Com inflação espalhada, brasileiro de alta renda sustenta o consumo
Valor Econômico – A divulgação, na sexta-feira, de um IPCA em março superando o teto das projeções reforça os sinais de uma persistente subida de preços, que deve exigir níveis mais altos de juros, com efeito direto sobre o poder de compra da população. Esse ambiente aumenta as incertezas num cenário de consumo já desigual e complexo para os negócios. Consultorias estimam demanda mais aquecida só após junho ou no quarto trimestre. Bancos e economistas começaram, na tarde de sexta-feira, a revisar para cima projeções de inflação e taxa Selic (juro básico) em 2022 e ações de varejistas altamente dependentes de crédito fecharam em forte queda no pregão da B3. Dois levantamentos recém-concluídos, das empresas de pesquisas GfK e NielsenIQ, obtidos pelo Valor, que cruzam renda e perfil de compra, mostram os efeitos da crise na ponta ao cliente. Há um recuo na fatia dos mais pobres nas vendas do comércio, e maior dependência de indústrias e varejistas da demanda dos mais ricos – sinal claro de aumento na desigualdade social. O percentual de pessoas cautelosas com o gasto, mesmo com recursos no bolso, está em 45%, acima da média global. “Há um efeito do cenário atual, e também resquícios das crises anteriores, de 2015 e 2016, que se somam à pandemia”, afirma Jonathas Rosa, executivo de varejo da NielsenIQ. Segundo a GfK, as classes alta e média alta chegaram a uma fatia de 56% na venda de bens duráveis (TVs, refrigeradores, lavadoras) de outubro a dezembro de 2021, a maior taxa em 12 trimestres (três anos), o período de análise da pesquisa. De janeiro a março de 2020, com a pandemia na fase inicial, essas classes respondiam por 51% da compra e um ano antes, por 50%. Aqueles com menos renda (classes baixa e média baixa) fizeram 39% das vendas no fim de 2021, quando Selic e inflação já pesavam nos custos de crédito e nas compras, versus 47% ao fim de 2020, período de liberação do auxílio emergencial. Pelos critérios da pesquisa, são renda baixa as famílias com ganho mensal inferior (sem impostos) a R$ 1.600; na média baixa, de R$ 1.601 a R$ 3 mil; na média alta, de R$ 3.001 a R$ 5.200 e na alta, acima de R$ 5.201. Pela pesquisa da GfK, se concluiu que a renda “segura”- das pessoas empregadas (parte delas, das classes A e B) e de aposentados – está sustentando o consumo de bens duráveis. O trabalhador empregado respondeu por 49% das compras no quarto trimestre, a maior taxa desde o início de 2020. Os desempregados participaram com 14%. Já entre outubro a dezembro de 2020, com o “coronavoucher” (auxílio do governo federal) sendo distribuído, os empregados fizeram 44% das compras, e os desempregados, 18%. Foram ouvidas a cada trimestre, entre 10,5 mil a 11,5 mil pessoas, em questionários que cobrem vendas em lojas físicas e pela internet. “Restam recursos na população de maior renda, mas a classe baixa está precisando de mais estímulos, que levam algum tempo para se refletir em consumo”, diz Felipe Mendes, diretor da GfK Brasil. No segundo trimestre, observa, trabalhadores mais pobres ainda vão carregar pressão mais forte em suas despesas, “mas é possível que o aumento do salário mínimo, dissídios em percentuais altos e a volta do Auxílio Brasil, no papel de estimuladores de demanda, melhorem a situação desse grupo após maio ou junho”. Haverá o impacto da queda no preço da energia e possíveis recuos na taxa de desemprego, mas, por outro lado, permanece o efeito dos juros, em alta desde 2021. “Há fatores negativos e positivos, e vamos ter que acompanhar os seus efeitos, mas será um equilíbrio difícil”. O diretor da GfK lembra que, quando a crise começou, os mais pobres compraram mais “itens de sobrevivência”, crescendo a sua participação em vendas de micro-ondas ou fogão. “Com o Auxílio Brasil, ele aproveitou para equipar o lar e cresce participação e itens no geral, até chegar 2021 e ele perder sua posição na maioria dos produtos”. Já a classe alta reduziu sua fatia nas vendas por breve período em 2020, mas retomou sua posição no total, e hoje há uma disputa pela sua renda. Dados da pesquisa da Nielsen mostram uma taxa maior no Brasil (45%), frente ao resto do mundo (em 38%), de pessoas que, apesar de não terem sido afetadas pela crise após 2020, não se sentem seguras a comprar. “Esses precisam ser mais convencidos a gastar”, diz o estudo, de 64 páginas. Já aqueles que guardaram dinheiro na crise e estão mais tranquilos com sua situação (o “grupo pequeno, mas poderoso”) são 6% no Brasil, a mesma média global, pela pesquisa feita em março, em 16 países. Ainda há os “lutadores”, em dificuldade financeira até hoje, (22% no país e 23% no mundo), os “recuperados”, que passaram por perdas, mas já se recuperaram (19% e 21%, respectivamente) e os “inalterados”, que nada sentiram (8% e 12%, respectivamente). Segundo Rosa, da NielsenIQ, cerca de 80% da população está na faixa dos mais suscetíveis à crise (lutadores, cautelosos e recuperados). “Acompanhamos esses grupos desde 2016 e 2017, quando também explodiu a inflação e desemprego. E esse grupo viveu muitos processos cíclicos, muitos altos e baixos, então ele entrou na pandemia já bem fragilizado”, afirma. Como o mercado de consumo se fortalece pelo ganho de escala no varejo e de expansão da produção na indústria, a perda de renda nas classes mais baixas compromete planos de investimento e geração de empregos. É por isso também que essa volatilidade preocupa o setor. “A margem apertada do varejo faz ele depender de muito volume para diluir custos, e se começa a achatar a base, acende um sinal de atenção”, diz o economista da Confederação Nacional de Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes. Dentro dessa lógica, José Jorge do Nascimento Jr, presidente da Eletros, associação da indústria de eletrônicos, diz que parte do setor que vende itens de alto valor agregado, focado em classes de maior poder aquisitivo, está “bem satisfeita”.
Pequenos negócios remodelam RH para atrair talentos e manter competitividade
O Estado de S.Paulo – A adaptação a novos modelos e relações de trabalho tem sido vista em grandes empresas, mas os pequenos negócios também tiveram de promover transformações organizacionais para atrair e reter funcionários diante da demanda por flexibilidade. O motivo? Justamente se manterem competitivas com companhias maiores. Pesquisa feita pelo site de empregos Indeed com 798 donos de micro, pequenas e médias empresas mostrou que 59% deles tiveram de fazer mudanças nas práticas de contratação e RH para atrair novos talentos. A necessidade vem porque metade dos entrevistados consideram que é mais difícil contratar agora do que antes da pandemia, devido ao orçamento reduzido. Felipe Calbucci, diretor de vendas do Indeed no Brasil, comenta que esses empresários sofreram muito na pandemia com queda de faturamento e consequente demissão de funcionários. Embora o mercado tenha melhorado, a receita não se recupera instantaneamente. “Quando voltaram a contratar pessoas, o mundo mudou, a perspectiva das pessoas mudou e agora todo mundo quer horário flexível. Tem gente que quer trabalhar, mas não está bem de saúde mental, ou está bem no trabalho e adoece. Você precisa de recurso para manter (o funcionário)”, ele diz. “As grandes empresas, por terem mais recursos, puxaram isso, passaram a entregar mais benefícios, mas a pequena empresa se deparou com esse cenário com menos recurso.” Como avançar, então, com caixa reduzido? Na parte de recrutamento, Calbucci fala que existe uma espécie de tripé: ter reputação, atração e fazer estratégia de hunting. “A boa notícia é que ter boa reputação não está ligado ao tamanho do orçamento, basta gerar boa experiência do colaborador, começando pelo básico de tratar bem, com respeito, criar ambientes de segurança psicológica, privilegiar diversidade em todos os seus níveis, inclusive de pensamento”, exemplifica. E mesmo que isso demande investir no treinamento de gestores, o especialista diz que é um dinheiro que retorna fácil. No caso de trocar computadores desktop para notebooks a fim de facilitar o trabalho remoto, é possível reduzir custos no tamanho dos escritórios, que vão demandar menos e equilibrar as contas. “Não é algo que desafia o orçamento, mas a criatividade e princípios”, afirma o diretor. Mas uma adaptação que ficou nítida para ele é a de entrevistas virtuais: 74% dos empresários concordam que essa forma tornou mais rápidas as contratações e 71% dizem que facilitou a gestão do processo. Na prática, outro ponto que ele observa é que, agora, os pequenos negócios divulgam vagas falando mais da empresa, dos valores e benefícios do que da função em si. A pesquisa, realizada de forma online em fevereiro deste ano, dá outros exemplos do que os empreendedores têm feito: 52% tentam atrair e reter talentos com benefícios como saúde, transporte, alimentação e academia; as licenças maternidade e paternidade são oferecidas por 49% dos pequenos negócios; já o trabalho remoto e horas flexíveis foram implementados por 47% das empresas. Embora a saúde tenha certo destaque, apenas 24% dos entrevistados dizem oferecer algum apoio à saúde mental. Preocupação com a evolução da carreira também passou a estar no radar: 32% dos entrevistados disseram oferecer incentivos como reembolso em cursos, palestras e seminários. E 17% oferecem participação nos lucros ou ações da empresa. Nesse empenho para se manterem competitivas, Calbucci mostra, ainda, as vantagens de se trabalhar em uma pequena ou média empresa. “Em questão de aprendizado, na grande tem escopo bastante formatado, delimitado e talvez a pessoa aprenda muito sobre processos. Na menor, não tem cartilha ou manual, tem espaço para criar melhor. As grandes empresas vêm tentando se modernizar para quebrar a barreira dos processos, mas isso já está no DNA das pequenas, onde você tem oportunidade de aprender e crescer rápido.”
Sindicatos planejam manifestações contra perda salarial na inflação
Folha de S.Paulo – A escalada da inflação vai deixar as negociações salariais deste ano mais nervosas, e o atual cenário da pandemia pode ajudar a organizar a volta das manifestações de rua para pressionar por reposição das perdas salariais, segundo lideranças sindicais. João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, afirma que o assunto será o principal item das mobilizações do 1º de Maio. “Nesse período, os sindicatos farão as negociações salariais, mas também vamos chamar manifestações de rua para cobrar o custo de vida. Hoje, temos condições de saúde que permitem manifestações”, diz Juruna. Segundo ele, as pressões sindicais também vão pressionar por mudanças na política econômica para reduzir a carga inflacionária sobre a população. Ricardo Patah, presidente da UGT, diz que tem tentado antecipar as negociações coletivas neste ano porque o cenário está mais delicado. “São muitos ingredientes, com pandemia ainda, crise econômica, desemprego, desalento, guerra na Ucrânia, eleições, polarização. Isso significa que vamos ter disputas malucas, ódio. Para não contaminar as negociações coletivas próximas, estamos antecipando todas”, diz Patah.