Profissionais empregados miram vagas melhores

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Valor Econômico Jovens olham para outras ocupações, uma sinalização das limitações de suas atividades atuais Por Lucianne Carneiro — Do Rio Daysiane da Silva Ribeiro, de 20 anos, e Edilson Souza da Silva, de 24 anos, trabalham atualmente no comércio. Ela, como vendedora de uma lanchonete. Ele, como entregador de uma loja de produtos de limpeza. São duas ocupações que aparecem entre as primeiras do ranking do estudo da consultoria IDados como as que mais empregam os trabalhadores entre 15 e 29 anos no país. Ao pensar em oportunidades para crescer profissionalmente, no entanto, os dois jovens olham para outras ocupações, uma sinalização das limitações de suas atividades atuais. Embora goste do trabalho atual, Edilson conta que pensa muito no futuro e pretende voltar a estudar ainda este ano para poder fazer um curso técnico na área de mecânica. Sem ensino médio completo, cursou apenas até o segundo ano e quer concluir a formação para aproveitar outras oportunidades. “Eu gosto de trabalhar como entregador, conhecer as pessoas, ver o movimento, mas também é um trabalho cansativo e estressante. Trabalho no sol e na chuva, não tem escolha. E penso no meu futuro, preciso voltar a estudar para avançar mais”, afirma ele, que acabou de dar entrada numa casa numa comunidade do Rio, onde vai morar com a namorada. Na época em que começou a trabalhar como entregador, perdeu o interesse na escola, apesar da insistência da mãe, e abandonou os estudos. Depois ficou um tempo como estoquista, mas decidiu trabalhar com entrega em um aplicativo de comida para ter mais liberdade. “Só que me machuquei e vi que fiquei sem renda. Acabei conseguindo voltar para a mesma loja onde era estoquista, mas agora como entregador. Se eu tivesse estudado, já podia estar fazendo um curso técnico para crescer mais, ter meu negócio como mecânico”, diz ele, que continua fazendo “bicos” como entregador de aplicativo para complementar a renda e conseguir juntar dinheiro para pagar a casa. Já Daysiane da Silva Ribeiro é natural de Natal (RN) e foi morar no Rio depois que o então namorado, hoje marido, conseguiu um trabalho como pintor numa empresa, há cerca de três anos. Ela tinha concluído o ensino médio e começou a trabalhar no comércio. A rotina pesada e o desejo de progredir a fizeram procurar um curso técnico em radiologia, que cursa atualmente, enquanto trabalha de segunda-feira a sábado, de 14h às 22h, o tempo todo de pé. “O trabalho no comércio é bem cansativo, não é fácil. Trabalho toda semana de segunda-feira a sábado, só folgo domingo, e fico o tempo todo de pé. Não quero ficar aqui para sempre”, conta ela. Na área de radiologia, está de olho em uma remuneração maior e um esquema de trabalho com maior qualidade de vida. Moradora de Bonsucesso, na zona norte do Rio, ela sai de casa todos os dias às 7 horas para fazer o curso pela manhã no centro da cidade. Depois, segue para o trabalho e fica até 22h. Só chega em casa quase meia-noite. “Estou fazendo um esforço para concluir o curso porque acredito que assim vou ter retorno. Vou ter que fazer 400 horas de estágio para conseguir meu diploma e lá na frente vai compensar”, diz ela, esperançosa. Para o economista Bruno Ottoni, pesquisador líder de mercado de trabalho da consultoria IDados, o movimento desses jovens mostra a busca de oportunidades de crescimento profissional fora das áreas que trabalham atualmente. “O que eles estão fazendo é buscar alternativas fora das ocupações em que estão hoje. Não veem ali naquela ocupação https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/04/26/profissionais-empregados-miram-vagas-melhores.ghtml

Brasil teria dívida 20% menor com redução de benefícios tributários

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Folha de S.Paulo Na direção contrária, governo Bolsonaro instituiu 22 novas desonerações no ano passado Idiana Tomazelli O Brasil teria encerrado 2021 com uma dívida bruta de 63,6% do PIB (Produto Interno Bruto), caso os benefícios tributários tivessem ficado em 2% do PIB entre 2012 e 2021, segundo cálculos do governo obtidos pela Folha. O valor é 20,7% menor do que o patamar efetivo da dívida do país, que fechou o ano passado em 80,3% do PIB —nível considerado elevado para economias emergentes como o Brasil. O exercício de comparação foi feito por técnicos do Ministério da Economia para obter um panorama da situação das contas públicas, caso o país tivesse seguido um regime de maior controle das renúncias de receitas. A própria pasta já fez inúmeros diagnósticos sobre problemas e distorções de vários desses incentivos, que consomem mais de R$ 300 bilhões ao ano. Mas as investidas para reduzir os valores esbarram em resistências políticas e lobby de setores empresariais. O Congresso e a ala política do governo Jair Bolsonaro (PL) têm inclusive ido na direção contrária, ampliando os benefícios tributários. Só no ano passado, foram instituídas 22 novas desonerações, que drenaram R$ 5 bilhões da arrecadação federal. Neste ano, seu impacto será ainda maior, de R$ 13,2 bilhões. Grande parte vem da prorrogação da desoneração sobre a folha de pagamento de 17 setores, sancionada por Bolsonaro no último dia de 2021 sem medida de compensação. Dessas desonerações, nove são consideradas gastos tributários, uma modalidade especial que representa uma despesa indireta do governo para tentar impulsionar a atividade econômica ou atender a objetivos sociais. Entre 2005 e 2015, durante os governos petistas, esse tipo de política ganhou espaço e alimentou o lobby bem-sucedido de empresários em busca de benesses a seu respectivo setor. Como resultado, os gastos tributários saltaram de 2% em 2005 para 4,5% do PIB em 2015, contribuindo para dilapidar a arrecadação federal e aprofundar o rombo nas contas. Desde então, diversas tentativas de redução desses benefícios naufragaram em meio à pressão política dos setores beneficiados. Até 2020, eles seguiam próximos dos 4% do PIB. Já a instituição de novos benefícios tem sido uma válvula de escape diante da restrição imposta pelo teto de gastos, âncora fiscal do governo que limita o crescimento das despesas à variação da inflação. Se por um lado as despesas estão travadas no teto, por outro a regra fiscal não representa obstáculo à criação de novas renúncias. Em uma das investidas para apontar distorções nos gastos tributários, a Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria do Ministério da Economia sugeriu, em 2019, reverter parte da desoneração da cesta básica, direcionando o recurso poupado para o Bolsa Família, posteriormente substituído pelo Auxílio Brasil. Segundo os técnicos do órgão, a medida seria mais eficiente no combate à pobreza, pois a desoneração da cesta acaba incluindo produtos consumidos apenas por famílias de maior renda, como queijos ou filé de salmão. A mudança, no entanto, não avançou. Outro estudo de 2021 apontou problemas na ausência de limites para deduzir despesas médicas do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física), o que acaba beneficiando o andar de cima, que tem condições de arcar com plano de saúde ou atendimento médico particular. O economista Alexandre Manoel, economista-chefe da AZ Quest e ex-secretário de Avaliação e Planejamento da Economia, afirma que o Brasil vem há cinco anos centrando os esforços de ajuste fiscal no controle das despesas, um receituário que dá sinais de exaustão. Para ele, uma evidência disso é o debate eleitoral, em que a maior parte dos candidatos defende, com suas particularidades, maiores gastos sociais e investimentos. “Parece ser o máximo de ajuste fiscal que a gente consegue. Com esse ajuste do lado da despesa, que não foi pequeno, com essa diminuição das despesas discricionárias, a máquina já está no limite”, diz. Enquanto isso, segundo Manoel, houve poucas medidas de ajuste do lado da receita. “Há políticas com efeitos, do ponto de vista de geração de emprego, pequenos, pífios ou inexistentes. Os benefícios tributários foram concedidos em sua maior parte sem metas estabelecidas e sem controle”, critica. O economista, porém, reconhece as dificuldades políticas para avançar nessa agenda, que tem “benefícios difusos” para a sociedade, mas afeta interesses concentrados de alguns segmentos com poder de pressão. No ano passado, em meio às negociações para a prorrogação do auxílio emergencial a vulneráveis prejudicados pela pandemia de Covid-19, o ministro Paulo Guedes (Economia) e sua equipe conseguiram inserir em uma PEC (proposta de emenda à Constituição) um dispositivo que obrigava o governo apresentar um plano de redução gradual dos gastos tributários. Pelo texto, o plano deveria ser suficiente para levar esses incentivos a 2% do PIB em oito anos. Na votação, o Congresso blindou uma série de benefícios, como a Zona Franca de Manaus, os benefícios a entidades filantrópicas e a desoneração da cesta básica, entre outros. A soma das exceções alcançava cerca de 2% do PIB —metade dos incentivos existentes. Sob essas restrições, o governo frustrou as expectativas de um corte mais agressivo. Apresentado em setembro do ano passado, o plano desidratado listava supostos cortes em benefícios que, na verdade, já tinham data para acabar. Na época, uma interpretação mais benevolente de órgãos jurídicos do governo sugeriu a meta de corte deveria incidir apenas sobre os 2,06% do PIB em gastos tributários não excepcionalizados pelo Legislativo. Na prática, a obrigação legal era um corte de só R$ 4,2 bilhões em oito anos. O Congresso também patrocinou uma queda no volume contabilizado de benefícios tributários ao aprovar uma lei, no ano passado, acabando com o status de gasto tributário do Simples Nacional e do MEI (microempreendedor individual). Esses regimes especiais permitem aos microempreendedores e às empresas com receita bruta anual de até R$ 4,8 milhões recolher menos tributos e de forma simplificada. No projeto de Orçamento de 2022, a renúncia conjunta era calculada em R$ 86 bilhões —entre 0,8% e 0,9% do PIB deste ano. Descontado esse valor, o gasto tributário estimado para o ano caiu a 3,3% do PIB, embora o Simples e o MEI continuem existindo. Para tentar vencer as barreiras políticas, Manoel propõe uma “reversão horizontal”

Faltam opções de empregos qualificados para jovens

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Valor Econômico Escolaridade básica basta em 40% das áreas que mais empregam Por Lucianne Carneiro — Do Rio Quatro das dez ocupações que mais empregam jovens no país têm baixa exigência de escolaridade, de apenas o ensino fundamental incompleto. A conta considera o número de jovens em relação ao total de trabalhadores em determinada atividade. Situação semelhante é observada também entre as ocupações com maior número absoluto de trabalhadores entre 15 e 29 anos: quatro entre as dez primeiras têm ensino fundamental incompleto como escolaridade mais frequente. As informações são de levantamento feito pela consultoria IDados para o Valor, a partir de microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua referentes ao quarto trimestre de 2021, os mais recentes para o indicador. Entre as atividades que aparecem no estudo, estão, por exemplo, condutores de bicicleta, trabalhadores de centrais de atendimento e de serviços domésticos em geral e trabalhadores elementares da construção de edifícios. O retrato coincide com momento em que há um avanço no grau de escolaridade dos jovens brasileiros. Para se ter uma ideia, 14,9% dos trabalhadores entre 15 e 29 anos têm o ensino superior completo, sendo que apenas parte deles teria idade para tal. Somando-se os 12% de quem tem a formação incompleta, a parcela do ensino superior ultrapassa um quarto dos trabalhadores dessa faixa etária (26,9%). Além disso, são 42,9% com ensino médio completo. A fatia dos que têm apenas até o fundamental completo, por outro lado, é bem inferior, de 17,2%. Os dados sugerem, segundo especialistas, que os jovens entram no mercado em ocupações que pouco contribuem para o desenvolvimento profissional e que também há um descompasso entre o avanço do grau de instrução dos jovens e as oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho. “Existem muitos jovens com ensino superior (completo ou incompleto) nessa faixa etária de 15 a 29 anos. Porém, as ocupações que mais empregam jovens exigem em geral menos do que isso, como médio completo e até fundamental incompleto. Esse fato sugere que pode estar havendo descasamento entre a escolaridade do jovem e qualificação exigida pela ocupação”, diz o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador-líder da área de mercado de trabalho da consultoria IDados, Bruno Ottoni, responsável pelo estudo. O economista esclarece que, longe de criticar as ocupações que aparecem no topo da lista que mais empregam jovens, é preciso avaliar que muitas são atividades que dão poucas oportunidades de progressão para os jovens, comprometendo o futuro profissional. “Todo trabalho é digno, mas a questão é que tipo de trabalho o mercado está conseguindo oferecer para os nossos jovens. São trabalhos em que se vê perspectiva de longo prazo? São trabalhos em que vão conseguir aproveitar a escolaridade? Nossos jovens estão em ocupações que são ótimas do ponto de vista de trabalho, mas em geral não oferecem perspectiva de carreira de longo prazo”, nota ele, acrescentando: “Temos jovens mais qualificados, mas há uma característica estrutural do mercado de trabalho brasileiro que hoje não está conseguindo gerar empregos melhores para esses jovens.” Junto com a menor exigência de escolaridade, o perfil das ocupações apresentado no estudo é também de remunerações mais baixas e maior instabilidade, destaca o professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Stélio Coêlho Lombardi Filho. Tradicionalmente, diz ele, os jovens têm menos experiência e acabam tendo que se submeter a essas vagas com menores exigências, geralmente em setores como serviços e comércio, além de apoio administrativo. “Com o retorno das atividades, os jovens têm conseguido encontrar postos disponíveis. Mas em geral essas ocupações têm muita instabilidade e rotatividade alta. Elas têm qualificação exigida baixa, mas em compensação também com retorno baixo”, explica ele, que também é pesquisador do grupo de pesquisas em economia do trabalho da UFBA. Lombardi alerta para as consequências: “Muitas vezes esse jovem consegue superar a barreira do primeiro emprego, mas quase sempre está numa situação de instabilidade que impede ele de fazer uma transição para a vida adulta, de ter autonomia para formar sua família.” Apesar de enfrentarem normalmente maiores obstáculos para a inserção no mercado de trabalho por causa da falta de experiência, os jovens tendem a sofrer mais em momentos de crise como o atual. Lombardi diz que os empresários costumam reduzir a disposição ao risco e, portanto, a contratar profissionais que exijam maiores investimentos de treinamento. O professor cita o chamado “efeito cicatriz”, que costuma marcar a trajetória profissional de quem chegou ao mercado em momentos de crise. “Essa configuração das ocupações que mais empregam jovens reflete não só o momento ruim da economia como um todo, mas também o fato de os jovens serem um grupo muito sensível no mercado de trabalho. Já é um grupo com maior rotatividade, têm taxa de desemprego maior, salário menor, estão mais no mercado informal. Eles aceitam até porque precisam ganhar experiência”, corrobora a professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Solange Ledi Gonçalves. Na avaliação dela, há neste momento um aumento do descompasso entre o grau de instrução de jovens e a qualificação das vagas disponíveis no mercado de trabalho, o que compromete a capacidade de crescimento profissional dos jovens, como já mostraram trabalhos científicos sobre o assunto. “Papers mostram que, ao aceitar vaga que não é condizente com seu nível de escolaridade, o jovem pode ter dificuldade maior de conseguir crescer no mercado de trabalho depois, pode impactar na progressão de carreira. Por exemplo, se tem ensino superior, mas entrou trabalhando em rede de ‘fast food’, pode ter mais dificuldade depois de conseguir vaga de analista júnior, que é mais condizente com o ensino superior, porque ficou aquele tempo ali”, diz. https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/04/26/faltam-opcoes-de-empregos-qualificados-para-jovens.ghtml