Coordenação-Geral de Tributação orienta fiscais do país a cobrarem contribuição previdenciária
Por Bárbara Pombo e Beatriz Olivon — De Brasília
A Receita Federal editou nova orientação sobre a tributação das empresas que oferecem licença-maternidade estendida para as funcionárias. Os fiscais do país deverão cobrar contribuição previdenciária sobre o salário pago durante os dois meses de prorrogação do benefício.
Publicado na quinta-feira, o entendimento está na Solução de Consulta nº 27, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal. O posicionamento do Fisco era aguardado pelas mais de 25.800 companhias que aderiram ao Programa Empresa Cidadã. O programa permite ampliar em mais 60 dias o período de afastamento para mães e adotantes cuidarem dos filhos, em troca de incentivo fiscal.
Antes mesmo da manifestação do Fisco, várias dessas empresas já estavam batendo às portas do Judiciário para questionar a exigência. Algumas, como o Grupo Carrefour (processo nº 5005384-95.2022.4.03.6100), obtiveram decisões favoráveis para afastar a tributação, como noticiou o Valor em meados de dezembro.
Pela Constituição, as trabalhadoras têm direito a quatro meses (120 dias) de licença-maternidade remunerada, custeada pela Previdência Social. As companhias que aderem ao Empresa Cidadã, instituído em 2008 pela Lei nº 11.770, e que são tributadas pelo lucro real, podem prorrogar o benefício em troca de deduzir a remuneração paga às mães do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).
A dúvida das companhias sobre o dever de tributar o salário pago na prorrogação da licença-maternidade surgiu depois de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2020, proferida em repercussão geral. Na ocasião, os ministros estabeleceram que é inconstitucional a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário-maternidade (RE 576.967, Tema nº 72).
Segundo a Fazenda Nacional o impacto estimado do julgamento é de perda anual de arrecadação de R$ 1,3 bilhão.
Ao afastar o recolhimento, os ministros consideraram que esse valor não é pago com habitualidade ou como contraprestação ao serviço prestado pela funcionária. Além disso, entenderam que a tributação geraria uma discriminação no mercado de trabalho, pois criaria obstáculos na contratação de mulheres e, consequentemente, violaria a garantia de igualdade entre gêneros.
Ainda em 2020, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) editou o Parecer SEI nº 18.361 para dispensar os procuradores de discutir judicialmente a tributação do salário-maternidade. Em setembro de 2021, a Cosit publicou a Solução de Consulta nº 127, em que acatou a decisão do STF e reconheceu o direito dos contribuintes restituírem e compensarem valores pagos a mais.
A PGFN e a Receita manifestaram que a decisão do STF vale para a contribuição previdenciária devida pelos empregadores – de 20% sobre a folha de salários. Agora, na solução de consulta, o Fisco detalhou que o salário-maternidade é um benefício previdenciário, ao contrário da remuneração paga durante o período de prorrogação da licença. Assim, a contribuição previdenciária seria devida no segundo caso.
Ainda de acordo com o Fisco, o objetivo do Programa Empresa Cidadã é garantir a licença-maternidade sem prejuízo da remuneração, e não o salário-maternidade. Os valores pagos durante a prorrogação do afastamento das mães ou das adotantes, diz a Receita, não são custeados com recursos do Regime Geral da Previdência Social, mas por dedução do IRPJ devido pela empresa.
“Não é possível que os efeitos de uma decisão judicial [STF] sejam extrapolados para abarcarem situações não contempladas em seu objeto”, concluiu o Fisco.
Advogados tributaristas apontam que a decisão do STF se baseou em outros fundamentos para afastar a tributação sobre o salário-maternidade. De acordo com Chede Suaiden, sócio do Bichara Advogados, o entendimento da Receita não combina com a motivação da decisão do STF, baseada no princípio da isonomia. “O entendimento da Receita continua desestimulando a contratação de mulheres.”
O advogado ainda frisa que não há diferença da licença estendida para a regular. “Nos dois casos a empregada está afastada e recebendo valor sem prestar serviço para a empresa, por isso não poderia ser caracterizado como salário”, afirma.
A advogada tributarista Carla Mendes Novo, do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, destaca que a posição da Receita pela tributação vai na contramão de manifestações da PGFN em ações judiciais. “O reflexo do entendimento da Receita é uma potencial geração de contencioso de um tema que, depois de tantos anos de discussão, foi pacificado pelo STF”, afirma.
No processo envolvendo o Grupo Carrefour, que tramita na Justiça Federal de São Paulo, por exemplo, a PGFN reconheceu que a contribuição previdenciária não poderia ser exigida sobre o salário-maternidade, por força da decisão do STF.
Na ocasião, a PGFN informou ao Valor, por meio de nota, que não iria mais recorrer das decisões que tratam da questão, “dentro do seu objetivo de reduzir litigiosidade”. Agora, diante da posição da Receita, a PGFN afirmou ao Valor, que “irá se debruçar novamente sobre o assunto a fim de avaliar as considerações trazidas pelo órgão fazendário”.
Informou que havia analisado a questão sob a ótica do artigo 19, 9º, da Lei nº 10.522, de 2002, que legitima a extensão dos motivos determinantes para temas não abrangidos pelo julgado, quando a ele são aplicáveis os fundamentos determinantes extraídos do julgamento paradigma ou da jurisprudência consolidada.
Procurada pelo Valor, a Receita afirmou que aplica “estritamente” a legislação e as decisões judiciais nas situações objeto de tributação, conforme as peculiaridades de cada caso concreto.