Companhias contratam profissionais 50 + para suprir gap de qualificação

Estudo mostra que 4 em cada 10 diretores do Reino Unidos estão mais abertos a empregar funcionários até 64 anos
Por Daphinei Straus, Financial Times

Um diretor não executivo poliglota e com bons contatos, que passou a carreira dirigindo algumas das maiores empresas europeias de vendas de roupas por catálogo postal é, aos 93 anos, a pessoa mais velha da folha de pagamento da David Nieper, uma empresa de moda de controle familiar com sede em Alfreton, no distrito de Derbyshire, região central da Inglaterra.

Sua experiência tem um valor inestimável, segundo Christopher Nieper, diretor-executivo de segunda geração da empresa. O mesmo se diz da experiência de incontáveis outros funcionários mais velhos que trabalham nas fábricas, no call-center e nos escritórios da empresa. Sediada em uma área dotada de um longo histórico da indústria têxtil, a empresa historicamente contrata funcionários qualificados de concorrentes que fecharam as portas, ao mesmo tempo em que enfrenta dificuldades em atrair funcionários novatos mais jovens.

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Em decorrência disso, a empresa patrocina agora uma escola local e se empenha em reter funcionários mais velhos, oferecendo flexibilidade de horários de trabalho e uma semana adicional de férias anuais para os que trabalham para além da aposentadoria pública. “Tentamos a todo custo segurá-los”, diz Nieper. “Quando alguém se aposenta, olho para aquilo e penso, ‘Ah, não!’. Precisamos de duas pessoas jovens para substituir uma que sai.”

Essa atitude não é rara na indústria de transformação, na qual os empregadores lutam há anos com as dificuldades impostas pelo envelhecimento dos quadros de funcionários. Mas é um modo de pensar exótico para muitos empregadores do Reino Unido – que estão atentos à necessidade de criar melhores trajetórias de carreira para mulheres e para funcionários originários de grupos minoritários, ao mesmo tempo em que desconsideram com frequência as necessidades de funcionários mais velhos e negligenciam candidatos a partir de 50 anos ao recrutar pessoal.

Pesquisa realizada em novembro pela entidade de classe britânica de credenciamento e capacitação Chartered Management Institute (CMI) detectou que apenas 4 em cada 10 diretores estão abertos a empregar funcionários na faixa dos 50 aos 64 anos, em medida “de grande a moderada”.

Outros colocam a questão sem meias-palavras. “No pós-pandemia, uma agência foi sincera o suficiente para dizer que ‘alguém com mais de 60, nem pensar”, diz John, um desenvolvedor “freelancer” de software de sessenta e poucos anos que deixou de trabalhar após esbarrar reiteradamente com atitudes desse tipo.

Esse preconceito dá muito errado. Um êxodo de pessoas mais velhas do local de trabalho – no exato momento em que os empregadores britânicos perderam acesso ao mercado de mão de obra da União Europeia (UE) – é um fator-chave das crises de escassez de mão de obra que têm assolado as empresas de setores que vão desde o de logística até o de hospitalidade (que compreende hospedagem, gastronomia e eventos), assistência (cuidado, atenção) e TI.

Desde o início da pandemia, houve um aumento de mais de meio milhão no número de adultos em idade ativa que não estão nem trabalhando nem procurando emprego. Essa alta da inatividade econômica é quase singularíssima para o Reino Unido e foi impulsionada por pessoas que não querem mais trabalhar e têm condições financeiras para não trabalhar.

O governo está tentando reverter essa tendência, por meio da expansão de sua oferta de requisitos para as pessoas fazerem um levantamento de suas finanças, habilidades e saúde, além de mobilizar uma rede de “mais de 50 paladinos exemplares” da causa a fim de convencer as empresas das vantagens de contratar trabalhadores mais velhos. Mas a capacidade do governo de contatar trabalhadores que optaram por se aposentar e que não buscam ajuda é limitada.

Isso deixa aos empregadores o ônus não apenas de abrir mais a cabeça sobre quem contratam, como também para tornar os empregos mais atraentes aos trabalhadores mais velhos – seja pela oferta de expedientes mais flexíveis, de mais apoio para os que sofrem de algum problema de saúde, de programas de avanço na carreira ou simplesmente por tornar os locais de trabalho mais inclusivos para os que são motivados a trabalhar tanto pela interação social quanto pelo salário.

“A maioria das pessoas que não trabalha tem opções. Não está contando com os benefícios. A maior responsabilidade está na empresa”, diz Jon Boyes, economista do Chartered Institute of Pesonnel and Development, um grupo de membros para profissionais de RH. Ele aponta para a enorme variação no perfil de trabalhadores empregados em setores diferentes – em hospitalidade e TI, não há mais do que 20% com mais de 50 anos, uma proporção que sobe para 33% ou mais em saúde e assistência, logística ou imóveis.

“Cabe aos empregadores reavaliarem suas atitudes”, diz Anthony Painter, dretor de política pública do CMI. Um número crescente está simplesmente fazendo isso – com a idade se tornando um novo foco, em vez de uma esfera negligenciada, da agenda da diversidade e da inclusão.

Alguns – como a varejista Halfords e a cadeia de “fast-food” McDonald’s – lançaram campanhas de recrutamento voltadas para as pessoas de mais de 50 anos para cargos como técnicos ou de apoio ao cliente. Mas outros empregadores, em especial os da área administrativa, encaram como ainda mais importante reter os funcionários preexistentes.

“O que os impulsiona é a escassez de qualificações e a configuração demográfica”, diz Kim Chaplain, diretor-associado do instituto de análise e pesquisa do Centre for Ageing Better. A única mudança mais importante que os patrões podem fazer para seduzir as pessoas de mais de 50 anos a voltar ou a permanecer no trabalho é ser mais flexível sobre o expediente de trabalho, diz Chaplain, uma vez que muitos fazem acrobacias para conjugar o trabalho com o cuidado aos pais, aos netos ou administrar os próprios problemas de saúde.

“Trabalho todo dia com um intervalo para almoço de duas horas, para descansar. Não consigo trabalhar por todo esse tempo, por isso trabalho até as 17:30 e começo às 11:00. Duas horas e meia é o máximo que consigo administrar”, diz Susan Keighley, de 65 anos, que agora trabalha em departamento de apoio ao cliente da Juno, uma empresa de transferência de posse de imóveis on-line, administrada por seu genro.
Ela enfrentou, há anos, dificuldades para encontrar emprego após sair de um posto de alta pressão no exterior para cuidar de seu pai, à beira da morte. Depois foi preterida nas contratações em favor de candidatos mais jovens para uma série de cargos, além de aceitar trabalho intermitente de consultoria e de se submeter a um tratamento de câncer que teve efeitos duradouros.

Embora Keighley ganhe muito menos do que no passado, e exerça tarefas inferiores aos de suas capacidades, ela diz que teria medo de deixar um empregador que apoia autenticamente o bem-estar, não apenas em termos de horário flexível e folgas, como também de monitorar as cargas de trabalho e de atribuir uma cesta de tarefas às equipes voltada para papéis fatigantes de atendimento direto ao público. “Sinto este como um lugar seguro”, acrescenta.

Motivados pela pandemia, muitos empregadores estão examinando mais atentamente a possibilidade de apoiar funcionários com problemas de saúde – entre os quais os que apresentam vulnerabilidades na esfera da saúde mental, e mulheres que passam pela menopausa, que poderiam, de outra forma, deixar de trabalhar bem no momento de pico de suas carreiras.

Mas os empregadores podem precisar repensar como organizar o trabalho e distribuir as pessoas para poderem oferecer o tipo de flexibilidade desejada pelos trabalhadores mais velhos.

Antony Perillo, diretor industrial da empresa fabricante de botas de luxo John Lobb, diz que os funcionários mais velhos da fábrica de Northampton da empresa tendem a treinar os demais na arte de costurar à mão, cortar e encaixar o couro ou executam encomendas sob medida, que enfrentam menor pressão de prazos do que a divisão de prêt-à-porter. Essas equipes multigeracionais contribuem para criar um “ambiente estável, calmo”, acrescenta.

Os patrões de empresas do setor administrativo estão tentando também tornar mais tênues os limites entre trabalho em tempo integral e aposentadoria – ao permitir, por exemplo, que os funcionários reduzam suas horas de trabalho e comecem a recorrer às grandes somas da aposentadoria de uma maneira gradual ou ao usar ex-funcionários em papéis de consultoria após terem se aposentado.

Emma Harvey, CEO de RH da seguradora Axa UK, está capitalizando a experiência do grupo na França e na Alemanha, onde os gestores tiveram que gerir o desafio de uma força de trabalho em processo de envelhecimento antes do que no Reino Unido.

https://valor.globo.com/carreira/noticia/2023/01/26/terceira-idade-e-o-foco-agora-nas-contratacoes-do-reino-unido.ghtml

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