Além da enfermagem: Congresso vira atalho de pisos salariais e acumula pedidos de 156 profissões

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Por André Borges Decisões políticas ignoram realidades regionais do País e fontes de custeio para pagamento; procura pelo Legislativo dribla acordos coletivos e se intensificou nos últimos quatro anos BRASÍLIA – Médico, professor de jiu-jitsu, costureira, psicólogo, garçom, vaqueiro. Ao menos 156 profissões pleiteiam, hoje, em algum projeto de lei empilhado nos escaninhos do Congresso Nacional, a criação de um piso salarial nacional para a categoria. A mobilização política pelo estabelecimento de um salário-base entrou nos holofotes pelo impasse envolvendo os profissionais da enfermagem. A categoria teve seu piso aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro e depois suspenso pelo Supremo Tribunal Federal, que questionou a origem dos recursos para essa conta e o impacto financeiro para Estados e municípios. A disputa expõe uma tendência que ganhou força nos últimos anos: buscar o Legislativo para estabelecer remunerações. O Estadão fez um levantamento dos projetos de lei que tramitam no Congresso, seja para criação de piso salarial, seja para revisão de salário-base já existente. Os dados foram coletados junto à Câmara dos Deputados, ao Senado e à Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp). Entre os 156 projetos que aguardam apreciação no Legislativo, há propostas antigas, como a que cria um piso para motoristas de ônibus, texto apresentado em 1988; mas a maior parte dessas iniciativas é bem mais recente. Nada menos que 74 projetos de lei que tratam de piso salarial foram apresentados no Congresso de 2019 para cá – quase metade do total que tramita no Legislativo sobre esse assunto. Só em 2021, por exemplo, foram apresentadas 28 propostas de criação de piso, o que equivale a mais de dois projetos de lei por mês. Neste ano, oito novas ideias foram enviadas para análise. Especialistas em direito trabalhista reconhecem que, em algumas situações, a criação de um piso nacional pode auxiliar determinada categoria, ao estabelecer um valor mínimo de remuneração geral. Muitas vezes, porém, a depender da forma como isso é feito, acaba criando regras que ignoram uma realidade básica: a profunda diferença de custo de vida em cada região do País. A definição do piso salarial serve, basicamente, para apontar qual é a remuneração mínima que determinada categoria vai receber, seja da iniciativa privada, seja do serviço público. Esses pisos, muitas vezes, são resultado de negociações entre empresas e instituições que representam os trabalhadores, como sindicatos e associações. O Congresso, no entanto, tem se tornado um “atalho” para definir esses valores, ou porque uma categoria não tem forte representação sindical, ou porque os acordos coletivos se arrastam por muito tempo. “O piso salarial definido no Congresso é, na prática, uma interferência do Estado na livre negociação entre empregador e empregado. Isso poderia ser feito por meio de convenções coletivas”, diz Washington Barbosa, professor de Direito Trabalhista do Meu Curso Educacional. Algumas propostas apresentadas argumentam ter usado como base médias nacionais. Em março do ano passado, por exemplo, o senador Zequinha Marinho (PSC/PA) apresentou o projeto de lei 1071, com o objetivo de regulamentar a profissão de técnico em eletricidade e fixar o piso salarial para a categoria em R$ 2.230, valor que deveria ser corrigido anualmente pela inflação. Ao defender sua proposta, Marinho disse que o piso pleiteado foi baseado na média do salário nacional que é pago a esses profissionais, conforme dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). “Um técnico em eletricidade e eletrotécnica ganha, em média, R$ 2.440,46 no mercado de trabalho brasileiro, para uma jornada de trabalho de 43 horas semanais”, afirmou. A regulamentação e o piso salarial da categoria, segundo o senador, são medidas “imprescindíveis” para manter a qualidade dos serviços. “Esses profissionais devem ter habilitação especializada, pois atividades relacionadas ao seu ramo de atividade exigem seriedade e profissionalismo, não mais comportando pessoas inabilitadas”, declarou. Busca por Legislativo tenta driblar acordos coletivos entre patrão e empregadores O aumento no número de projetos de lei que tentam impor a criação de pisos salariais embute a tentativa de driblar a busca por acordos coletivos entre trabalhadores e empregadores, avaliam especialistas. O advogado trabalhista Carlos Eduardo Ambiel, professor de Direito da FAAP, afirma que a criação dos pisos salariais é uma prática antiga e que, quando feita de forma negociada, pode ter efeito benéfico para determinada categoria. O problema começa, no entanto, quando essa decisão deixa de ser resultado de negociações setoriais e passa a ser objeto restrito de interesses políticos, que ignoram, muitas vezes, os efeitos práticos daquilo que será decidido. “A própria expressão ‘piso salarial’ nasce dos acordos e convenções coletivas em que a categoria negocia e estabelece esse valor. Acontece que, hoje, isso entrou na esfera legislativa e passou a ser resultado de forças políticas, de parlamentares que querem agradar a determinado setor, ignorando os impactos financeiros do que será decidido e o fato de que cada local tem a sua realidade”, comenta Ambiel. Um exemplo é o PL 1.365, apresentado neste ano, para aumentar o piso salarial de médicos e cirurgiões dentistas. O texto que tramita no Senado determina que o salário mínimo desses profissionais seja fixado em R$ 10.991,19 para uma jornada de trabalho de 20 horas semanais. Os médicos já possuem piso salarial estabelecido por lei há mais de 50 anos, desde 1961. “Esse critério pode até fazer sentido em uma cidade como São Paulo, mas será que é viável numa pequena cidade no interior de Goiás, nos rincões do País, ignorando tudo que envolve a realidade local?”, questiona Ambiel. “O resultado disso, muitas vezes, é a precarização do trabalho e demissões.” https://www.estadao.com.br/economia/congresso-nacional-atalho-pedidos-piso-salarial-alem-enfermagem/

Como proteger os trabalhadores de aplicativo?

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Regulamentação do trabalho em plataformas digitais segue sem solução definitiva e desafia governos e especialistas Mais do que regulação, muita gente pede leis de proteção aos trabalhadores de aplicativos e da chamada gig economy (baseada em bicos). Mas ninguém sabe como fazer isso. As propostas nessa direção contidas nos programas dos candidatos à Presidência da República são raras e vagas. Esta é uma discussão global, e não apenas brasileira. O desentendimento sobre a matéria talvez comece com a falta de percepção de que há uma revolução em curso na natureza do trabalho e de que as coisas não podem ser resolvidas apenas com um simples enquadramento das novas modalidades de ocupação à legislação trabalhista vigente. Além disso, convém perguntar se, diante das transformações que se intensificaram com a proliferação do uso de plataformas digitais e com o regime do home office, a maior prioridade é de fato a aplicação pura e simples de leis trabalhistas ou garantir mais ocupação, ainda que com aumento da informalidade. Estudo promovido por pesquisadores da Clínica de Direito do Trabalho da UFPR estima que, no fim do primeiro semestre de 2021, mais de 1,4 milhão de pessoas trabalhavam para plataformas digitais no Brasil, o que corresponde a 1,6% do total de ocupados no período. Como vem advertindo o especialista em Economia do Trabalho José Pastore, este é um tema urgente do ponto de vista social, porque milhões de brasileiros têm trabalhado sem nenhuma proteção. “Isso é uma desumanidade. Seja quem for que ganhe a eleição, o próximo presidente terá que tomar iniciativa e enviar uma proposta de proteção desses trabalhadores para o Congresso Nacional aprovar com urgência.” Pastore defende um modelo baseado em disposições previdenciárias. O sistema brasileiro conta com 25 tipos de cobertura (como salário-maternidade, auxílio por acidente de trabalho, auxílio-doença, aposentadoria por idade) que garantem certa renda quando o trabalhador não tem condições de ganhar a vida. Isso poderia ser feito independentemente do reconhecimento do vínculo empregatício. Essa proposta exigiria um modelo novo de contribuição ao INSS que incluísse essa categoria sem, no entanto, afugentar do sistema empresas e trabalhadores. Fausto Augusto Júnior, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), sugere que, ao incluir esses trabalhadores, se obtenha a recomposição da cobertura previdenciária com receitas do Imposto de Renda ou com a arrecadação de um novo imposto sobre o faturamento das empresas – algo complicado e sujeito a descaminhos. “Nós temos que encontrar recursos para financiar a Previdência, porque esse é um dos grandes entraves. Precisamos construir um reacordo para compor esse orçamento, que se transfira a contribuição sobre a folha de pagamento para outras bases de financiamentos. Elas podem ser a tributação sobre o faturamento das empresas ou sobre o lucro, como podem, também, ser em parte do Imposto de Renda”, explica o diretor da Dieese. Rodrigo Leite, professor de Finanças e Controle Gerencial do COPPEAD/UFRJ, entende que qualquer proposta só poderá avançar se obtiver apoio político, difícil de obter numa situação de forte deterioração das contas públicas e polarização, como agora./ COM PABLO SANTANA https://www.estadao.com.br/economia/celso-ming-direitos-trabalhadores-aplicativos/

Mercado de trabalho: quase 70% ganham até dois salários mínimos

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Mesmo com volume recorde de ocupados, país ainda tem alta informalidade e condições precárias Por Cássia Almeida e Caroline Nunes* — RIO O mercado de trabalho está aquecido. Pela primeira vez desde 2016, temos menos de dez milhões de desempregados, e a taxa caiu para um dígito (9,1% em julho), situação que não acontecia desde 2015. Mas as condições precárias do mercado ainda estão presentes. São 98,8 milhões de ocupados, sendo que 13 milhões trabalham sem carteira assinada e outros 25,8 milhões por conta própria. Nos três casos, os números são os maiores da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, iniciada em 2012. E a crise achatou o rendimento. O trabalho está barato, afirma Bruno Imaizumi, da LCA Consultores. No fim de 2019, o país tinha 27 milhões de trabalhadores que ganhavam até um salário mínimo. Atualmente, são 37% de todos os ocupados, ou 35,5 milhões, que recebem até R$ 1.212. Quando se considera na conta o percentual de quem ganha até dois mínimos, o total sobe para 66,7 milhões. Isso significa que a maioria dos trabalhadores, 68,7%, recebe até dois mínimos: — O trabalho ficou mais barato, muita gente com pouca qualificação e que não consegue barganhar, pois ainda há muita ociosidade no mercado — diz Imaizumi. Thamires Azambuja, de 31 anos, é mãe de três meninas, de 13, 10 e 8 anos, e precisa sustentá-las sem a ajuda do pai, de quem se separou. Sem emprego fixo, vive de trabalhos temporários. O período eleitoral ajudou. Ela ganha R$ 65 por dia para distribuir panfletos de candidatos. Despesas de transporte e alimentação são por sua conta: — Já trabalhei com logística, com conferência, tudo com carteira assinada. Estou distribuindo currículo para tentar as vagas temporárias que abrem no fim do ano. Mas o meu sonho é trabalhar na minha área — afirma Thamires, que tem o ensino médio completo, mas teve que interromper o curso de técnica industrial depois da separação. Quase 40% sem proteção Thamires está no grupo classificado no IBGE como conta própria, informal, sem proteção social, e que ganha até dois mínimos. O país tem hoje 19,2 milhões nesta situação, conta própria sem CNPJ, que ganham, em média, R$ 1.612. Somados aos 13 milhões que trabalham sem carteira assinada e aos 4,3 milhões de empregadas domésticas na informalidade, temos mais de um terço da população ocupada, 36,9%, em postos precários. O emprego formal, protegido, também cresceu. São 35,8 milhões, quase um milhão a mais que os 34,9 milhões no fim de 2019, antes da pandemia. A reabertura da economia está fazendo o setor de serviços se recuperar e voltar a contratar. Pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, o total de vagas criadas até julho foi de 1,5 milhão. Nos 220 mil postos gerados naquele mês, 81,8 mil foram nos serviços. Mas Fausto Augusto Júnior, diretor técnico do Dieese, diz que está faltando uma política para geração de mais vagas: — O Ministério do Trabalho não tem estrutura para fazer política. Perdeu-se a conexão do sistema público de emprego, com o tripé seguro-desemprego, qualificação e intermediação. Foi tudo desmontado. Ezequiel Sales, de 23 anos, está sem trabalho desde 2019. Ficou órfão cedo e foi encaminhado para um abrigo. Chegou a morar na rua até conseguir um emprego como estoquista, o que lhe deu condições de alugar uma casa na Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio. Após sete meses de carteira assinada, a empresa fechou com a pandemia. De lá para cá, o jovem diz já ter feito de tudo, mas, por falta de dinheiro da passagem para procurar emprego e problemas de saúde — teve tuberculose —, parou de buscar uma vaga. Ele integra o grupo de 4,2 milhões que desistiram de procurar emprego: — Minha vida foi de bom a péssimo em questão de minutos. O que eu mais quero é trabalhar, mas pela questão financeira e com esse problema de saúde, que não me permite ficar andando muito, dei uma segurada. O jovem depende da ajuda de amigos para conseguir se manter e, às vezes, pesca para ter o que comer. Sales se cadastrou para receber o Auxílio Brasil este mês, mas a ajuda ainda não saiu. Os invisíveis do Auxílio Brasil Segundo Diana Gonzaga, coordenadora do grupo de pesquisa em Economia do Trabalho da Universidade Federal da Bahia, o desalento pouco caiu quando se compara com o fim de 2019, antes da pandemia. Passou de 4,7 milhões na ocasião para 4,2 milhões no segundo trimestre deste ano: — A queda é pequena. No Nordeste, a taxa é o dobro da nacional. A recuperação recente não tem sido suficiente para caracterizar um novo patamar no mercado de trabalho. Rejeição por ser mulher Nem a formação em eletrotécnica fez Rosiane Correa, de 44 anos, ter um emprego com carteira assinada. Ela até conseguiu uma vaga temporária em uma indústria, mas esta fechou. Desde então, Rosiane, mãe de duas meninas, passou a trabalhar como eletricista, mas diz que há semanas em que não há serviço: — Infelizmente dão mais credibilidade para o homem. Já aconteceu comigo de passar por todo o processo seletivo e não ser contratada porque sou mulher. Teve empresa que falou que não pode me contratar porque vai precisar pôr mais banheiro na obra. Rosiane é classificada na pesquisa como subocupada por insuficiência de horas, o que significa que ela tem condições de trabalhar mais, porém não consegue serviço. São 6,5 milhões nessa situação. — O tipo de emprego que é gerado reflete estratégias individuais de blindagem contra a pobreza, trabalho não muito produtivo, de renda baixa — afirma Rogério Barbosa, professor do Iesp/Uerj. *Estagiária sob supervisão de Cássia Almeida https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2022/09/mercado-de-trabalho-quase-70percent-ganham-ate-dois-salarios-minimos.ghtml

Ideias mostram que um ganho não destrói o outro

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Economista José Pastore observou que reforma trabalhista fez com que os conflitos entre empregadores e trabalhadores diminuíssem Por João Sorima Neto e Rafael Vazquez  Para José Pastore, professor da FEA-USP e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP, as ideias defendidas pelo ex-presidente Michel Temer mostram que política é convergência e que “um ganho não destrói o outro”. Pastore também defendeu a reforma trabalhista aprovada ao opinar que os direitos dos trabalhadores foram todos preservados, inclusive na parte em que a negociação entre empresa e funcionário prevalece sobre a legislação. “Se as partes não quiserem [negociar] porque não acham conveniente, prevalece tudo que está na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)”, comentou Pastore, ressaltando que os conflitos entre empregadores e trabalhadores diminuíram. A volta ao formato presencial do evento “E agora, Brasil?” foi celebrada pelos participantes do encontro realizado em São Paulo na terça-feira. Para Ivo Dall’Acqua Júnior, diretor da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o evento teve “temperança, equilíbrio e um olhar mais sistêmico sobre tudo”, afirmou. O economista da Fecomercio -SP Fabio Pina comentou que a reforma trabalhista ajudou a gerar empregos de maneira mais ágil após os efeitos da pandemia. Em relação à média salarial mais baixa observada nas novas vagas criadas, disse que é uma consequência do cenário de crise econômica, e não das mudanças na lei trabalhista. “É muito mais efeito de saída de crise. Não é bom, mas é natural que ocorra.” Lucas Pena, CEO da Pact, empresa especializada em negociações trabalhistas, lembrou que a reforma de Temer ajudou a reduzir os passivos e a racionalizar as reivindicações, o que promoveu uma harmonização maior no mercado. https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/09/22/ideias-mostram-que-um-ganho-nao-destroi-o-outro.ghtml