Mesmo com volume recorde de ocupados, país ainda tem alta informalidade e condições precárias
Por Cássia Almeida e Caroline Nunes* — RIO
O mercado de trabalho está aquecido. Pela primeira vez desde 2016, temos menos de dez milhões de desempregados, e a taxa caiu para um dígito (9,1% em julho), situação que não acontecia desde 2015. Mas as condições precárias do mercado ainda estão presentes. São 98,8 milhões de ocupados, sendo que 13 milhões trabalham sem carteira assinada e outros 25,8 milhões por conta própria. Nos três casos, os números são os maiores da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, iniciada em 2012.
E a crise achatou o rendimento. O trabalho está barato, afirma Bruno Imaizumi, da LCA Consultores. No fim de 2019, o país tinha 27 milhões de trabalhadores que ganhavam até um salário mínimo. Atualmente, são 37% de todos os ocupados, ou 35,5 milhões, que recebem até R$ 1.212. Quando se considera na conta o percentual de quem ganha até dois mínimos, o total sobe para 66,7 milhões. Isso significa que a maioria dos trabalhadores, 68,7%, recebe até dois mínimos:
— O trabalho ficou mais barato, muita gente com pouca qualificação e que não consegue barganhar, pois ainda há muita ociosidade no mercado — diz Imaizumi.
Thamires Azambuja, de 31 anos, é mãe de três meninas, de 13, 10 e 8 anos, e precisa sustentá-las sem a ajuda do pai, de quem se separou. Sem emprego fixo, vive de trabalhos temporários. O período eleitoral ajudou. Ela ganha R$ 65 por dia para distribuir panfletos de candidatos. Despesas de transporte e alimentação são por sua conta:
— Já trabalhei com logística, com conferência, tudo com carteira assinada. Estou distribuindo currículo para tentar as vagas temporárias que abrem no fim do ano. Mas o meu sonho é trabalhar na minha área — afirma Thamires, que tem o ensino médio completo, mas teve que interromper o curso de técnica industrial depois da separação.
Quase 40% sem proteção
Thamires está no grupo classificado no IBGE como conta própria, informal, sem proteção social, e que ganha até dois mínimos. O país tem hoje 19,2 milhões nesta situação, conta própria sem CNPJ, que ganham, em média, R$ 1.612. Somados aos 13 milhões que trabalham sem carteira assinada e aos 4,3 milhões de empregadas domésticas na informalidade, temos mais de um terço da população ocupada, 36,9%, em postos precários.
O emprego formal, protegido, também cresceu. São 35,8 milhões, quase um milhão a mais que os 34,9 milhões no fim de 2019, antes da pandemia. A reabertura da economia está fazendo o setor de serviços se recuperar e voltar a contratar.
Pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, o total de vagas criadas até julho foi de 1,5 milhão. Nos 220 mil postos gerados naquele mês, 81,8 mil foram nos serviços. Mas Fausto Augusto Júnior, diretor técnico do Dieese, diz que está faltando uma política para geração de mais vagas:
— O Ministério do Trabalho não tem estrutura para fazer política. Perdeu-se a conexão do sistema público de emprego, com o tripé seguro-desemprego, qualificação e intermediação. Foi tudo desmontado.
Ezequiel Sales, de 23 anos, está sem trabalho desde 2019. Ficou órfão cedo e foi encaminhado para um abrigo. Chegou a morar na rua até conseguir um emprego como estoquista, o que lhe deu condições de alugar uma casa na Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio. Após sete meses de carteira assinada, a empresa fechou com a pandemia.
De lá para cá, o jovem diz já ter feito de tudo, mas, por falta de dinheiro da passagem para procurar emprego e problemas de saúde — teve tuberculose —, parou de buscar uma vaga. Ele integra o grupo de 4,2 milhões que desistiram de procurar emprego:
— Minha vida foi de bom a péssimo em questão de minutos. O que eu mais quero é trabalhar, mas pela questão financeira e com esse problema de saúde, que não me permite ficar andando muito, dei uma segurada.
O jovem depende da ajuda de amigos para conseguir se manter e, às vezes, pesca para ter o que comer. Sales se cadastrou para receber o Auxílio Brasil este mês, mas a ajuda ainda não saiu.
Os invisíveis do Auxílio Brasil
Segundo Diana Gonzaga, coordenadora do grupo de pesquisa em Economia do Trabalho da Universidade Federal da Bahia, o desalento pouco caiu quando se compara com o fim de 2019, antes da pandemia. Passou de 4,7 milhões na ocasião para 4,2 milhões no segundo trimestre deste ano:
— A queda é pequena. No Nordeste, a taxa é o dobro da nacional. A recuperação recente não tem sido suficiente para caracterizar um novo patamar no mercado de trabalho.
Rejeição por ser mulher
Nem a formação em eletrotécnica fez Rosiane Correa, de 44 anos, ter um emprego com carteira assinada. Ela até conseguiu uma vaga temporária em uma indústria, mas esta fechou. Desde então, Rosiane, mãe de duas meninas, passou a trabalhar como eletricista, mas diz que há semanas em que não há serviço:
— Infelizmente dão mais credibilidade para o homem. Já aconteceu comigo de passar por todo o processo seletivo e não ser contratada porque sou mulher. Teve empresa que falou que não pode me contratar porque vai precisar pôr mais banheiro na obra.
Rosiane é classificada na pesquisa como subocupada por insuficiência de horas, o que significa que ela tem condições de trabalhar mais, porém não consegue serviço. São 6,5 milhões nessa situação.
— O tipo de emprego que é gerado reflete estratégias individuais de blindagem contra a pobreza, trabalho não muito produtivo, de renda baixa — afirma Rogério Barbosa, professor do Iesp/Uerj.
*Estagiária sob supervisão de Cássia Almeida