Por Gaudêncio Torquato
Abro Porandubas com uma historinha engraçada, mas infame…com desculpas se alguém se chocou com termos usados pelo personagem do “causo”.
Dirran….
Dirran (com “biquinho” para parecer um francês correto), galego meio sarará, entroncado e de pernas curtas, jogava no Clube Atlético Potengi, no Rio Grande do Norte.
Um dia, disputava no Machadão, o estádio, uma partida contra o Potyguar de Currais Novos, pela 2ª divisão do Campeonato potiguar. O jogador atleticano era o destaque. Fazia dribles desconcertantes e lançamentos perfeitos. Fechou as glórias com um golaço.
O narrador da Rádio Poti gritava:
“Dirran é um craque”, “Dirran, revelação do futebol norte-rio-grandense“.
Dirran prá cá, Dirran pra lá.
No final do jogo, o Clube Atlético Potengi perdeu por 3 x 1. Mas o destaque foi Dirran. Vendo todo aquele sucesso, um jovem e entusiasmado repórter da Rádio Poti, em princípio de aprendizado, correu para fazer uma entrevista com o craque na beira do gramado. Disparou uma bateria de perguntas:
“Você tem parentes na França? Qual a cidade onde nasceu, Monsieur? Como veio parar no Brasil? Pode comparar o futebol europeu com o futebol brasileiro? Qual a origem de seu nome?
Espantado, o jogador respondeu ao incrédulo repórter:
“Pera aí, meu sinhô, num é nada disso; meu apelido é Cú de Rã, mas como num pode falar na rádio, então, eles abreveia“. (Historinha enviada pelo amigo Álvaro Lopes).
As placas tectônicas
Por mais um tempinho, as ondas se mostrarão revoltas no mar da contrariedade. A pequena diferença entre Lula e Bolsonaro – pouco mais de 2 milhões de votos em um universo de 118 milhões – provoca a pororoca que ainda se vê, aqui e ali, trazendo às ruas remadores vestidos com camisas amarelas. As placas tectônicas do pleito ainda não se acomodaram. Daqui a um mês, é razoável apostar em águas mais tranquilas. A não ser que….
Ao redor dos quartéis
Nas proximidades dos quartéis, como o que vejo aqui da minha sacada, o quartel do comando do II Exército, barracas e ambulantes oferecem bandeiras e materiais publicitários, com palavras de ordem conclamando o apoio das Forças Armadas. Não acredito que os quadros militares entrem nessa jogada. Mas, confesso, surpreendem as manifestações pedindo intervenção militar. Os quartéis mantêm-se afastados. Haveria alguém nos bastidores incentivando as ondas de indignação e ódio contra o presidente eleito e seu partido?
O governo além do PT
Lula tem dito que fará um governo além do PT. E é bom que faça. Afinal, o Brasil está rachado ao meio. Metade do Brasil está contra Lula. Se acrescentarmos à soma dos votos a hipótese de que grande parcela dos eleitores votou contra Bolsonaro, e não necessariamente em favor de Lula, a inferência é a de que o presidente eleito não tem a esmagadora maioria do eleitorado ao seu lado. O fato é que o eleito terá de fazer um governo acima do ódio e da vingança que impregnam uma leva de petistas. Como assim?
Ódio e vingança
O analista político Mário Alberto de Almeida observa que os quadros petistas entram com fôlego e aos montes na equipe de transição. E que levarão o presidente Lula a, mesmo não sendo sua vontade, acender uma fogueira de ódio e da vingança, a partir dos fogueteiros mais próximos. Que não perdoarão os abalos sofridos pelo PT e adjacência nos últimos anos. Sei não, Mário Alberto.
A identidade do petismo
A questão é a identidade petista. Sabemos que o PT foi criado sob o ideário de uma revolução de costumes e do próprio regime político. Nasceu sob o manto do socialismo clássico. De seu nascimento, há mais de três décadas, até hoje, muita coisa mudou. O PT acabou aceitando eixos do liberalismo, promovendo interação com a social-democracia ou investindo num programa liberal-social. Foi fustigado. Enrolou-se no mensalão e no petrolão e incriminado nas teias da corrupção. Lula foi preso. Injustamente, dizem petistas, mas o fato é que foi jogado na vala dos corruptos. E agora ressurge com esplendor. Ressuscitou para um terceiro mandato.
Lula perdoou?
Como está o ânimo de Luiz Inácio? Acima das querelas ideológicas? Para ganhar, caminhou em direção ao centro do arco ideológico. Daí a hipótese que este escriba tem levantado: para garantir governabilidade, Lula haverá de formar um pacto com os partidos de centro. E como essa hipótese será aceita pelos quadros petistas? Eis o busílis. Muitos dizem que o PT aprendeu com seus erros. E agora não vão soltar os anéis. Tomarão a máquina administrativa e planejarão um mando de muitos mandatos. Sem calejar na ideia. Sem fazer concessões. Isso esbarra num ponto: e o que dirá Lula? “Vão em frente, companheiros”? Ou: “Basta, vamos governar com todos“. Lula teria perdoado seus inimigos?
Como seria o pacto?
E como seria um pacto político a ser formado pelo dirigente maior do país? Primeiro, puxando para a parceria governamental partidos do centro e até de centro-direita: PSD, MDB, etc. Segundo, consolidando a parceria com partidos de esquerda, a partir do PSB, PSOL, PDT etc. Terceiro, articulando para comandar as casas congressuais perfis alinhados ao governo. Quarto, distribuindo postos de comando – não vitais – aos novos parceiros. Quinto, costurando programas e projetos de alcance social.
O empresariado
Conversas com empresários revelam: por mais que Lula prometa um “governo além do PT”, vence por ampla maioria a incredulidade sobre a aplicação do conceito. A descrença se volta para os nomes que administrarão áreas como economia e meio ambiente. A visão radical da esquerda, dizem alguns, predominará. No setor do meio-ambiente, lembram que mais de 13% do território são, hoje, áreas de preservação ambiental ou de ocupação indígena. E o próximo ministro do meio-ambiente tende a expandir este índice. Exemplificam com a explosão de invasões de terra que ocorrem nesse momento em Mato Grosso.
Moraes, até quando?
Tenho ouvido um caudaloso volume de críticas ao ministro Alexandre de Moraes, por suas decisões de tirar redes sociais de alguns críticos e mandar a PF investigar perfis que fizeram críticas ao processo eleitoral. Alegam que o ministro estaria cerceando a liberdade de expressão. Sobre esse assunto, em palestra que proferi na FIESP, manifestei minha visão: 1. O ministro Moraes tende a arrefecer sua ação punitiva, tão logo estejam acomodadas as placas tectônicas do pleito; 2. Urge reconhecer o mérito de Moraes na condução do processo eleitoral. O ministro ainda vivencia as glórias (merecidas) de comandante do processo e continua agindo no sentido de defender o ideário do TSE; 3. Uma reunião com Lula e os dirigentes das casas congressuais e com os membros do STF recolocará os papéis dos Três Poderes, distensionando o clima. Pergunta dos empresários: até quando Xandão agirá como xerife? Repito: até a acomodação das placas tectônicas do terremoto.
Olhem para Tarcísio
O centro das atenções deve se voltar para Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador eleito de São Paulo. Sua identidade técnica o afasta das posições radicais de Jair Bolsonaro. Se fizer um bom governo, será protagonista importante de 2026. In medium virtus, a virtude está no meio, diz o ditado latino. Tarcísio encarnaria este princípio.
Haddad, o cara
Dentre os muitos petistas citados como eventuais ministros do governo Lula III, o nome de Fernando Haddad é o perfil a ser preparado para se firmar como estrela nos tempos do amanhã. Logo atrás, Alexandre Padilha. A acompanhar.
Afif
Um nome que volta à política com força. Foi o comandante da campanha do Tarcísio de Freitas. Preparado, experiente, articulador, educado, sabe ouvir. Guilherme Afif terá voz importante na administração de Tarcísio.
Kassab, articulador nato
Um dos sábios da articulação política, Gilberto Kassab olha para o sul e para o norte, para o oeste e para o leste, com sua habilidade de estar sempre no centro do poder. Vai apoiar Lula lá em cima. Em São Paulo, foi eixo central da campanha vitoriosa de Tarcísio de Freitas. Um articulador de primeira grandeza.
Kotscho
Quem sabe tudo ou quase tudo sobre Lula é seu velho amigo Ricardo Kotscho, que trabalhou com o presidente como assessor de imprensa. Tratamento carinhoso entre eles: “como vai, nego véio?” Kotscho é um dos maiores jornalistas brasileiros, e tem um belíssimo e agradável texto. Que pode ser lido no UOL. Quem quiser saber como serão as linhas do governo Lula, que tal tentar uma conversa com essa admirável figura, que escreveu as primeiras matérias sobre os marajás?
Ele lembra:
“Foi uma série de reportagens publicadas no jornal “O Estado de São Paulo”, em 1975, sobre as mordomias, abusos e privilégios dos “superfuncionários” do governo federal“. A série sobre as mordomias causou grande repercussão, pois foi a primeira matéria de denúncia publicada na imprensa após a retirada da censura prévia ao jornal. Os “superfuncionários” passaram a ser chamados de “marajás”. Que existem até hoje.
Fé
A frase é uma platitude: o Brasil é maior que a crise.
Aposto minhas migalhas que o Brasil vencerá todas as crises. E que o dono deste blog, que é referência no planeta jurídico do país, o amigo Miguel Matos, reforce minha aposta.