A esperada recuperação do setor de serviços deu as caras mais uma vez no segundo trimestre de 2022. A alta de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) no período teve participação relevante do segmento, o maior da economia brasileira, segundo dados divulgados nesta quinta-feira (31) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A indústria teve desempenho mais positivo na passagem do primeiro para o segundo trimestre, com alta de 2,2%, mas os serviços seguem como ‘estrela’ do PIB, com desempenho significativo em todas as comparações: frente ao trimestre anterior, a alta foi de 1,9%; ante o mesmo trimestre de 2021, de 4,5%; e, no acumulado em quatro trimestres, de 4,3% – enquanto isso, a indústria ainda tem resultados modestos.
O consumo das famílias subiu 2,6% no trimestre ante os três meses anteriores, quase que inteiramente puxado pelos serviços.
Dados do Monitor do PIB, da Fundação Getulio Vargas (FGV), publicados antes da divulgação desta quinta, davam sinais de que ao menos 80% de todo o crescimento do consumo das famílias no trimestre viria dos serviços. E cerca de 40% sairiam de alojamento e alimentação.
“Tivemos o melhor agosto da nossa história. E também o melhor Dia das Mães, o melhor Dia dos Pais, o melhor domingo…”, conta Leonel Paim, sócio dos restaurantes Osteria Generale e Via Castelli, em São Paulo.
De abril para cá, os negócios de Paim têm batido recorde atrás de recorde ao unir a retomada do salão com a operação aperfeiçoada de delivery — lição que ficou dos tempos de fechamento da pandemia. As entregas representam hoje 40% do faturamento.
Mas as boas notícias são dos últimos trimestres. Paim teve que demitir 35 funcionários para passar pelos momentos mais críticos dos restaurantes. Não fez dívidas bancárias apenas porque não conseguiu tomar empréstimos. Foi recusado tanto pelo Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) quanto pelo programa estadual Desenvolve SP.
“Estava pronto para quebrar, mas queria cair de pé. Tenho funcionários com 30 anos de casa. Um deles conheci enquanto namorava, e hoje ele é avô. Queria ao menos pagar a multa para destravar o FGTS de todos”, afirma o empresário.
O misto de delivery, negociação com fornecedores e aportes dos sócios segurou as pontas até a reabertura. Ainda assim, houve alguma dificuldade para calibrar os estoques e pagar salários cheios quando havia incerteza se bares e restaurantes poderiam ficar abertos.
Passado mais esse momento, foi hora de aproveitar o retorno dos clientes, que se intensificou após a vacinação contra a Covid-19. A cautela, porém, persiste. Paim diz que não espera que o furor permaneça.
“Havia muitos eventos represados, comemorações não feitas, vontade de festejar o que não foi festejado. Uma hora isso passa”, afirma.
Preocupações que seguem
O temor de Paim é compartilhado por empresários e economistas ouvidos pelo g1.
Em resumo, a percepção é de que os bons números da economia no primeiro semestre deste ano foram resultado de uma abertura mais vigorosa e de estímulos à economia, mas a conjuntura à frente é mais desafiadora.
Isso porque a subida de juros deve começar a causar uma desaceleração de investimentos no país e a perspectiva de uma recessão global pode prejudicar o crescimento pela via da exportação.
Por fim, o aumento de despesas do governo – que driblou o teto de gastos para garantir suporte à economia em ano eleitoral – deve cobrar seu preço na virada do ano, com mais receio de investidores globais sobre as contas do país. Sempre que isso acontece, há mais pressão sobre o câmbio e inflação.
Juliana Trece, economista do Instituto Brasileiro de Economia da FGV e coordenadora do Monitor do PIB, afirma que o resultado do PIB neste segundo trimestre reforça o desempenho melhor do que o esperado da economia brasileira, mas os números podem não se repetir em 2023.
No primeiro semestre, a economista vê um claro efeito da demanda represada pelo consumo de serviços por conta dos fechamentos da economia nos últimos anos. Faixas de renda mais alta da população conseguiram acumular algum dinheiro, que foi despejado na economia agora.
Além disso, houve ajuda da liberação emergencial do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e a antecipação do 13º de aposentados e pensionistas como as duas principais medidas que injetaram dinheiro no consumo das famílias.
“O crescimento veio de meios artificiais, não de um motor robusto. A dúvida é quando os efeitos da política monetária vão começar a afetar a taxa de desemprego e a atividade econômica, o que tira mais renda da população”, diz a economista.
Outro ponto importante é que não há clareza da agenda econômica dos principais candidatos à presidência da República, e parte das políticas de incentivo à economia podem terminar na virada do ano. Por fim, o aumento de gastos para financiá-las aumenta a desconfiança do mercado financeiro sobre a sustentabilidade das contas públicas.
“Estamos em ano eleitoral e independentemente de quem vencer, teremos um 2023 com muitos desafios”, afirma.
‘Lua de mel’ com ressalvas
Na segunda metade do ano, novos estímulos governamentais devem segurar o crescimento em alta.
O boletim Focus desta semana aponta que o PIB deve chegar a 2,10% em 2022, contra 2,02% previsto anteriormente. Já para 2023, a previsão de alta recuou de 0,39% para 0,37%.
Por ora, são duas as medidas que devem ampliar o consumo: a primeira é o teto do ICMS para produtos essenciais — que forçaram a redução dos preços de combustíveis, por exemplo, e devem ajudar uma realocação da renda que iria para esses insumos em direção a outros gastos.
A segunda é o reforço de renda com a aprovação da PEC Kamikaze, que permitiu o aumento de valores de políticas sociais, como o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600 e a concessão de vales para taxistas e caminhoneiros.
“Cerca de 80% do setor de bares e restaurantes fatura na faixa de R$ 20 mil por mês. Os auxílios são ‘injeção na veia’ na base da pirâmide, que é o público-alvo desses empresários”, diz Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).
Solmucci diz ainda que, como fator positivo para o setor, este será um ano de Copa do Mundo de Futebol. Com tudo na conta e sem novos choques, os bares e restaurantes devem gerar mais 100 mil postos de trabalho até o fim de 2022, recuperando todas as posições perdidas durante a pandemia.
Na outra face da moeda, o levantamento mensal da Abrasel ainda mostra que apenas 37% dos bares e restaurantes tiveram lucro em junho. Além disso, 69% tinham empréstimos a pagar e 71% não conseguiam repassar os custos na mesma velocidade que a inflação.
“É como se estivéssemos na ‘lua de mel’ de um casal que comemora as bodas de prata e já tem uma porção de problemas juntos. Renovamos os votos, mas com muita bagagem”, diz Solmucci.
Viagens também em alta
Pouco atrás dos bares e restaurantes, o setor de turismo também aproveita o momento para se recuperar. Números da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa) mostram que, no segundo trimestre, 81,2% das operadoras ultrapassaram a marca dos 100% dos valores faturados no mesmo período de 2021. São 9,4% as que estão entre 50% e 100%, e 9,4% que não chegaram aos 50%.
Mas, comparado ao momento pré-pandemia, ainda há trabalho a fazer. Apenas 40,6% alcançaram os 100% do faturamento do mesmo período de 2019. Outros 40,6% ficaram entre 50% e 100%. Sobram 18,8% que não chegaram à metade do faturamento daqueles tempos.
O presidente da Braztoa, Roberto Nedelciu, diz que os números poderiam ser ainda melhores se o setor fosse atendido em uma de suas reclamações ao governo federal.
As entidades do turismo reclamam do imposto de renda retido na fonte (IRRF) sobre remessas ao exterior, que subiu de 6% para 25%. Na prática, operadores de viagens brasileiros usam o mecanismo para reservas de hotéis e contratação de passeios em outros países.
Mesmo com entraves, os empresários respiram aliviados. Elisa Ikebe, dona de uma franquia da agência de viagens Agaxtur, passou pelos percalços de todo agente de viagens durante a pandemia: viu o faturamento ir a nocaute, teve que negociar aluguéis para não fechar as portas e precisou recorrer a um empréstimo de R$ 120 mil pelo Pronampe.
“Os últimos três meses foram bons e retomamos o nível de faturamento pré-pandemia. Estou fazendo caixa para pagar as parcelas do empréstimo, que voltam em novembro”, afirma Elisa.
A empresária explica que a chegada da variante ômicron da Covid, no início do ano, fez o banco aumentar a carência do empréstimo. Ela mantém as esperanças de que, mesmo que haja uma desaceleração da economia, os negócios possam se manter com saúde financeira.
“As eleições deixam dúvidas sobre o ano que vem e a Copa do Mundo acaba sendo ruim para o turismo, porque o país quer acompanhar os jogos. Mas tenho esperança que as vendas voltem logo em seguida”, diz.