Ministro classificou de ‘fake news’ plano revelado pela Folha, mas deixou porta aberta para mudanças
Leonardo VieceliIdiana Tomazelli
RIO DE JANEIRO e BRASÍLIA
O ministro Paulo Guedes (Economia) disse nesta quinta-feira (20), no Rio de Janeiro, que o governo Jair Bolsonaro (PL) não vai mudar “durante o jogo” a regra de correção do salário mínimo e de aposentadorias. O plano foi revelado por reportagem da Folha publicada nesta quarta.
Guedes, contudo, deixou a porta aberta para debater alterações no arcabouço fiscal brasileiro, incluindo a desindexação do salário mínimo.
O ministro chamou de “fake news” a informação sobre os estudos do governo que avaliam a possibilidade de pagamento do salário mínimo e de aposentadorias sem correção pela inflação passada.
“Em relação a isso, tem uma regra que diz que o salário mínimo vai subir de acordo com a inflação, pelo menos a do ano passado, e [dizem que] eles [governo] querem mudar. Fake news”, afirmou.
“Não se muda a regra do jogo durante o jogo. O jogo está correndo”, acrescentou o ministro em entrevista na sede da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo).
Em nota, o Ministério da Economia também disse que “não há qualquer plano para alterar as regras dos reajustes anuais do salário mínimo e das aposentadorias pela inflação (INPC)”.
Apesar de rejeitar mudanças agora, o ministro voltou a defender uma das bandeiras de sua gestão, a chamada “regra dos 3D”, que visa desindexar, desvincular e desobrigar o Orçamento.
“Precisamos colocar mais inteligência nos orçamentos, e mais política nos orçamentos, em vez de simplesmente seguir uma regra de vinculação que pode ser inadequada”, disse.
“Esses estudos sempre foram feitos. Aí, vai chegar a época da eleição: ‘Ah, eles querem cortar o salário’. Isso é manipulação política. Se isso for para ser feito, não é escondido. Tem de ser publicamente debatido, aberto. Evidentemente, não faremos isso, chegar e mudar a regra para prejudicar o trabalhador”, completou.
Ao admitir a possibilidade de discutir medidas de descarimbar e desindexar o Orçamento, obtendo maior liberdade na gestão das despesas, o ministro afirmou que isso se dava em um contexto de buscar garantir aumentos reais ao salário mínimo –embora, hoje, não haja impedimentos legais para se conceder aumentos acima da inflação (apenas a limitação orçamentária).
“Se estiver tendo conversa de desindexação, é muito mais pensando se a inflação realmente aterrissar e a gente quiser dar um aumento real”, disse.
Guedes deu ênfase à possibilidade de dar aumentos maiores do que a inflação. Ele foi então questionado pelos jornalistas sobre qual seria o balizador mínimo –e se ele seria a meta de inflação, como na proposta obtida pela reportagem.
Na resposta, o ministro citou exemplos comparando com meta de inflação e expectativas para o índice de preços, mas não esclareceu qual seria o indexador mínimo.
“Vamos supor que agora que a inflação seja 5,5% esse ano e que a meta de inflação seja 3,5%. A gente evidentemente vai dar o 5,5%. A gente não vai, no meio do jogo, mudar a regra para atrapalhar alguém. Agora, suponha que a expectativa de inflação para o outro ano já fosse mais baixa, fosse 5%, e você fala assim, vou dar 5,5% de novo, porque eu quero dar um aumento real. Você teria desindexado, e seria um aumento real”, afirmou.
Sem ser questionado sobre o assunto, o presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou nesta quinta que o governo vai conceder no próximo ano aumento real para o salário mínimo e nos vencimentos dos servidores públicos. “Agora há pouco o Paulo Guedes anunciou que no ano que vem vai ter aumento real do mínimo e aumento real para servidor público também”, afirmou em conversa em um podcast.
Como mostrou a Folha, Guedes trabalha em um plano para refundar a legislação sobre as contas públicas do país. O ministro trata o assunto como um legado de sua gestão, mas a proposta só deve ser oficializada se houver vitória de Bolsonaro no dia 30 de outubro. Nesse caso, uma PEC (proposta de emenda à Constituição) seria apresentada no dia seguinte à eleição.
Uma das principais medidas em estudo é a possibilidade de mudar a forma de reajuste do salário mínimo e de benefícios previdenciários.
Hoje, eles são corrigidos pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) do ano anterior. O INPC é um indicador de inflação calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Trechos da proposta obtidos pela Folha afirmam que “o salário mínimo deixa de ser vinculado à inflação passada”. Na nova regra, o piso “considera a expectativa de inflação e é corrigido, no mínimo, pela meta de inflação”. O gasto com benefícios previdenciários “também deixa de ser vinculado à inflação passada”.
Na prática, abre-se a possibilidade de uma correção abaixo da inflação nos benefícios previdenciários, que têm despesas projetadas em R$ 859,9 bilhões para o ano que vem, e do salário mínimo. O piso nacional afeta também os gastos com seguro-desemprego.
Outra discussão é mudar o índice usado para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que mede a variação de preços sentida por famílias com renda de até 40 salários mínimos —e que costuma ser menor do que o INPC.
Para se ter uma ideia da dimensão da mudança, o INPC de 2021 teve alta de 10,16%, percentual usado na atualização do salário mínimo para R$ 1.212. Caso apenas a meta de inflação de 2022 fosse aplicada, a elevação seria de 3,5%. Se a opção fosse pela expectativa do início do ano para o IPCA em 2022, o reajuste seria de 5,03%. Os detalhes ainda estão em discussão e não são definitivos.
Tentativas anteriores de desvinculação de benefícios da Previdência ou do salário mínimo enfrentaram resistência de Bolsonaro, que chegou a ameaçar com um “cartão vermelho” um secretário do Ministério da Economia que foi porta-voz de uma proposta similar em 2020.
Guedes também defendeu nesta quinta a taxação de lucros e dividendos para a manutenção do Auxílio Brasil de R$ 600 em 2023.
Conforme o ministro, uma PEC (proposta de emenda à Constituição) está “acertada” sobre o assunto e precisará avançar “o mais rápido possível” depois do segundo turno das eleições.
“Tem uma PEC acertada de tributos sobre lucros e dividendos para a garantia do Auxílio Brasil”, afirmou.
Antes da entrevista nesta quinta, Guedes participou de uma reunião com empresários na CNC. Ele voltou a fazer um discurso em tom de campanha.
O ministro defendeu medidas adotadas por sua gestão na área econômica e contestou críticas que apontam populismo fiscal do governo Bolsonaro neste ano eleitoral.
“Não acreditem nas falsas narrativas. Combateram o próprio país, sabotaram o próprio país, mas o Brasil é mais forte do que isso”, disse.
A imprensa não teve acesso ao espaço da reunião, que foi transmitida nas redes sociais.
O ministro também indicou que o Brasil está acelerando, enquanto outros países atravessam turbulência. Nesse sentido, ele destacou pontos como a recente trégua da inflação e do desemprego.
Guedes ainda afirmou que a América Latina está “se desmanchando”, em uma referência a vizinhos governados por políticos de esquerda.
O ministro embarcou de vez na campanha de Bolsonaro às vésperas das eleições. Ele assumiu o papel de cabo eleitoral do presidente, que ficou cinco pontos atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro turno.
Na quarta (19), Guedes contestou o discurso sobre “picanha e cerveja” de Lula, sem citar o nome do ex-presidente. Segundo o ministro, a “versão colorida” do passado é “cerveja e picanha”.
“A distância do Brasil para o resto do mundo aumentou, o Brasil empobreceu. Ficam falando agora de picanha e cerveja, não têm noção do que aconteceu, último lugar no Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes] de educação, crescimento zero”, afirmou.