Receita Federal intensifica cobrança de adicional de contribuição previdenciária
Alvos são os setores de alimentação, automotivo, de construção civil e de eletrodomésticosPor Bárbara Pombo — De São Paulo A Receita Federal intensificou nos últimos meses as fiscalizações para cobrar o recolhimento da contribuição adicional aos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), pago quando há empregados com direito à aposentadoria especial. Os valores exigidos do adicional – chamado de GILRAT – são referentes a trabalhadores expostos a ruídos e tem como base decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2014. Em dois meses, diz o advogado Caio Taniguchi, sócio do TozziniFreire, doze clientes foram fiscalizados. Desses, três já sofreram autuações fiscais, de valores significativos. “Tenho dito às empresas que é de 100% a tendência de as fiscalizações terminarem em autuação”, afirma. Os maiores alvos, segundo ele, são grandes empregadores, dos setores de alimentos, automotivo, construção civil e de eletrodomésticos. O tema, alvo de disputa jurídica, é uma das prioridades da Receita Federal, de acordo com plano de fiscalização anual. No fim de 2021, o órgão notificou 6.150 empresas em todo o Brasil para se regularizarem espontaneamente. Previa um recolhimento, com a medida, de R$ 242 milhões para os cofres públicos. O órgão informa, em nota ao Valor, que vai divulgar o resultado dessa operação “em breve”. Segundo advogados, a Receita percebeu um filão de arrecadação relevante com o adicional. Dizem que é fácil para o órgão fiscalizar pela maior exposição das empresas a cruzamento de dados. Desde outubro de 2021, lembra Alessandro Mendes Cardoso, sócio do escritório Rolim Advogados, as companhias são obrigadas a incluir no eSocial informações sobre saúde e segurança do trabalho, como fornecimento de equipamento de proteção individual (EPI) e o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) do empregado – que esclarece, entre outros pontos, se o empregado esteve sujeito a agentes nocivos à saúde, o que inclui o ruído. Além disso, os especialistas apontam que existe um problema comum das empresas de falha documental. Para fechar, os contribuintes não têm conseguido derrubar cobranças no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A quase totalidade das decisões, dizem tributaristas, é favorável à Fazenda. “É um tributo com um apelo social importante, por custear aposentadorias especiais, o que ajuda a justificar o esforço da Receita Federal e a intensificação nas fiscalizações”, afirma o advogado Pedro Ackel, sócio do escritório WFaria. O GILRAT incide sobre o valor da remuneração do trabalhador. Varia entre 6%, 9% ou 12% a depender do tempo de trabalho para a aposentadoria especial – de 15, 20 ou 25 anos. Quanto menor o tempo para a concessão do benefício maior a alíquota a ser paga pelo empregador. Um dos que tem direito é o trabalhador exposto a ruído diário superior a 85 decibéis – limite tolerado pela Norma Regulamentadora (NR) 15, do Ministério do Trabalho. De acordo com o Ministério da Previdência, 128,3 mil aposentadorias especiais foram concedidas entre 2017 e 2022. O pico ocorreu em 2020, primeiro ano da pandemia, com 25.704 concessões. A Receita faz essa cobrança do adicional com base em decisão do STF, de 2014. Os ministros entenderam que se a empresa fornece equipamento de proteção individual eficaz, o empregado não tem direito a se aposentar com menos tempo de serviço – e, nesse caso, o contribuinte está livre do adicional. Abriram uma exceção, porém, aos casos de funcionários expostos a ruídos. Com base nessa decisão (ARE 664335), a Receita publicou o Ato Declaratório Interpretativo (ADI) nº 2/2019. Nele, firmou posição de que a contribuição adicional ao RAT é devida pelo empregador nos casos em que a concessão da aposentadoria especial não puder ser afastada pela neutralização dos riscos ambientais pelo fornecimento do EPI. Tributaristas apontam que muitas empresas não têm recolhido o adicional. Isso porque discordam da interpretação do Fisco em relação à decisão do STF. “A Corte criou uma presunção relativa”, diz Caio Taniguchi, do escritório TozziniFreire. Segundo ele, a mera declaração da empresa não bastaria, mas a aposentadoria especial poderia ser afastada se o empregador for capaz de demonstrar que o EPI neutraliza ou reduz a exposição. Consequentemente, não teria que pagar o adicional do RAT. “A ideia não é pagar menos tributo, mas pagar quando de fato for devido.” Alessandro Mendes Cardoso, do Rolim Advogados, afirma que o julgamento do STF tratou de benefício previdenciário e não de custeio. Aponta, ainda, que, para a cobrança seria necessária uma alteração na Lei nº 8.213, de 1991, que trata dos planos de benefícios da Previdência Social, o que não teria ocorrido. “É como se houvesse majoração de tributos sem passar antes pelo Congresso. Por isso, é uma matéria com grande foco de contencioso e uma preocupação das empresas”, diz o advogado. Ele acrescenta que o entendimento atual tira o efeito do adicional do RAT para além da arrecadação. “Incentiva o empregador a investir em EPI para que não tenha custo tributário. Se desvincula a isenção tributária e o EPI – que, sim, é obrigação trabalhista -, perde o caráter extrafiscal.” Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que a tese defendida pelo órgão vai na linha do ADI nº 2/2019, da Receita. “Partindo desse pressuposto, a discussão em cada processo é delineada em termos eminentemente fáticos”, diz o órgão. https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2023/01/30/receita-federal-intensifica-cobranca-de-adicional-de-contribuicao-previdenciaria.ghtml
Reforma tributária: conheça propostas paradas no Congresso e como elas vão afetar o seu bolso
Governo Lula vai se basear em duas PECs em tramitação no Congresso para elaborar proposta sobre o assunto A simplificação da tributação sobre o consumo está no centro da primeira fase da reforma tributária, que o governo pretende enviar ao Congresso ainda neste semestre. Segundo declarações recentes do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o texto pretende se basear em duas propostas de emenda à Constituição (PEC) em tramitação no Congresso, e o governo poderá acrescentar ou retirar alguns pontos. As duas propostas reúnem diversos tributos que hoje incidem sobre o consumo em menos tributos. A divergência está no número de tributos unificados e na forma como ocorrerá a fusão. PEC 45/2019De autoria do deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), a PEC 45/2019 foi relatada pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), ambos reeleitos no ano passado. O relatório chegou a ser lido na comissão especial da Câmara dos Deputados para a reforma tributária, mas teve a tramitação suspensa após o presidente da Câmara, Arthur Lira, extinguir o colegiado, alegando que o prazo de funcionamento foi extrapolado por causa da pandemia de Covid-19. A PEC 45 prevê a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O tributo substituiria duas contribuições — o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) — e três impostos — o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS). Atualmente, as contribuições ficam inteiramente com a União, o IPI é partilhado entre União e governos locais, o ICMS fica com os estados; e o ISS, com os municípios. A alíquota do IBS seria composta por uma soma das alíquotas da União, dos estados e dos municípios. Cada esfera de poder poderia definir a alíquota por meio de lei ordinária. A base de cálculo (onde o tributo incide) seria regulamentada em lei complementar. Também seria criado o Imposto Seletivo, que incidiria sobre o consumo de produtos que causam danos à saúde, como cigarros, álcool e derivados de açúcar. Esse imposto seria cobrado “por fora”, no início da cadeia produtiva, incorporando-se ao custo do produto e elevando a base de cálculo sobre a qual é aplicada a alíquota do IBS. A PEC também prevê a cobrança do IBS no destino, no estado onde a mercadoria é consumida. Isso acabaria com a guerra fiscal entre as unidades da federação. Haveria um prazo de transição de seis anos para a adoção do IBS, com a extinção do PIS e da Cofins nos dois primeiros anos e a redução gradual das alíquotas do ICMS e do ISS nos quatro anos restantes. O relatório apresentado na época previa poucas mudanças na tributação sobre a riqueza, com “alterações pontuais” para reforçar a progressividade (cobrança sobre os mais ricos) do Imposto Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que incide sobre heranças e doações, e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). O texto também prevê a manutenção da Zona Franca de Manaus e do Simples Nacional, regime especial para micro e pequenas empresas. PEC 110/2019Apensada a uma proposta de reforma tributária paralisada no Senado desde 2004, a PEC 110/2019 foi apresentada na Casa em 2019, mas só teve o parecer lido dois anos mais tarde. Relatado pelo senador não reeleito Roberto Rocha (PTB-MA), o texto cria dois tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que ficaria com a União, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Pela proposta, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) substituiria a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep). O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) substituiria o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), arrecadado pelos estados, e o Imposto sobre Serviço (ISS), de responsabilidade dos municípios. A proposta não unificou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e o salário-educação no novo tributo federal. Em relação ao IBS, o texto propõe uma lei complementar única para os 26 estados, o Distrito Federal e os municípios, porém traz mais flexibilidade aos governos locais. Cada ente público poderia fixar a alíquota do IBS, que seria a mesma para bens e serviços. A cobrança seria no destino, no local onde a mercadoria foi consumida, com um prazo de transição de 20 anos. A lei complementar poderia manter benefícios fiscais para vários setores da economia, mas as medidas seriam definidas nacionalmente, não a critério de cada estado ou município. A Zona Franca de Manaus, o Simples Nacional, as Zonas de Processamento de Exportação e o regime especial para compras governamentais (compras feitas pelo governo) seriam mantidos. O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) seria substituído pelo Imposto Seletivo, que incidiria sobre bebidas alcoólicas, derivados do tabaco, alimentos e bebidas com açúcar e produtos prejudiciais ao meio ambiente. Assim como ocorre no IPI, a União arrecadaria o imposto, destinando parte das receitas aos estados e aos municípios. A isenção sobre os produtos da cesta básica acabaria. Em troca, seria feita uma devolução dos tributos que incidem sobre esses bens a famílias inscritas no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). Em relação aos impostos sobre o patrimônio, o relatório institui a cobrança de IPVA para veículos aquáticos e aéreos, como iates, jet skis e jatinhos. Em contrapartida, isentaria o transporte público, o transporte de cargas, barcos de empresas de pesca artesanal e de populações aquáticas e ribeirinhas. O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) teria a base de cálculo atualizada pelo menos uma vez a cada quatro anos Imposto de RendaAs duas propostas preveem a reformulação dos tributos sobre o consumo, sem interferir na tributação sobre a renda. Durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, o ministro Haddad afirmou que pretende discutir a simplificação dos tributos sobre o consumo no primeiro semestre e deixar a reforma do Imposto de Renda para o segundo semestre. As eventuais mudanças no Imposto
Haddad: ‘Congresso deve voltar a abraçar Reforma Tributária’
Ministro da Fazenda participa de evento na Fiesp na manhã desta segunda (30).Por Thaís Matos, g1 O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou nesta segunda (30) que uma nova regra fiscal e a reforma tributária são prioridades da gestão e que o congresso “deve voltar a abraçar o tema” assim que passarem as eleições das mesas diretoras nas casas. “Ouvimos isso dos 27 governadores. Todos já se manifestaram formalmente a favor da votação da Reforma. Teremos resposta assim que o Congresso voltar a abraçar o tema”, declarou Haddad durante reunião da diretoria da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). De acordo com o ministro, a reforma só não foi votada no ano passado “por causa da insistência” com a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). “Isso acabou gerando obstáculos para a aprovação da reforma, que ainda precisa de cuidados em função de algumas suscetibilidades setoriais”, completou. Apesar da cobrança, Haddad disse que uma nova proposta de regra fiscal ainda é a prioridade da equipe econômica. Segundo o ministro, há pressão e até “terrorismo” sobre a agenda fiscal, que a colocam como uma questão a ser resolvida com urgência. “Precisamos sair dessa agenda de curtíssimo prazo, tentar nos livrar um pouco dos movimentos táticos que são necessários e ir para uma visão estratégica de desenvolvimento que o Brasil não vê há muito tempo”, disse. O ministro citou também as cobranças gerais sobre o governo neste primeiro mês. “É natural que as pessoas tenham questões a serem colocadas e querem respostas prontas pra tudo. Mas nesses 30 dias [de governo] tivemos que dar conta de todos os problemas herdados do passado recente e longínquo”, afirmou. Sobre qual deve ser o novo arcabouço fiscal proposto pelo governo, Haddad afirmou que não quer se antecipar, uma vez que informações internacionais ainda estão sendo colhidas. “Temos que discutir com o governo, não só dentro da Fazenda, porque a decisão também impactará outros ministérios. Se eu antecipar essa discussão, prejudico esse protocolo. Mas todos os nossos interlocutores reconhecem que havia necessidade de substituir a regra em vigor”, disse. Crédito e investimentosDurante o evento, Haddad também foi cobrado por um barateamento do crédito no país e reforçou a agenda do Banco Central sobre o Pix, sistema de pagamentos instantâneos. “O Pix vai virar um instrumento de crédito e baratear o custo do crédito. Isso está na agenda do Banco Central e deve sair no meio do ano”, disse o ministro, reforçando que também se comprometeu com o BC a “desengavetar” todas as iniciativas que estavam paralisadas dentro do Executivo.Haddad ainda citou que há 70 milhões de CPFs negativados no país e afirmou que, para que esse problema seja endereçado, “o sistema bancário e as empresas credoras também precisam ter sensibilidade para ajudar o desenvolvimento do país”. “Claro que temos a Selic [taxa básica de juros] que é uma trava para todo nós para diminuir o spread e melhorar o sistema de garantias. Mas sabemos o potencial [do Brasil] e vamos abraçar a agenda de crédito”, destacou Haddad, citando o aumento da concorrência bancária como um dos fatores que têm caminhado no país. O ministro também foi questionado sobre o investimento, via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em obras de infraestrutura feitas em outros países e afirmou que, em sua opinião, há ainda “muitas obras a serem feitas” no ambiente doméstico e as parcerias público-privadas são um meio que deve ser utilizado para viabilizá-las. Para ele, o investimento em projetos fora do país não anula o investimento nos projetos nacionais e que os projetos são escolhidos de maneira estratégica para o Brasil. Já quando questionado sobre os próximos nomes a serem indicados para a diretoria do Banco Central, Haddad afirmou que já é um tema que está em discussão com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, reforçando que é algo que precisa ser tratado com “muita naturalidade”. O que é a autonomia do Banco Central sancionada por Bolsonaro“São pessoas que têm que ter um perfil muito próprio. E o que nós temos que fazer é levar bons nomes para o presidente decidir. São dois cargos de grande importância e [os nomes a serem indicados] podem ser do setor privado ou público”, acrescentou o ministro. https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/30/haddad-congresso-deve-voltar-a-abracar-reforma-tributaria.ghtml
A nova reforma trabalhista e a insegurança jurídica
Pode ocorrer retrocesso caso se altere novamente a legislação. E alterações de forma fracionada tendem a provocar ainda mais confusãoPor Ronan Leal Caldeira A possibilidade de uma nova reforma trabalhista, desde que o novo governo assumiu o comando do País, tem preocupado empresas. O Ministério do Trabalho já demonstrou que pretende enviar ao Congresso Nacional uma reforma trabalhista “fatiada”. Não deve haver revogação completa e sim mudanças em trechos da Lei nº. 13.467/17, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A ideia, segundo o titular da pasta, ministro Luiz Marinho, é adequar a legislação às novas relações de trabalho. É preciso ressaltar que a mais recente reforma trabalhista modificou mais 117 artigos. As principais mudanças então implementadas foram: (I) acordos coletivos prevalecem sobre a legislação; (II) não é mais obrigatória a contribuição sindical; (III) alterações na jornada de trabalho; (IV) parcelamento de férias; e (V) grávidas e lactantes poderão trabalhar em ambientes insalubres, desde que a insalubridade seja de grau mínimo ou médio. A reforma buscou, de forma devida, flexibilizar os vínculos de trabalho e promover mais segurança para determinadas ações. Os empregadores passaram a ter mais liberdade para negociar as condições de trabalho com o empregado. Outro ponto é que as empresas têm mais segurança para aplicar as normas coletivas, tendo em vista que agora elas se sobrepõem às regras da CLT. Portanto, o processo de contratação se torna mais seguro, moderno e flexível, podendo gerar benefícios para ambas as partes. Dias atrás a presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, afirmou que o ministro Luiz Marinho teria como “desafio conduzir uma reforma trabalhista”, e que “o Ministério do Trabalho vai ter o desafio de coordenar a revisão da reforma trabalhista para que possamos corrigir os erros e modernizar essa legislação”. Marinho, por sua vez, esquivou-se dizendo que a hora “é de olhar para a frente e começar a promover transformações”. Alguns temas apontados como objeto das futuras mudanças seriam a necessidade de reestruturar o Microempreendedor Individual (MEI) e a de criar “padrões de regulação do trabalho” realizado via aplicativos para “garantir condições dignas” nas áreas da saúde, segurança, previdenciária e trabalhista. As alegações causam preocupação porque, quanto aos aplicativos, conforme já decidido majoritariamente pelos tribunais, a relação é de autonomia e liberdade na prestação de serviços, afastando a existência da subordinação jurídica – traço distintivo essencial entre o profissional autônomo e o empregado. O parceiro escolhe os dias e a quantidade de horas por dia em que presta serviço. Não há que se falar em habitualidade e vínculo empregatício, tampouco em trabalho a ser regulado como se empregado fosse. Quanto aos requisitos de reconhecimento de vínculo empregatício, não se verifica a subordinação jurídica, principal elemento de caracterização, pois é possível desligar o aplicativo e não há vinculação a metas. Com relação à remuneração, se observa, entre outros aspectos, que os porcentuais fixados por aplicativos como a Uber, por exemplo, para a cota-parte do motorista são superiores ao que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) vem admitindo como suficientes para caracterizar a relação de parceria. Quanto à alegada subordinação estrutural, também restou afastada e se trata de fundamentação aplicada de forma indevida. Há poucas decisões que reconhecem a existência de vínculo empregatício entre o motorista parceiro e a plataforma, mas são totalmente contraditórias ao atual paradigma e à forma atual de relação entre autônomos e empresas. Aplicativos como o da Uber, por exemplo, estão amplamente implantados em todo o mundo. A forma de funcionamento não é questionada na grande maioria dos países. As relações de trabalho são muito mais amplas e flexíveis. Isso não engessa nem suprime oportunidades de geração de renda. Atualmente, a companhia está presente em mais de 10 mil cidades do globo. De acordo com informações de 2020, a plataforma conta com cerca 122 milhões de usuários, aproximadamente 5 milhões de motoristas/entregadores parceiros, e realiza cerca de 20 milhões de viagens/entregas por dia no mundo todo. A Uber chegou ao Brasil em 2014, com atuação inicial no Rio de Janeiro. A segunda cidade a receber o aplicativo foi São Paulo, seguida por Belo Horizonte. Segundo dados recentes, mais de 500 cidades brasileiras contam com os serviços da empresa, realizados por cerca de 1 milhão de motoristas e entregadores parceiros. Quanto ao MEI, frequentemente acusado de ser utilizado como instrumento de “pejotização”, é preciso destacar que, quando ocorre fraude na contratação, já existem medidas de questionamento na Justiça do Trabalho visando demonstrá-la. Note-se que a última reforma trabalhista visou a acompanhar o novo paradigma das relações de trabalho, tornando-as menos engessadas e mais flexíveis – beneficiando a todos. Assim, pode ocorrer um retrocesso caso se altere novamente a legislação. E alterações de forma fracionada tendem a provocar ainda mais confusão. Tais possibilidades causam extrema preocupação e geram insegurança jurídica, o que é péssimo para o País. https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/a-nova-reforma-trabalhista-e-a-inseguranca-juridica/
O que esperar do Lula 3 na área trabalhista?
José PastoreNa área trabalhista espera-se que as novas medidas não venham a re-engessar as regras que presidem as relações do trabalho. A simpatia pela reforma trabalhista espanhola em 2021 preocupa bastante na medida em que os mercados de trabalho e os problemas trabalhistas da Espanha e do Brasil são completamente diferentes, o que requer terapias específicas.segunda-feira, 30 de janeiro de 2023O Partido dos Trabalhadores é um dos mais transparentes do Brasil quando se trata do seu posicionamento ideológico. Foi fundado em 1980 com base em uma mescla de valores do marxismo, catolicismo e sindicalismo. Desde o início, o partido se apresentou como defensor das classes destituídas, dando ampla liberdade de voz para os movimentos sociais de base. O PT sempre foi contra a privatização, tendo lutado pela reestatização da Vale e de outras empresas que foram privatizadas. O socialismo petista tem nos trabalhadores sua referência fundamental, daí o seu grande envolvimento com os sindicatos. O partido privilegia a democracia participativa. Dela participam, além da militância petista, intelectuais orgânicos, de esquerda, e representantes da cultura. Para o PT, o importante é chegar a uma perspectiva socialista e não apenas reformar o capitalismo. O PT sempre defendeu uma larga participação Estado na economia. Em 1988, a bancada do partido votou contra o texto final da Constituição. Fez o mesmo em relação ao Plano Real (1998), o sistema de câmbio flexível (1999) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (2000). O leitor encontrará esses posicionamentos nos anais dos vários Congressos e Encontros Nacionais do Partido. Na área sindical, o PT evoluiu bastante. Nos idos dos anos oitenta, foram muitas ocasiões em que, por desavença com os empregadores, os sindicalistas quebravam equipamentos das empresas e até mesmo os carros que ajudavam fabricar. Era a operação “vaca brava”. Houve época em que dirigentes sindicais, junto com lideres do MST, invadiam propriedades, destruindo equipamentos e até mesmo 25 anos de estudos que estavam em andamento nos centros de pesquisa da Embrapa em vários estados do Brasil. O Partido teve uma excelente escola de treinamento sindical localizada em Cajamar, São Paulo. A concepção básica dos vários programas era de um inevitável choque entre capital e trabalho. Em um dos documentos didáticos, lia-se o seguinte: “patrão e peão são como óleo e água, não se misturam. O óleo sempre fica por cima e a água por baixo.”1 Felizmente esse tempo passou, embora, no recente discurso às centrais sindicais (18/1/23), o Presidente Lula ancorou a sua fala no choque entre capital e trabalho e estimulou os dirigentes sindicais ali presentes a pressionar os empregadores nas portas das fábricas e dos bancos. Na mesma semana, Lula havia realizado uma demissão coletiva de mais de mil servidores pelo fato de terem sido nomeados pelo governo passado. Será que não havia ninguém competente naquele grupo? Demitir é fácil; o difícil é contratar bons talentos. Mas, nesse campo, o PT tem como tradição contratar dirigentes sindicais para as posições chave nos órgãos públicos. Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas mostrou que só no primeiro mandato de Lula (2003-06), 45% da cúpula do governo era composta por sindicalistas,2 sendo 84% filiados à CUT e ao PT.3 Teve destaque a nomeação de dirigentes sindicais para cargos de Ministros como ocorreu com Ricardo Berzoini, Luís Gushiken, Luiz Marinho e outros. No primeiro mandato de Lula, o número de filiados das centrais sindicais aumentou de forma expressiva.4 No segundo mandato, elas tiveram um precioso reforço de caixa graças à aprovação da lei 11.648/08 que garantiu às centrais sindicais 50% dos recursos arrecadados pelo governo na forma de contribuição sindical. No texto aprovado pelo Congresso Nacional, o artigo 6º estabelecia que as centrais sindicais eram obrigadas a prestar contas ao Tribunal de Contas da União sobre a aplicação dos recursos provenientes dos cofres públicos. Lula vetou esse artigo. No 6º Congresso do PT realizado em 2017 estavam definidos os temas trabalhistas a serem tratados naquele ano e nos subsequentes: “Continuaremos a lutar pela revogação da lei de Terceirização (13.429/2017) e pela retirada do projeto de lei que visa fazer a reforma trabalhista”.5 Como se vê, os primeiros movimentos do governo Lula em 2023 têm suas raízes em teses amadurecidas e discutidas pelos militantes do PT há muito tempo: rejeição do teto de gastos, da privatização, das reformas trabalhista e previdenciária, da lei de terceirização e do fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, etc. Lula camuflou essas ideias durante a campanha eleitoral de 2022 para, com isso, ampliar o seu arco de apoio político. A tática da simulação sempre marcou a trajetória politica de Lula, o que foi bem documentado, em eleições passadas, pela rica narrativa de João Borges em livro recente.6 Mesmo agora, o que foi promessa de ação imediata, transformou-se em temas de discussão de grupo e acenos de cumprimento de forma gradativa e sem horizonte de tempo. Refiro-me a promessa de passar o salário mínimo para R$ 1.320,00 (e mais) e de liberar do imposto de renda os que ganham menos de R$ 5.000,00. A propósito de desdizer o que foi dito, convém lembrar que o PT, por meio da CUT, sempre se posicionou contra o imposto sindical sendo a favor de contribuições espontâneas, a ponto de muitos dos seus sindicatos devolverem aos trabalhadores o que era arrecadado como imposto sindical. Hoje, travestida de “taxa de negociação” ou “contribuição negocial”, ou “aporte de solidariedade”, as centrais buscam criar uma contribuição obrigatória para todos os que se beneficiam da negociação coletiva, filiados e não filiados dos sindicatos. O estilo de administração dos governos do PT foi caracterizado pela profusão de órgãos colegiados – conferências nacionais, comissões, grupos de trabalho e vários outros sobre os mais variados temas – juventude, mulher, idoso, deficientes, índios, cidades, emprego, economia solidária, meio ambiente, etc. Todos eles compostos por dirigentes sindicais e de ONGs, empresários e representantes do governo que, na maioria das vezes, pouco entendiam dos assuntos tratados. Em muitos casos essas assembleias terminavam com voto de aclamação, sem espaço para o debate das divergências. No período de 2003-16, o