Empresa defendeu que jornada era ‘humanamente impossível’ e agora tenta anular ação
Fernanda Brigatti
SÃO PAULO
O TST (Tribunal Superior do Trabalho) anulou parcialmente uma ação trabalhista que condenou o bufê Casa Fasano a registrar um ex-funcionário e pagar, além das verbas rescisórias e trabalhistas, o equivalente a 12 horas extras por dia.
Um ex-chefe de cozinha do bufê disse à Justiça do Trabalho em São Paulo que sua jornada de trabalho foi de aproximadamente 20 horas diárias durante três anos. Em uma ação apresentada em 2010, ele afirmou que começava a trabalhar às 6h e só parava já na madrugada, por volta das 2h.
A empresa chegou a ser condenada a fazer o registro do trabalhador, que era informal, pagar horas extras e demais verbas trabalhistas e rescisórias, tudo sobre a jornada de 20 horas.
Em agosto deste ano, porém, a Subseção 2 Especializada em Dissídios Individuais do TST aceitou o argumento da defesa da Casa Fasano de que a jornada de 20 horas diárias era “humanamente impossível” e determinou que a condenação fosse recalculada.
A defesa do trabalhador calcula que a eliminação de seis horas diárias do cálculo das horas extras vá reduzir o valor final da ação em até 40%. Ainda assim, o trabalhador deverá receber, já considerando a correção monetária aplicada a mais de dez anos de ação, cerca de R$ 1 milhão.
A Casa Fasano é o bufê do grupo fundado pela família de mesmo nome, que abrange outras marcas gastronômicas paulistas, como os restaurantes Gero, Parigi e o próprio Fasano, além de um hotel em São Paulo, outro no Rio, e da Fazenda Boa Vista, condomínio de luxo em Porto Feliz (SP). Em nota, o grupo disse que respeita e acata a decisão judicial.
No processo, porém, a Casa Fasano ainda tenta anular completamente a condenação determinada pela vara de São Paulo (foi apresentado um embargo). O advogado Jorge Pinheiro Castelo, do escritório Palermo e Castelo, que representa o grupo, diz entender que a pretensão original do trabalhador era juridicamente impossível.
O trabalhador que processou a Casa Fasano não quis dar entrevista. Ele não trabalha mais em restaurantes.
ENTENDA AS DECISÕES
Para o relator da ação rescisória no TST, ministro Amaury Rodrigues, a situação apresentada pelo trabalhador à Justiça em São Paulo “desafia a necessidade básica do ser humano” por significar que o funcionário dormia menos de quatro horas por dia.
Na primeira instância, a Casa Fasano foi condenada à revelia, pois não compareceu à audiência em que deveria apresentar defesa. Para o judiciário, esse tipo de omissão representa um tipo de confissão presumida.
Sem a versão da empresa, a 37ª Vara do Trabalho de São Paulo considerou verdadeira a versão apresentada pelo trabalhador no pedido inicial, de que trabalhava das 6h às 2h, tinha dois intervalos de 30 minutos, folgas em um dia por semana e trabalho aos domingos a cada seis meses.
O advogado Augusto Martinez, que representa o trabalhador, diz que o entendimento do TST é teratológico, termo usado no meio jurídico para classificar decisões consideradas absurdas.
“Se essa era ou não a jornada dele, já não interessa mais. O julgamento à revelia transforma preto em branco e a rescisória não poderia rediscutir o mérito da ação. Isso teria que ser feito no curso da ação [original].”
Pinheiro Castelo, por outro lado, usa o mesmo termo para classificar a condenação do bufê. “Consideramos que houve erro de fato [na decisão] por ser uma jornada fisicamente impossível.” Segundo o advogado, a existência de um erro verificável é um dos requisitos previstos no Código de Processo Civil para a apresentação de ação rescisória.
“Ninguém consegue trabalhar 20 horas por dia, de segunda a sábado, durante três anos. Um ou dois dias, ainda vai, mas era uma carga de trabalho impossível”, diz Castelo.
Para o relator no TST, a possibilidade física do cumprimento de uma jornada de trabalho tão extensa foi admitida, na ação original, apenas por presunção –”e não em decorrência da valoração das provas produzidas”, escreveu o ministro Rodrigues. Essa presunção, segundo ele, não autoriza “o reconhecimento de fato impossível”.
O trabalhador diz, na ação apresentada à Justiça, que trabalhava em “regime de escravidão” e que tinha cerca de três horas de descanso em um dormitório para empregados.
Ele também relatou ter começado a trabalhar para a empresa em maio de 2006 como ajudante de cozinha. Trabalhou lá até agosto de 2009, já como chefe de cozinha. Nesse período, não tinha registro em carteira e os pagamentos eram feitos por dia ou noite de trabalho.
O trabalhador disse também que cumpria duas jornadas consecutivas. O trabalho diurno seria dedicado à preparação para os eventos noturnos.
Para o ministro Amaury Rodrigues, “como o reclamante trabalhava como cozinheiro”, não haveria justificativa para que ele tivesse de trabalhar no período da manhã. Com isso, concluiu que a jornada média do cozinheiro começava por volta de 12h30 e seguia até as 2h, com 30 minutos de intervalo, cinco dias por semana.