Cálculos do economista Fernando de Holanda Barbosa Filho mostram que a redução da brecha de participação entre homens e mulheres no mercado de trabalho poderia acrescentar até 0,3 ponto percentual de crescimento ao PIB ao longo de 20 anos
Por Marsílea Gombata — De São Paulo
A menor presença feminina no mercado laboral, em comparação à masculina, faz com que a força de trabalho no país esteja hoje aquém do seu potencial. Levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) mostra que, se todas as mulheres em idade para trabalhar estivessem incluídas no mercado de trabalho, tenderia a haver ganhos de produtividade por determinado período e maior crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). O estudo aponta que a disparidade de gênero ocorre não apenas na taxa de participação, como também no rendimento e existe também dentre as ocupações com melhor remuneração.
Indicador que mostra a parcela das população em idade de trabalhar que está empregada ou em busca de emprego, a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho foi de 51% no segundo trimestre de 2012 para 53,2% no segundo trimestre de 2022, enquanto a dos homens passou de 74,2% para 72,6% no período. Antes da pandemia de covid-19, essa taxa estava em 54,3% para mulheres e 72,7% para homens. Os números são dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua, do IBGE.
Segundo a economista Janaína Feijó, autora do levantamento “Diferenças de Gênero no Mercado de Trabalho”, a taxa de participação feminina vinha crescendo consistentemente e a dos homens, em estabilidade e declinando. “Entre 2014 e 2019, essa diferença, que costumava ser de cerca de 20 pontos percentuais, estava caindo. A pandemia veio e afetou principalmente as mulheres. Com a retomada da economia, a trajetória dos homens voltou para sua tendência, mas a das mulheres não.”
Além de terem participação menor no mercado laboral, as mulheres também são mais excluídas dele. Desde 2012 a taxa de desemprego das mulheres vem sendo superior à dos homens, e a partir de 2019 essa diferença se acentuou. No segundo trimestre, a taxa de desemprego feminina estava em 11,6% (5,5 milhões), enquanto a masculina chegava a 7,5% (4,6 milhões de homens). Durante a pandemia, a taxa desemprego feminina chegou ao pico de 18%, acrescenta Feijó.
Ela argumenta que uma taxa de participação feminina maior daria impulso à produtividade da economia e contribuiria para o crescimento. “Essa é uma variável estratégica. Colocar mais mulheres no mercado de trabalho tende a gerar efeitos positivos na economia.”
Segundo cálculos do economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, do FGV Ibre, a redução da brecha de participação entre homens e mulheres no mercado de trabalho poderia acrescentar até 0,3 ponto percentual de crescimento ao PIB ao longo de 20 anos.
“Isso pode, ao longo do tempo, compensar o menor crescimento da população economicamente ativa que teremos por causa da transição demográfica”, diz. Ele acrescenta que muitos especialistas comparam o Brasil à Itália em termos de demografia. “E, levando isso em conta, acham difícil que as taxas de participação feminina e masculina convirjam, pois essa diferença ainda persiste na Itália.”
O pesquisador Fernando Veloso lembra que diversos estudos mostram contribuição importante da força de trabalho feminina para a produtividade dos EUA e cita o estudo “Women and Men at Work: Fertility, Occupational Choice and Development”, dos pesquisadores Tiago Cavalcanti, Letícia Fernandes, Laísa Rachter e Cézar Santos, que mostra ganhos de produtividade com a queda de barreiras à participação feminina no mercado de trabalho. Eles afirmam que 36% dos ganhos de produtividade entre 1970 e 2010 no Brasil podem ser atribuídos à maior participação feminina.
Além da proporção desigual de homens e mulheres no mercado, o levantamento de Janaína mostra que há diferença de rendimentos considerável entre homens e mulheres, relativamente estável nos últimos dez anos. Atualmente, os homens recebem em média R$ 2.917, e as mulheres, R$ 2.292.
A diferença de rendimentos de gênero passou de 31,5% em 2012 para 24,7% hoje. Quando feita uma medição mais precisa, na qual são levadas em conta variáveis como mesmo nível educacional, raça, área censitária, setor de atividade, se o emprego é formal ou não, a diferença é ainda maior, passando de 42,8% para 34,1%.
A discrepância persiste mesmo em níveis educacionais mais altos. Dos trabalhadores com nível superior empregados, as mulheres respondem por 29,3%, e os homens, por 17,6%. “Isso significa que elas estão sendo mais penalizadas. Mesmo com mais estudo, têm salário inferior”, observa Janaína.
Quando combinadas as variáveis instrução e nível socioeconômico, observa-se que a diferença aumenta nos estratos mais altos de renda. Dentre os trabalhadores que completaram a universidade e têm entre 24 e 60 anos de idade, a distribuição de rendimentos é mais assimétrica nos estratos mais ricos. No grupo dos 10% mais pobres, as mulheres respondem por 72,7% dos salários pagos, e os homens, por 27,3%. Na faixa dos 10% mais ricos, a imagem é invertida: as mulheres representam 33,1% dos salários pagos, e os homens, 66,9%.
Isso se reflete no universo das ocupações que melhor remuneram, em que as mulheres também estão subrepresentadas, mostra o estudo. Dentre diretores gerais e gerentes, 71% são homens que recebem cerca de R$ 17.269, e 29%, mulheres que ganham R$ 15.302 na média. Dos desenvolvedores e analistas de programas e aplicativos, 82% são homens que ganham R$ 7.902, e 18%, mulheres com salário médio de R$ 6.300. Há maior equilíbrio entre dirigentes de administração e serviços (50% e 50%) e médicos (49% mulheres). Também nessas funções, os salários médios dos homens são maiores.
“A CLT proíbe remuneração diferente [quando] no exercício do mesmo cargo, da mesma função, com a mesma qualificação. Mas o que a gente observa é que há uma prática ilegal e de difícil fiscalização, porque geralmente as pessoas não sabem quanto o outro ganha”, observa Ligia Fabris, professora da FGV Direito Rio.
Ela argumenta que, no setor privado e também no público, os homens em geral acendem mais rápido do que as mulheres, no fenômeno conhecido por “teto de vidro”, ou seja, um obstáculo invisível que não está na lei nem no regramento da empresa.
“As mulheres têm dificuldade para se inserir no mercado de trabalho, o que mostra a taxa de participação menor do que a do homem. Quando ofertam sua mão de obra, se deparam com dificuldade maior, o que aparece na taxa de desemprego mais alta que a do homem”, retoma Janaína.
“Uma vez no mercado, mesmo com atributos produtivos iguais aos do homem, tendem a ter menor remuneração. E, se olharmos o rendimento pela distribuição de renda, vemos que estão subrepresentadas nos estratos mais altos e em cargos que pagam mais. É todo um contexto que mostra como a situação das mulheres no mercado de trabalho é mais delicada.”