Levantamento aponta que judicialização aumentou em 72% durante a pandemia
Por Bárbara Pombo — De São Paulo
Em grande parte dos casos, pedem para serem indenizados por danos causados pela doença, reintegrados ao emprego ou realocados de função. Há precedentes favoráveis aos trabalhadores no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Entre 2020 e 2022, tramitaram pouco mais de 4 mil processos trabalhistas sobre o assunto – quase o dobro do registrado entre 2017 e 2019, quando havia 2,3 mil ações. São Paulo é o Estado onde se concentra a maior parte dos casos. Um total de 1.925 processos está em andamento.
Só em 2022, foram ajuizadas 336 novas ações em São Paulo. Minas Gerais (129), Rio Grande do Sul (101), Paraná (100) e Rio de Janeiro (95) despontam na lista em seguida, de acordo com a pesquisa.
Uma bancária mineira de 38 anos, que prefere não se identificar, foi uma das que bateu às portas do Judiciário (processo em segredo judicial). Como gerente de pessoas jurídicas, ela relata ter passado por jornadas exaustivas, cobranças por atingimento de metas inalcançáveis e assédio moral de superiores. Começou a sentir irritação frequente, depois insônia e suor excessivo. “Até que não consegui mais entrar no meu local de trabalho”, conta.
Passou por dois afastamentos custeados pelo empregador e, depois, pelo INSS – de nove meses no total -, além de tratamento psiquiátrico, que continua. Quando retornou à agência, ela foi alocada na mesma função de gerente, com a tarefa de criar uma nova carteira de clientes.
“Fiquei pior. Tive crises de pânico e de ansiedade, e não conseguia atender. Mesmo tendo demonstrado interesse, não me mudaram de função e de cargo”, diz ela, que venceu em primeira e segunda instâncias. “Como iria me curar no local em que adoeci?”
Especialistas ouvidas pelo Valor apontam que o aumento no número de ações judiciais está ligado ao momento de incertezas e isolamento durante a pandemia, mas também à maior informação sobre o problema.
“Hoje o burnout não está restrito a determinadas categorias profissionais, como era antes. Era comum sobretudo em professores, médicos e policiais”, afirma a procuradora regional do trabalho Adriane Reis de Araújo, coordenadora Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade).
Há um ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a considerar a síndrome de burnout como doença ocupacional. Conta, agora, com um código específico na Classificação Internacional de Doenças (CID). Com esse reconhecimento, explica a advogada Tricia Oliveira, sócia da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe, o empregador que é acionado na Justiça deve provar que não foi o responsável por causar o transtorno do esgotamento profissional.
“Antes, cabia ao empregado provar que havia desenvolvido a doença por causa das condições de trabalho, ou seja, precisava comprovar o nexo de causalidade entre o adoecimento e o seu trabalho”, afirma.
Especializada em saúde mental nas relações de trabalho, a advogada Luciana Chamone Garcia vem representando trabalhadores acometidos por burnout na Justiça. Ela observa que o reconhecimento do transtorno pela OMS não surtiu tanto efeito sobre a judicialização, mas sim sobre o comportamento das companhias.
“As empresas estão mais focadas nessa questão e atuando a partir de um compliance preventivo. Os trabalhadores, por sua vez, estão mais informados”, afirma.
Ela aponta que o Judiciário trabalhista tem sido bastante sensível a esse tipo de demanda quando o processo é pautado em provas robustas, como laudo pericial, testemunhas e documentos que atestem que o empregado adoeceu em função de jornadas exaustivas, sobrecarga de trabalho, cobranças abusivas de metas, violação à desconexão ou assédio moral.
“É necessário um diagnóstico preciso porque esse assunto não pode ser banalizado. Depressão é diferente de tristeza”, diz a advogada, que preside a Comissão de Direito à Saúde Mental da seccional mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG).
Gestores e profissionais da área jurídica frisam, em um cenário de aumento de diagnósticos e judicialização, que há medidas a serem tomadas pelas empresas para endereçar o problema (veja abaixo). “Em um litígio, as medidas concretas adotadas são elementos para a empresa demonstrar que se esforçou, que o adoecimento não é do ambiente de trabalho em si, mas de outra circunstância”, afirma a advogada Tricia Oliveira.
O levantamento feito pelo Trench Rossi Watanabe aponta que reclamações trabalhistas relacionadas à burnout podem sair caras para as empresas. O valor de causa das 8.118 ações ativas e arquivadas sobre o assunto, entre 2014 e 2022, somaram R$ 2,48 bilhões – uma média de R$ 306 mil por processo.
O TST já confirmou indenizações com valores elevados em decorrência de burnout. Em um caso, um empregado de 31 anos aposentado por invalidez em decorrência de burnout obteve decisão favorável para receber R$ 475 mil em reparação. Em outro, os ministros validaram indenização por danos morais de R$ 100 mil (AIRR-2256-81.2014.5.12.0060).
Tricia Oliveira pondera, no entanto, que esses casos foram julgados antes da reforma trabalhista de 2017 que, entre outros pontos, passou a vincular o valor de indenizações por danos morais à remuneração das vítimas. A validade dessa regra está em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 6050).
Enquanto espera o desfecho de seu processo, que tramita agora no TST, a bancária mineira, vítima de burnout, ensaia voltar ao mercado de trabalho. “Tenho medo mesmo sabendo que sou competente. Mas tive que me reinventar como pessoa. E, agora, preciso me reinventar como profissional.”