A volta ao trabalho dos profissionais 65+: entenda o movimento da “desaposentadoria”

Diante da necessidade de uma renda adicional e da vontade de socializar, pessoas mais velhas estão voltando a procurar empregos – e há empregadores mais do que dispostos a oferecer-lhes flexibilidade

Por Anjli Raval, Financial Times

Neil aposentou-se em setembro. Natural de Norfolk, na Inglaterra, 70 anos de idade, ele trabalhava como subgerente de uma fabricante de motores, que fornecia autopeças e acessórios a oficinas mecânicas. Ele havia decidido que, enfim, era hora da aposentadoria, depois de ter começado a trabalhar aos 17 anos e de tê-la adiada por seis anos.

Mal havia passado um mês, entretanto, e Neil (que não quis ter o sobrenome divulgado) percebeu que as contas não batiam. A aposentadoria pública não cobria o custo do aluguel e as contas da eletricidade, do supermercado e de outras despesas. Não demorou muito para ele voltar a procurar um emprego.

Além das preocupações com dinheiro, ele também sentia falta de estar perto dos colegas. “Há sérias preocupações financeiras, é claro, mas sinto falta principalmente do aspecto social do trabalho. Eu costumava trabalhar em uma equipe alegre, de pessoas muito brincalhonas”, diz. Agora, ele procura um emprego de meio período em vendas, área na qual diz ser muito bom. “Atendimento excepcional ao cliente” é no que ele sempre se destacou.

Com a transição para carros elétricos, ele não vê muito futuro no antigo ramo de atividade. Em vez disso, como colecionador de relógios, agora ele gostaria de trabalhar apenas alguns dias por semana, vendendo antiguidades; ou em uma livraria.

“É uma ideia muito ultrapassada, a de que as pessoas vão se aposentar e ficar em casa sem fazer nada”, acrescentou.

Muitas pessoas com mais de 65 anos, como Neil, querem tornar-se parte dos chamados “não aposentados”. A crise do custo de vida, as oportunidades de trabalho mais flexível e a percepção pós-lockdown da importância do contato social coincidiram, levando muitos a voltar a procurar ocupações e empregos estáveis.

Análises recentes mostram que trabalhadores entre os 50 e os 64 anos vêm deixando a força de trabalho do Reino Unido porque estão optando por se aposentar mais cedo. No entanto, de acordo com a Agência Nacional de Estatísticas, o número de pessoas com mais de 65 anos trabalhando ou procurando trabalho atingiu o nível mais alto já registrado, de cerca de 1,5 milhão, durante o verão europeu, embora depois disso tenha ocorrido um ligeiro recuo. No caso dos que têm mais 50 anos, agora o número está próximo aos 10,5 milhões de pessoas, similar ao que era antes da pandemia.

Há muitos mais na faixa acima dos 65 anos reingressando agora na força de trabalho e um número cada vez maior – curiosamente – à procura de novas oportunidades.

Stuart Lewis, executivo-chefe da Rest Less, uma associação de defesa dos idosos que também funciona como comunidade digital, diz que os dados oficiais do mercado de trabalho parecem mostrar sinais de um retorno a uma tendência de longo prazo de idosos mais economicamente ativos.

“O que vimos nos últimos meses, principalmente entre aqueles com mais de 65 anos, é que eles estão voltando ao trabalho. Acreditamos que este é o início da grande tendência de ‘desaposentadoria’. Curiosamente, há muitas pessoas pensando em voltar”, diz Lewis.

Os lockdowns da pandemia forçaram muitos – particularmente os mais velhos – a reavaliar prioridades. Eles reformularam as vidas profissionais, desistindo de jornadas de trabalho muito longas, de deslocamentos penosos e de empregos pelos quais não tinham particular apreço. Também procuraram cuidar melhor da própria saúde e se encarregaram mais da responsabilidade de tomar conta de parentes.

À medida que a inflação aumenta, porém, a atual aposentadoria pública, de 9.627 libras esterlinas por ano (quase US$ 11 mil) por ano, vem corroída pelo custo mais alto dos bens e serviços. Diante das contas de energia mais altas e do aumento de custo dos mantimentos básicos – desde o óleo vegetal e macarrão até o leite e pão – muitos trabalhadores mais velhos vêm revertendo os planos de aposentadoria.

Alguns empregadores identificaram uma oportunidade, em meio à escassez de mão de obra e de trabalhadores de alta qualificação no Reino Unido, que foi agravada pelas restrições a trabalhadores estrangeiros.

Ao buscar trabalhadores mais velhos, os empregadores podem conseguir pessoal para turnos mais curtos ou para dias da semana que não são populares entre os mais jovens, geralmente mais interessados nas opções mais lucrativas. Pesquisas também mostram que uma força de trabalho multigeracional é mais criativa e pode ser vantajosa para todos, graças ao conhecimento institucional inestimável de muitas pessoas mais velhas, que podem passar experiências de vida para colegas mais jovens.

A rede de pubs e hotéis Fuller’s lançou recentemente sua primeira campanha de recrutamento voltada para trabalhadores mais velhos.

“Podemos oferecer flexibilidade máxima: se uma pessoa é madrugadora ou de hábitos noturnos, ou se quer trabalhar só na sexta-feira e não na terça-feira, quando cuida dos netos, podemos satisfazer isso”, diz Dawn Browne, diretor de pessoas e talentos da Fuller’s. Com isso, a empresa espera conseguir pessoal para turnos mais curtos e menos populares, cuja remuneração é menor que a de uma jornada integral. Embora os benefícios sejam semelhantes para todos os funcionários, Browne diz que eles exercem um poder de atração ainda maior para as faixas demográficas dos mais velhos, como descontos nos produtos para os funcionários, ajuda nos custos de saúde e um serviço de clínico geral 24 horas por dia, sete dias por semana. “Este é especialmente valioso.”

Esse quadro é corroborado pelo Estudo de Estilo de Vida das pessoas com mais de 50 anos, da Agência Nacional de Estatísticas. A pesquisa mostra que, entre as pessoas com 50 e 65 anos que deixaram o emprego durante a pandemia e considerariam retornar ao trabalho, 58% consideram os horários flexíveis prioridade.

Para Jaci Quennell, de 65 anos, uma psicoterapeuta e assistente social autônoma, a flexibilidade é fundamental. A possibilidade de trabalhar em casa e de realizar consultas e reuniões on-line lhe permitiu trabalhar por mais anos. Depois de ter reduzido o número de dias que trabalhava por semana em razão de uma cirurgia de coluna malsucedida – uma desaceleração efetiva em sua vida profissional – ela agora reverteu o rumo. Em breve, assumirá um cargo de maior hierarquia, preparando lares para crianças pequenas em conjunto com as autoridades locais.

“Vou gerenciar mais de 100 funcionários”, diz Quennell. “Essa faixa demográfica pode ser incrivelmente produtiva se tiver oportunidade e flexibilidade. Ao fazer metade das minhas reuniões remotamente, isso fica menos exigente fisicamente.”

Quase 35% da força de trabalho na Inglaterra tem 50 anos ou mais, sendo cerca de 9 milhões de pessoas entre 50 e 64 anos e mais de 1,3 milhão com mais de 65 anos. Nem todos os empregadores, contudo, oferecem o suficiente para segurar os trabalhadores mais velhos ou reconhecem a importância de recrutá-los.

Emily Andrews, que atua para criar acesso equitativo ao trabalho para pessoas na casa dos 50 e dos 60 anos na fundação beneficente Center for Aging Better, diz que deveria haver mais idosos na força de trabalho.

“Os empregadores ainda não estão tentando aproveitar o que essa demografia pode trazer”, diz Andrews, acrescentando que muitos locais de trabalho não têm culturas que deem espaço para funcionários mais velhos e que mostrem como são valorizados. Andrews também destaca que os esforços de recrutamento e a linguagem usada nos anúncios de emprego também estão em grande medida voltados à contratação de trabalhadores mais jovens, e muitos empregadores – apesar da pandemia – não são totalmente flexíveis na forma como os funcionários podem trabalhar. As empresas muitas vezes não oferecem suporte para pessoas – de qualquer idade – com problemas de saúde, acrescenta, e trabalhadores com 50 anos ou mais são os menos propensos a ter cursos e treinamento “fora do local de trabalho”, o que impacta sua capacidade de se manter atualizado com novas capacitações e de ganhar mais tarefas.

Muitas vezes, os trabalhadores mais velhos se veem pegos no “nexo da discriminação pela incapacitação e idade”, segundo Andrews, de forma que podem internalizar alguns dessas questões e sofrer grande golpe em sua confiança.

Thomas Roulet, professor associado de teoria organizacional da Judge Business School, da Universidade de Cambridge, diz que ainda existe um “estigma” no que se refere a contratar trabalhadores mais velhos. Embora uma organização multigeracional possa ser altamente criativa, ela também pode sofrer um aumento de conflitos.

“Tanto as gerações mais jovens quanto as mais velhas têm preconceito umas com as outras – os trabalhadores mais velhos acreditam que as pessoas da geração Y se acham no direito de ganhar e de esperar de tudo de seu empregador, além de também quererem retornos imediatos. Por sua vez, trabalhadores mais jovens acreditam que tudo era mais fácil para os mais velhos e que eles são incapazes de se adaptar a novas tendências”, diz Roulet.

No entanto, a realidade é que geração Y e as mais velhas compartilham das mesmas fontes de motivação e objetivos de carreira. Embora os trabalhadores mais velhos não queiram tratamento especial, eles querem estar em pé de igualdade com os funcionários mais jovens.

Colin Serlin, de 76 anos, diz que os idosos precisam pensar de forma diferente sobre como trabalham. Após 40 anos no ramo imobiliário, ele fez mestrado em psicoterapia e em breve montará seu próprio consultório, o The Unretiring (os que se desaposentam, em inglês), oferecendo cursos para recém-aposentados, desenvolvidos em conjunto com terapeutas e acadêmicos. “As pessoas ficam entediadas, deprimidas e adoecem de forma ainda mais grave por não saber o que fazer consigo mesmas. Espero mudar isso”, diz.

“As pessoas precisam ter uma postura mais empreendedora. Seja para fazer algo por conta própria ou para ser um chamado ‘intrepreneur’ [ter espírito empreendedor, mesmo sem ser um “entrepreneur”, um empresário dono do próprio negócio] dentro de uma organização maior”, acrescentou. “Quando as pessoas estavam em seus 20 ou 30 anos, muitas vezes eram empurradas a um determinado caminho. O principal agora é reavaliar o que elas querem da vida. “Elas precisam apenas ter uma mentalidade diferente.”

https://valor.globo.com/carreira/noticia/2022/11/10/a-volta-ao-trabalho-dos-profissionais-65-entenda-o-movimento-da-desaposentadoria.ghtml

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