A manutenção do auxílio emergencial por quatro meses com o valor R$ 300 no ano que vem e para um universo de cerca de 26 milhões de pessoas (menos da metade do contingente atual) teria um custo fiscal de R$ 15,3 bilhões. A conta foi apresentada pela Instituição Fiscal Independente (IFI), na divulgação do seu Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF), em que revisou as suas principais projeções. Não se trata de uma proposta de continuidade dessa política, que teoricamente acaba em 31 de dezembro. A IFI busca, na verdade, mostrar qual seria o custo se a opção fosse de pelo menos dar mais recursos aos beneficiários do Bolsa Família e para o contingente que ficou desempregado durante a pandemia. Outros cenários foram simulados para tentar mapear esse “risco fiscal” do próximo ano, diante da indefinição do governo sobre o auxílio.
O diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, evitou dizer se essa medida deve ou não ser adotada. Mas alertou que é preciso deixar claro de que maneira essa despesa eventualmente será financiada, caso seja adotada. Ele lembrou que o espaço no teto de gastos no ano que vem estará mais apertado, com a despesa discricionária em níveis muito baixos (1,5% do PIB), o que dificulta acomodar novos gastos. Para o economista, mais importante que a questão de estourar ou não o teto para financiar essa despesa é retirar a incerteza sobre o tema, que tem afetado os prêmios de risco. “Falta mais transparência, dizer qual vai ser o futuro da regra fiscal, do primário, do conjunto da obra”, disse Salto. “Há uma indefinição muito grande.”
O órgão, ligado ao Senado, de forma geral apresentou um cenário econômico menos dramático do que em junho. A expectativa para a atividade econômica, por exemplo, passou de queda de 6,5% para um recuo de 5% neste ano. “A retomada delineada nos dados da produção industrial, do nível de utilização da capacidade instalada da indústria de transformação e das vendas do comércio varejista vem ocorrendo de maneira mais intensa do que era esperado pela IFI no cenário-base apresentado em junho”, diz o documento. “A melhora pode ser explicada pelo efeito da flexibilização das medidas de isolamento social, do impulso da reabertura das atividades produtivas e do impacto sobre a demanda das políticas de compensação de renda.”
Para 2021, a estimativa de expansão passou de 2,5% para 2,8%. Na prática significa um ano morno, já que quase toda essa alta será efeito estatístico deste fim de ano, calculado em 2,7 pontos percentuais pelo analista Rafael Bacciotti. “A dúvida quanto à evolução da demanda interna após a retirada dos estímulos fiscais, em um quadro de pronunciada deterioração do mercado de trabalho, pode limitar o ritmo de recuperação da atividade no próximo ano. O mesmo efeito pode advir da piora nas condições financeiras, percebida na elevação do prêmio embutido na curva futura de juros”, diz a IFI. Para a entidade, o PIB do país deve retornar ao patamar pré-pandemia apenas em 2022. O ponto negativo das projeções foi para o mercado de trabalho. A IFI estima que o desemprego chegará a 16% em 2021, cenário bem pior que o anterior (13,2%). “A recuperação para 2021 é de fato modesta, não é suficiente para recompor o PIB nominal”, acrescentou Salto. “Acho que a conjuntura impõe que a questão fiscal seja sopesada com a questão da recuperação econômica”, disse o diretor da IFI, evitando, contudo, dar sugestões.
Além da economia, a IFI melhorou bastante seu cenário fiscal, ainda que o novo quadro esteja longe de ser tranquilo. Com o PIB melhor e também uma estimativa de ingresso de receitas mais intensa no caixa federal, a expectativa de déficit primário neste ano caiu quase R$ 100 bilhões, para R$ 779,8 bilhões. “A principal mudança a explicar a revisão está no ingresso de recursos referentes a impostos diferidos entre abril e junho”, explica a IFI, que projeta receita líquida de R$ 1,18 trilhão em 2020, ante R$ 1,09 trilhão na previsão de junho.
Nessa ambiente, a estimativa para a relação dívida bruta/PIB caiu de 96,1% para 93,1% neste ano. Para 2021, a previsão é de 96,2%. Nos novos cálculos, a dívida só vai superar os 100% do PIB em 2024, e não mais em 2022. Também houve um tom menos negativo com o cenário para o teto de gastos. “Risco de descumprimento do teto em 2021 continua alto, mas cenário melhorou. Para cumprir o teto de gastos em 2021, as despesas discricionárias do Executivo deverão ir a R$ 112,7 bilhões ou 1,5% do PIB, patamar historicamente baixo para esse conjunto de gastos. Nesse contexto, há muito pouco espaço para novas despesas primárias em 2021, especialmente um novo programa de transferência de renda ou de investimento em infraestrutura”, diz a IFI.
Ela ressaltou a preocupação com o risco de rolagem de dívida pública. Cálculos da entidade apontam que, nesse ambiente, o Tesouro terá que fazer frente a uma necessidade de financiamento de R$ 112,1 bilhões até abril de 2021. O número considera que em setembro havia um caixa de R$ 736,6 bilhões e ainda soma emissões de R$ 170,5 bilhões feitas em outubro. Por outro lado, contabiliza previsão de déficit de R$ 305,6 bilhões entre outubro deste ano e abril do ano que vem e vencimentos de dívida de R$ 713,6 bilhões. “Para fins de comparação, entre novembro de 2018 e abril de 2019 (incluídos os seis meses), foram emitidos R$ 115,7 bilhões. Já entre novembro de 2019 e abril de 2020, foram emitidos apenas R$ 40 bilhões”, apontou Salto. “Isso mostra que, além do problema fiscal, do primário super deficitário, do problema do teto e das regras fiscais e da falta de sinalização, há um problema do lado financeiro. Nós estamos com dívida mais curta, o déficit e os juros pressionam mais essa dívida, e vão exigir do Tesouro provavelmente taxas que o mercado queira exigir para financiar essas necessidades adicionais”, acrescentou.
VALOR ECONÔMICO