, que acumula alta de 24,25% em 12 meses, bem acima da inflação medida pelo IPCA, que subiu 3,14% no período.
Embora as vendas do varejo estejam se recuperando mês após mês, a melhora ainda não é uniforme. De acordo com a Associação de Lojistas de Shoppings (Alshop) e a Associação Brasileira dos Lojistas Satélites (Ablos), as vendas ainda são de 25% a 30% menores do que no mesmo período de 2019 – o que inviabiliza um aumento nos custos neste momento, dizem.
“Qualquer argumento no sentido de não absorver esse aumento do IGP-M é válido. As vendas ainda não voltaram ao patamar do ano passado. Além disso, os lojistas não têm conseguido repor os estoques em razão da falta de insumos da indústria”, diz o diretor institucional da Alshop, Luis Augusto Ildefonso.
Ele explica que, desde o início da crise, os shoppings têm cedido nas negociações. “Se em abril e março houve algum endurecimento, logo depois, em maio e junho, houve concessões para não aumentar a vacância”, afirma. “Agora, em função das vendas mais baixas, há a expectativa de que haja acertos em relação a esse ajuste do IGP-M”. Ele aponta que os shoppings perderam “poder de bala” em razão do fechamento de lojas e do menor fluxo de clientes.
Para o presidente da Ablos e da rede de vestuário TNG, Tito Bessa Júnior, a aplicação do reajuste certamente levaria ao fechamento de lojas. “Temos que rever como os contratos foram feitos lá atrás. Se eles (os shoppings) não aceitarem, vai haver nova onda de fechamento de lojas”, alerta.
A Associação Brasileira de Franchising (ABF) – setor que amargou queda de 6,9% nas vendas do terceiro trimestre na comparação anual – enviou cartas aos shoppings pedindo a troca do IGP-M pelo IPCA para fins de reajuste do aluguel. Também cobrou a isenção do 13º aluguel e o cancelamento da taxa de repasse, um pênalti de até 10 aluguéis pago ao shopping para o repasse do ponto a outro comerciante.
“Na minha visão, tem mudado muito a relação das franquias com os shoppings. Antigamente, o lojista praticamente implorava para ter um ponto. Agora, com a pandemia e a criação de novos canais de vendas, os shoppings terão de mostrar aos lojistas a que vieram”, avalia o presidente da ABF, André Friedheim. “As forças estão um pouco mais equilibradas, porque o varejista se reinventou.”
Diálogo
Procuradas, as maiores redes de shoppings do País – Aliansce Sonae, BRMalls, Iguatemi e Multiplan – não deram entrevista sobre o tema. Mas advogados que atuam no ramo confirmam que o diálogo entre as partes têm sido a solução para evitar tanto a debandada de lojistas quanto a ausência completa de um ajuste nos aluguéis.
O sócio do escritório especializado no mercado imobiliário VBD Advogados, Olivar Vitale, acredita que a aplicação integral do IGP-M nos reajustes oneraria demais aos inquilinos neste momento de crise econômica e sanitária. Portanto, estaria sujeita a questionamentos legais.
“Eu entendo que o IGP-M nas alturas cria um ônus excessivo para o locatário em benefício ao locador, o que permitiria uma revisão do contrato justificado pela pandemia, que é fator externo fora do controle das partes”, diz. “O IGP-M está em quase 25% em 12 meses, mas nem o valor do aluguel, nem o valor de compra e venda do imóvel subiram 25% em 12 meses”, argumenta o advogado, explicando que a aplicação integral do IGP-M daria um ganho desequilibrado ao shopping.
Segundo Vitale, ainda não há um número grande de disputas que foram parar na Justiça. No entanto, a tendência é de alta. “O número de casos está crescendo e deve continuar assim à medida em o IGP-M não para de subir e as datas de reajustes contratuais vão chegando”, alerta.
Em paralelo, a prática da renegociação de contratos entre as partes também vem crescendo – o que não era tão comum no mundo dos negócios pré-pandemia.
“A tônica tem sido a renegociação. Os lojistas não suportam pagar valores tão altos. E os shoppings não querem ficar vazios. Então têm que encontrar um espaço de entendimento e convencimento”, relata o sócio do escritório NFA Advogados, Carlos Ferrari. Segundo ele, as principais soluções têm sido a aplicação parcial do IGP-M ou a troca do indexador para o IPCA, por exemplo.
Poder de barganha
As conversas com as redes de restaurantes, que têm pontos em diversos shoppings, caminham para a aplicação do reajuste previsto em contrato, mas ao mesmo tempo, embutem um desconto no valor de locação. Esses acordos têm sido feitos com duração de quatro a seis meses. “É uma questão que estará na mesa durante todo o próximo ano”, diz o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci. Ele afirma que, na maioria das conversas, tem prevalecido o bom senso, mas que há casos em que as negociações têm sido mais duras.
Como as conversas são feitas caso a caso, redes maiores tendem a ter posição mais confortável. “A gente leva uma pequena vantagem. Praças de alimentação que não tinham vaga hoje estão com tapumes. Quantas empresas estão abrindo de 50 a 100 lojas por ano, com metade disso em shoppings?”, pondera o presidente da IMC (International Meal Company), das marcas KFC e Pizza Hut, Newton Maia. Ele diz que quando negocia a abertura de novas lojas com as administradoras, os aluguéis de restaurantes já abertos em outros shoppings de uma mesma rede entram na conversa, para buscar acordos mais vantajosos.
O ESTADO DE S. PAULO