Especialista teme que alterações na legislação enfraqueçam pontos que ajudaram na criação de emprego nos últimos anos
Por Marcos de Moura e Souza, Valor — São Paulo
A intenção do novo governo Lula de fazer alterações na reforma trabalhista pode acabar enfraquecendo pontos que contribuíram para a geração de empregos nos últimos anos.
Esse é um dos alertas feitos por José Pastore, um dos nomes mais conhecidos no país nos debates sobre questões do trabalho.
Ex-professor-titular da Universidade de São Paulo (USP), Pastore também chama atenção para o risco de judicialização de outro ponto defendido pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e pelas centrais sindicais: a criação de um novo modelo de financiamento dos sindicatos.
“Uma legislação cria condições que facilitam ou que dificultam contratações e no meu entender, se a gente levar em conta todos os empregos que foram criados desde 2017 [ano da aprovação da reforma trabalhista] até agora, inclusive passando por dois anos de pandemia, essa lei mais contribuiu do que atrapalhou”, disse Pastore ao Valor.
A reforma deu mais liberdade para negociações entre trabalhadores e empregadores, definiu condições para o trabalho intermitente, simplificou o trabalho terceirizado, acabou com o imposto sindical, reduziu o espaço para o que era considerado por empresas uma enxurrada injustificável de ações trabalhistas, entre outros pontos.
Em seu discurso de posse, o novo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, falou em “construir um novo marco no mundo do trabalho” e discutir mudanças reunindo representantes do governo, dos trabalhadores e das empresas.
Quais regras da reforma sobreviverão e quais serão alteradas ainda é assunto para especulação.
Pastore diz se preocupar particularmente com a possibilidade de reversão das regras que simplificaram o trabalho terceirizado. É uma modalidade que desagrada sindicatos e centrais porque, na sua avaliação, reduz a base trabalhadores que podem contribuir com o sindicato.
Segundo o especialista, o fato de o processo de terceirização ter se tornado mais simples contribuiu para a geração de empregos. “Esse é um tema que me preocupa porque o país pode dar uma grande marcha à ré e alterar essas coisas.”
Outro tema que, na avaliação de Pastore, está com sinal de alerta é o conceito de que o negociado prevalece sobre o legislado. Na avaliação dele, esse também é um ponto que ajudou a criar condições mais favoráveis para o emprego.
“Eu tenho ouvido muito que há um desejo de que isso seja alterado”, afirma José Pastore, que há anos mantém uma interlocução com dirigentes sindicais.
Ao falar de discussões sobre alterações nas regras trabalhistas, Luiz Marinho prometeu um diálogo amplo e um grupo tripartite com governo, trabalhadores e empregadores.
Pastore se diz cético em relação a esse modelo. Diz que num governo petista, com forte presença de visão sindical, as discussões tendem a caminhar para mudanças que se encaixam mais na perspectiva do sindicalismo do que na perspectiva de quem contrata.
Outro tema que estará em questão é o financiamento sindical.
“O ponto que eu desconfio que realmente será alvo de ajuste é o da contribuição sindical. Porque a reforma manteve a contribuição sindical, mas acabou com a obrigatoriedade. E isso trouxe problemas para as finanças de diversos sindicatos”, disse Pastore.
Dirigentes das centrais sindicais defendem uma alteração na legislação de forma que as assembleias decidam se e quanto cada trabalhador terá de pagar ao sindicato por sua atuação.
Marinho se diz contra a volta do velho imposto sindical, mas fala em uma nova política de sustentação das instituições sindicais, tanto de trabalhadores quando de empresas.
“O Supremo Tribunal Federal já decidiu que só se pode cobrar contribuições de filiados aos sindicatos, por mais representativas que sejam as assembleias e que tenham 90% de votos a favor”, afirma Pastore.
Para ele, caso uma nova regra venha estabelecer que, com base em uma decisão de assembleia, os trabalhadores terão de pagar a contribuição, o tema tende a ir para os tribunais. “Acho que isso vai render muita discussão jurídica. Não é tão simples assim. E se precisar buscar uma lei para garantir esse pagamento, nós estaremos voltando ao imposto sindical com outro nome.”
Essa eventual mudança não teria, entretanto, um efeito direto sobre a criação de empregos. Seria uma polêmica nas relações entre trabalhador e sindicato.
A dúvida é ainda o quanto a nova gestão levará adiante mudanças da reforma mais ligadas ao ambiente para contratações.
“A reforma não limpou tudo que precisava limpar de complicações relacionadas a contração de trabalhadores. Se for para criar complicações adicionais agora, melhor seria que nem se instalasse esse grupo”, avalia o ex-professor.
E acrescenta que, se ideia for uma discussão para melhorar a proteção dos trabalhadores de plataformas digitais — um dos pontos mencionados por Marinho e por sindicalistas –, José Pastore afirma que sua visão será otimista. Mas que verá com preocupação se a intenção no novo governo promover várias mudanças da reforma trabalhista.
“Destruir é fácil e rápido, construir ou reconstruir é difícil e demorado”, aponta Pastore. “As mudanças terão de passar pelo Congresso.”