Presidenciáveis miram tributação de PJ e de lucros e dividendos

Isenção do acionista eleva alíquota da empresa e prejudica atração de investidores, dizem especialistas

Alexa Salomão
BRASÍLIA

Propor tributação sobre a renda do capital já foi tabu no Brasil, mas agora é prioridade. Os quatro presidenciáveis com melhor desempenho nas pesquisas, bem como grupos que trabalham para apresentar sugestões aos candidatos, preveem mudanças na tributação sobre lucros e dividendos distribuídos aos acionistas de empresas.

As medidas em gestação também miram os super-ricos, bem como o chamado PJ de alta renda, o profissional com ganho elevado que vira pessoa jurídica, ou seja, uma empresa, para efeito de tributação. O fenômeno é conhecido como pejotização e atrai, para o Simples Nacional ou o regime de lucro presumido, advogados, médicos, executivos de empreendimentos de médio porte e até de grandes companhias.

O Brasil parou de tributar a distribuição de lucros e dividendos em 1996, e ainda há quem defenda a isenção. Para um grupo de juristas, seria bitributação cobrar, ao mesmo tempo, sobre o lucro empresarial e o ganho do acionista. Essa corrente também diz ser mais efetivo concentrar a cobrança na empresa, sem ter de se preocupar com a tributação pulverizada em inúmeros sócios na declaração de IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física).

No entanto, se tornou majoritário o entendimento de que empresa e acionista são entes distintos que podem ter ganhos tributados. Também consolida-se o consenso de que o sistema brasileiro é socialmente injusto.

“O modelo atual referenda aquela percepção de que rico não paga imposto no Brasil porque quando se tributa apenas a empresa, nem sempre é o acionista que paga”, afirma o economista Bernard Appy, diretor do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal) e secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A tributação da empresa, explica ele, deveria reduzir a remuneração do acionista. No entanto, estudos mostram que o valor do tributo pode ser compensado com um aumento no preço final do produto ou do serviço, sendo assim, o consumidor seria o pagador do tributo.

Também pode ser abatido na forma de salário menor, o que transfere a conta para o empregado. Dependendo do repasse, o acionista até ficaria isento.

Appy faz parte do Grupo de Seis, junto com os economistas Francisco Gaetani, Marcelo Medeiros e Pérsio Arida, o professor Carlos Ari Sundfeld (FGV Direito SP) e o cientista político Sérgio Fausto. Eles redigiram uma proposta de governo com reformas para os presidenciáveis que inclui a tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos.

O pesquisador Sérgio Gobetti, um dos primeiros a defender a volta dessa tributação, destaca mais um problema. Na prática, por causa de deduções, planejamento tributário e outros subterfúgios, a empresa no Brasil não chega a pagar o teto nominal de 34% sobre o lucro, mas um efetivo que varia de 22% a 24%. Gobetti chegou a identificar que a Petrobras conseguiu uma alíquota efetiva de 18% por oito anos.

Concentrar a tributação no lucro da empresa também coloca o Brasil em desvantagem internacional. Ainda que o percentual de 34% não seja efetivo, é ele que baliza decisões de investimentos estrangeiros.

Apenas a Estônia, por exemplo, não tributa lucros e dividendos na pessoa física no grupo de 38 países que compõem a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Na média, a alíquota para o acionista é de 24%.

“Mesmo que a gente quisesse tributar apenas a empresa, o mundo caminha para outro lado”, diz Gobetti. “Estamos perdendo a guerra fiscal e tributária internacional, pois mesmo a maior alíquota lá fora ainda é menor que a nossa por causa desse modelo.”

Os presidenciáveis propõem um mesmo roteiro: reduzir a tributação da empresa e cobrar do acionista, calibrando as alíquotas para manter carga atual. O que varia é o como fazer a mudança.

O economista Guilherme Mello, um dos responsáveis pelo programa de governo do PT, afirma que a volta da cobrança de lucros e dividendos é essencial para modernizar a tributação brasileira. “Na nossa leitura, é preciso mudar a composição, mas sem elevar a carga”, explica.

Segundo Mello, há uma maior tributação sobre a renda do trabalho do que sobre a renda do capital, o que beneficia a alta renda e incentiva a pejotização.

“O Imposto de Renda da pessoa física é progressivo até as faixas entre 30 e 40 salários mínimos, a partir daqui, cresce a parcela da renda com capital, com isenção de lucros e dividendos”, diz Mello.

PROPOSTA DE LULA (PT): adotar uma tabela progressiva para a cobrança sobre a distribuição de lucros e dividendos aos acionistas, de forma a equiparar essa tributação sobre a renda do capital à tributação sobre a renda do trabalho. Ao mesmo tampo, reduzir a tributação sobre o lucro da empresa. A meta é, ao final, é manter a carga total atual, mas garantir à empresa uma alíquota efetiva dentro da média internacional. Ainda está em discussão uma revisão da tributação sobre patrimônio na alta renda. Hoje, independentemente do valor da herança, o imposto é o mesmo. Os pilares da reforma tributária estão na emenda substitutiva global 178/19, proposta construída pela oposição e anexa às reformas tributárias propostas pela Câmara e pelo Senado – Folhapress

O governo de Jair Bolsonaro (PL) já tentou resgatar a tributação de lucros e dividendos em sua reforma tributária e promete nova ofensiva em um segundo mandato. Os percalços mostram o desafio da mudança.

Inicialmente, propôs alíquota de 20%. O percentual, porém, foi caindo, primeiro para 15%, até ficar em 10%. Isso também mexeu na contrapartida. A redução da tributação do lucro da empesa foi mais tímida, de 34% para 30%.

A proposta excluiu uma série de entes, entre eles, micro e pequenas empresas do Simples Nacional e do lucro presumido. Ainda assim, sofreu forte oposição. Passou pela Câmara, após muitas alterações, e empacou no Senado.

Agora, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ministro da Economia, Paulo Guedes, querem desmembrar essa parte da reforma, tributando os mais ricos e conseguindo R$ 70 bilhões para manter os R$ 200 do Auxílio Brasil em 2023 e ampliar a faixa de isenção do IR.

“Qualquer reforma tributária contraria interesses, então, é preciso um governo bem conectado com um plano de desenvolvimento para resistir aos lobbies”, diz Isac Falcão, presidente do Sindifisco Nacional (Sindicato dos Auditores da Receita Federal do Brasil). “Foi o que não aconteceu com esse projeto do atual governo, que, depois de ser desfigurado, foi abandonado.”

PROPOSTA DE JAIR BOLSONARO (PL): Avalia retirar da reforma tributária, parada no Senado, a parte referente à tributação sobre lucros e dividendos para ser votada isoladamente, o que garantiria R$ 70 bilhões para mantar o adicional de R$ 200 no Auxílio Brasil e rever a faixa de isenção do IR a partir de 2023. A leitura do governo é que politicamente nenhum parlamentar se oporia a elevar o benefício social. Como a mudança não incluiria a revisão da tributação sobre o lucro da empresa, que permaneceria no corpo da reforma, avalia-se que haveria incentivo à votação de todo o restante da proposta. Em evento público, o ministro Paulo Guedes disse essa tributação recairia sobre os que ganham acima de R$ 400 mil por mês – Folhapress

Em sua campanha, Ciro Gomes está entre os candidatos que mais reforça a necessidade de reduzir a carga tributária da produção e do consumo para gerar crescimento econômico.

Suas propostas passam pela volta da tributação sobre lucros e dividendos distribuídos e da tributação do patrimônio, explica o economista Nelson Marconi, que atua na coordenação do programa de governo do candidato.

“Começamos a falar sobre tributação de lucros e dividendos ainda na campanha de 2018 e fomos muito criticados, mas agora há um consenso de que é preciso alguma cobrança para fazer justiça tributária”, diz Marconi.

PROPOSTA DE CIRO GOMES (PDT): A equipe do candidato considera essencial retomar a tributação sobre lucros e dividendos distribuídos, não sobre os retidos. A proposta é aplicar uma alíquota entre 15% e 20%. Do outro lado, haveria uma compensação da tributação sobre o lucro da empresa, mas ainda não foi fechado um valor final. O importante é que o valor esteja em linha com a de outros países que usam o mesmo sistema. O grupo de Ciro também tem uma proposta adicional para tributação de grandes fortunas. Está prevista a adoção de uma alíquota de 0,5% para quem tem patrimônio acima de R$ 20 milhões – Folhapress

No grupo de Simone Tebet (MDB), coordenado pela economista Elena Landau, as propostas da área tributária ficam sob a gestão da advogada Vanessa Canado, ex-assessora especial do Ministério da Economia.

Canado explica que a isenção de lucros e dividendos precisa ser revista como aliada no combate da sub tributação do lucro corporativo nos regimes especiais, como o Simples Nacional.

“No mundo, a tributação sobre lucros e dividendos é uma escolha entre tributar empresa, acionista ou ambos —que é a opção mais comum”, diz ela. “Mas no Brasil, essa discussão ficou contaminada porque a alíquota sobre o lucro corporativo varia de acordo com o porte da empresa, coisa que não é comum, porque a tributação precisa variar é sobre renda.”

Canado lembra que uma pessoa com renda mais alta, R$ 30 mil, por exemplo, paga 27,5% de IRPF se tiver carteira assinada. Se for uma empresa de lucro real, paga 34% de IRPJ. Mas se for um PJ, estiver no Simples ou no lucro presumido, regimes usados pelas micro, pequenas e médias empresas, paga entre 4% e 15%.

“Os regimes simplificados foram criados com o objetivo de agilizar a apuração do imposto. Podemos mantê-los. Mas esses sistemas não devem implicar em dupla não tributação, como está ocorrendo”, diz Canado.

PROPOSTA DE SIMONE TEBET (MDB): A equipe econômica da candidata defende que o lucro não tributado na empresa deve tributado na renda do acionista no caso dos regimes simplificados, seja na distribuição de lucros ou dividendos, na declaração de ajuste anual ou no IR na fonte. O que não pode é preservar as diferenças atuais. Em paralelo é preciso aprofundar estudos sobre a alta renda para incluir uma nova faixa na tabela do IRPF, com alíquota de 35%. Por último, é possível estabelecer um novo marco tributário corporativo. Essa revisão que afeta grandes empresas pode ser encaminhada mais lentamente, considerando os arcabouços internacionais, porque a avaliação é que as corporações dificilmente vão se opor – Folhapress

PROPOSTA DO GRUPO DOS SEIS
Reduzir a tributação da empresa, de 34% para 25%, e tributar a distribuição para o acionista em duas etapas. Na primeira, seria aplicada uma alíquota de 15% na tributação na fonte. A segunda etapa ocorreria na declaração anual de ajuste da pessoa física. Nesse caso, haveria alíquotas progressivas, de zero, 7,5%, 15% e 22,5%, compensando o que já foi tributado na fonte. Quem for zero, receberia de volta os 15% da fonte. Quem caísse no teto pagaria a diferença de 7,5%. Para estabelecer a alíquota de cada contribuinte seria considerado a soma da renda do capital com a renda atual para efeito de tributação. Mas a cobrança seria feita sobre a renda do capital.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

O que é dividendo?
É a parcela do lucro líquido das empresas paga aos acionistas de acordo com a quantidade de ações, ou seja da participação, que ele tem na empresa

Como é a tributação hoje?
É regida pela lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Ela acabou com a cobrança de 15%, aplicada no IR e no IR retido na fonte, sobre lucros ou dividendos distribuídos aos acionistas em resultados auferidos a partir de janeiro de 1996. A tributação recai sobre o lucro da empresa, com uma alíquota máxima de 34% via IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição Social do Lucro Líquido). A isenção também está prevista na lei do Simples.

Como ficaria tributação pelas propostas dos presidenciáveis?
Uma nova avaliação entende que empresa e sócio são entes distintos e devem ser tributados a partir da renda e não do porte do negócio. Seria possível estabelecer a tributação sobre dividendos distribuídos aos acionistas e tributar a empresa, calibrando as alíquotas para preservar a carga total atual. Haveria uma faixa de isenção, e a adoção de alíquotas progressivas, sempre maiores para valores mais elevados. A tenência é reduzir o percentual cobrado da empresa para que a alíquota da empresa no Brasil fique na média ou abaixo da média internacional

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/09/presidenciaveis-miram-tributacao-de-lucros-e-dividendos.shtml

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