Emprego no país deve sentir impacto da guerra na Ucrânia

Valor Econômico – 10/03/2022 – Os efeitos da guerra na Ucrânia podem piorar condições do mercado de trabalho brasileiro, alertaram ontem duas instituições, a Fundação Getulio Vargas e a consultoria IDados. O Indicador Antecedente de Emprego (IAEmp) da FGV caiu 1,4 ponto em fevereiro, para 75,1 pontos. Com a queda, a quarta consecutiva, o indicador se posicionou no pior nível desde agosto de 2020 (74,8 pontos) – sendo que o resultado foi calculado antes da guerra entre Rússia e Ucrânia. Para o economista da fundação e responsável pelo indicador, Rodolpho Tobler, os contextos interno e externo atuais não inspiram segurança, no momento, para o empresariado pensar em abertura de postos de trabalho. No entendimento dele, os empresários ficam mais cautelosos para abrir novas vagas quando não veem cenário de tranquilidade, na demanda interna e na economia como um todo, pontuou o especialista – o que não ocorre, no momento. Já o pesquisador da consultoria IDados Tiago Cabral, em relatório sobre o mercado de trabalho no país, afirmou que “grandes incertezas pairam sobre a atividade econômica no Brasil e no mundo”, agravada pelo acirramento do conflito no Leste Europeu. Para ele, um conflito mais longo tende a levar a alta maior de preços, que prejudica o emprego. No caso do indicador da FGV, Tobler comentou de maneira geral, independentemente do setor, os empresários não têm visto com bons olhos o andamento de ritmo da economia, nos últimos meses. Um cenário de juros mais elevados e inflação em alta no começo do ano tem impactado a evolução da demanda interna, visto que são fatores que inibem consumo – e os empresários percebem isso, notou o economista. Agora, com o conflito no exterior, há perspectiva de novos aumentos de preços em derivados de commodities, que estão operando em alta no momento, de maneira geral, lembrou Tobler Ou seja: o conflito entre russos e ucranianos pode conduzir a novos aumentos de preços no Brasil, derrubando o consumo interno e diminuindo ritmo de negócios do empresariado – que não se sente, nessas condições, favorável à abertura de vagas, notou o técnico. Caso haja mesmo um compasso de espera, por parte do empresariado, em abrir novos postos de trabalho tendo em vista o atual cenário incerto da economia brasileira, “aí mesmo que a renda [do trabalhador] não se recupera”, comentou o especialista da FGV. Com menor renda, e mais inflação causada pelo conflito no exterior, menos consumo interno – e, com isso, menor cadência na atividade econômica, detalhou o especialista. “Qualquer perda de PIB que possamos ter com a guerra na Ucrânia vai se refletir no mercado de trabalho”, resumiu o especialista da fundação. O mesmo alerta foi feito pelo pesquisador da consultoria IDados. “Caso se prolongue por mais meses, o conflito deve agravar ainda mais o quadro inflacionário para 2022, motivando altas mais intensas de Selic pelo Banco Central brasileiro. Com esse contexto, é possível que as perspectivas de atividade e emprego no Brasil sejam ainda mais prejudicadas em 2022, dependendo da concretização de cenários mais pessimistas de inflação e de juros”, escreveu o pesquisador, no relatório sobre mercado de trabalho. O cenário atual da IDados prevê que o desemprego em dezembro de 2022 fique em 11%, apenas 0,1 ponto percentual abaixo da registrada em dezembro de 2021.

A marcha da desindustrialização

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O Estado de S.Paulo – 10/03/2022 – Com 9 tombos em 12 meses, a produção industrial chegou em janeiro a um patamar 3,5% inferior ao do mês anterior à pandemia, fevereiro de 2020. Vinte das 26 atividades pesquisadas tiveram desempenho bem inferior ao de dezembro, levando o setor a uma queda conjunta de 2,4%. Houve resultados negativos em todas as grandes categorias econômicas, com recuos de 5,6% em bens de capital, de 1,9% em bens intermediários e de 2,5% em bens de consumo. As maiores baixas, de 11,5% no mês e de 25,8% em relação a janeiro do ano passado, ocorreram na fabricação de bens de consumo duráveis, como veículos, calçados e produtos eletrônicos. O retrocesso industrial continua. Enquanto isso, o poder central se ocupa de outros assuntos, como os objetivos pessoais do presidente Jair Bolsonaro e os interesses típicos do Centrão, indicados, por exemplo, pelo Fundo Eleitoral de R$ 4,9 bilhões incluído no Orçamento Federal. Nenhum gesto do ministro da Economia, Paulo Guedes, indica uma percepção efetiva dos grandes problemas do setor produtivo. Não há como levar a sério meras promessas ou simples anúncios de redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), quando o País precisa de iniciativas muito mais sérias e consequentes, como a definição de metas econômicas, a identificação de problemas e o planejamento de ações transformadoras. No ano passado a produção industrial foi 3,9% maior que a do ano anterior. A expansão ficou em 3,1% nos 12 meses terminados em janeiro deste ano. Foi um ritmo insuficiente para compensar as quedas de 1,1% em 2019 e de 4,5% em 2020. Mas o desmonte do setor industrial tem uma história mais longa. Em janeiro, a produção da indústria geral foi 19,8% inferior à de maio de 2011, pico da série estatística. No caso da indústria de bens de capital, isto é, de máquinas e equipamentos, a diferença ficou em 27,7%. Bens de capital são destinados à ampliação e à modernização das atividades produtivas em todos os setores – agropecuária, pesca, mineração, serviços, infraestrutura e indústria de transformação. A demanda nacional desses bens foi em parte suprida por importações, mas o quadro geral, bem conhecido, é de um nível insuficiente de investimentos em capacidade produtiva. Isso se reflete no baixo ritmo de crescimento econômico nos últimos dez anos e no baixo potencial de expansão hoje observado. A situação da indústria de bens de capital é parte desse quadro. O cenário é mais feio quando se trata de bens de consumo duráveis, como veículos, móveis, televisores e equipamentos domésticos. Parte dos problemas pode ser atribuída a fatos conjunturais, como a escassez de insumos. Mas a produção daqueles bens duráveis ficou em janeiro 47% abaixo do topo da série, em junho de 2013. A explicação, nesse caso, envolve questões muito mais graves, como o empobrecimento dos consumidores e entraves cada vez maiores à atividade industrial. A recuperação da indústria seria objetivo prioritário de um governo de verdade, se houvesse algo desse tipo em Brasília.

Varejo cresce em janeiro, mas não recupera perdas da pandemia

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Folha de S.Paulo – 10/03/2022 – O volume de vendas do comércio varejista no Brasil teve alta de 0,8% em janeiro, frente a dezembro, informou nesta quinta-feira (10) o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O desempenho ficou acima das expectativas do mercado financeiro. Analistas consultados pela agência Bloomberg projetavam elevação de 0,3%. Mesmo com o avanço, o setor ainda está abaixo do patamar pré-pandemia. Encontra-se em nível 1% inferior ao de fevereiro de 2020, antes da crise sanitária. Também está 6,5% abaixo do pico da série, de outubro de 2020. A alta de 0,8% em janeiro veio concentrada em parte do varejo, já que apenas três das oito atividades pesquisadas tiveram taxas positivas no mês. O IBGE informou que o avanço foi puxado por artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria (3,8%) e outros artigos de uso pessoal e doméstico (9,4%). O ramo de equipamentos e material para escritório informática e comunicação (0,3%) também registrou variação positiva. Por outro lado, houve resultados negativos em cinco atividades: tecidos, vestuário e calçados (-3,9%), livros, jornais, revistas e papelaria (-2%), móveis e eletrodomésticos (-0,6%), combustíveis e lubrificantes (-0,4%) e hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo (-0,1%). ​ ALTA APÓS FORTE REVISÃOA série de dados do comércio tem sido marcada por fortes revisões ao longo da pandemia. Não foi diferente desta vez. Além de divulgar o resultado de janeiro, o IBGE atualizou números anteriores. A queda do varejo em dezembro de 2021, por exemplo, ficou mais intensa com a revisão, passando de 0,1% para 1,9%. Conforme o instituto, a crise da Covid-19 trouxe muita volatilidade para as estatísticas e, por isso, provoca atualizações constantes e de grande amplitude. O segmento de outros artigos de uso pessoal e doméstico puxou a revisão de dezembro, saindo de uma queda de 5,7% para uma retração de 9,9% no último mês de 2021. Na série sem ajuste, o comércio varejista caiu 1,9% em janeiro, frente a igual período de 2021. Foi a sexta taxa negativa consecutiva. Nesse recorte, a projeção mediana do mercado era de recuo de 2,8%. No acumulado de 12 meses até janeiro, o setor registrou aumento de 1,3%, apontou o IBGE. O dado é similar ao verificado até dezembro (1,4%). RISCOS NO CENÁRIOApós a fase inicial da pandemia, o varejo passou a apostar na derrubada de restrições a atividades e na reabertura de lojas para se recuperar. A retomada, contudo, vem sendo ameaçada pelo cenário de escalada da inflação, juros mais altos e renda fragilizada pela crise, dizem analistas. Os fatores, em conjunto, reduzem o poder de compra da população. Ao longo da pandemia, os brasileiros passaram a conviver com inflação de dois dígitos no acumulado de 12 meses. Até janeiro, a alta do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) foi de 10,38%. A inflação de fevereiro será divulgada nesta sexta-feira (11) pelo IBGE. Conforme analistas, o combate à elevação dos preços tende a ficar mais complicado nos próximos meses em razão dos efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia. Com a tensão provocada pelo conflito, as cotações de commodities agrícolas e do petróleo tiveram fortes altas no mercado internacional. O temor é que esses avanços se espalhem ao longo das cadeias produtivas, atingindo, inclusive, parte do comércio. Para tentar frear a inflação, o BC (Banco Central) vem subindo a taxa básica de juros. Em fevereiro, a Selic chegou a 10,75% ao ano. O mercado financeiro espera uma taxa maior até o final de 2022. A mediana da edição mais recente do boletim Focus, divulgada na segunda-feira (7) pelo BC, indica Selic de 12,25%. Contudo, já há instituições financeiras projetando juros acima de 13% até dezembro. O efeito colateral da Selic mais alta é o aumento do chamado custo do crédito no país. Empréstimos mais caros jogam contra o consumo, especialmente de bens com maior valor. O consumo é considerado motor do PIB (Produto Interno Bruto). Diante das dificuldades no cenário macroeconômico, analistas projetam PIB estagnado em 2022 —ou seja, com variação próxima de 0%.

Emprego formal desacelera e país cria 155 mil vagas com carteira assinada em janeiro

Folha de S.Paulo – 10/03/2022 – O país registrou a criação líquida de 155,1 mil empregos com carteira assinada em janeiro, o que representa uma desaceleração em relação ao mesmo mês do ano passado. O resultado ficou 38% abaixo do registrado em janeiro de 2021, quando o saldo líquido foi de 254,3 mil —considerando ajustes (ou seja, dados entregues pelas empresas após o prazo). O saldo neste mês é resultado de 1,7 milhão de contratações e 1,6 milhão de desligamentos e foi divulgado por meio do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), apresentado nesta quinta-feira (10) pelo Ministério do Trabalho e Previdência. Os números abrangem apenas contratos formais, regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Bruno Dalcolmo, secretário-executivo do Trabalho e Previdência, afirmou que a desaceleração é natural após os dados positivos de 2021. “Isso não é algo negativo, faz parte de um movimento de crescimento da economia e de ocupação da população. É natural que os volumes terminem sendo menores neste ano, é algo a ser comemorado”, disse. Neste ano, o Caged sofre a influência do fim gradual dos efeitos do programa emergencial de manutenção de emprego. Criada na pandemia, a medida foi considerada por especialistas como fundamental para manter números do mercado de trabalho durante o auge da crise da Covid-19. Agora, o ministério avalia que o término do programa e os consequentes encerramentos da proteção dos vínculos empregatícios façam os dados se normalizarem e acompanharem o desempenho da atividade econômica. Em janeiro, 853 mil trabalhadores ainda tinham a garantia provisória de emprego concedida pelo programa. A estimativa do ministério é que o número caia para 715 mil em fevereiro, 579 mil em março e 173 mil em abril. Ou seja, uma diferença de 680 mil trabalhadores no intervalo de três meses. “Além disso, no ano passado o país estava em franca recuperação, com ampla geração de empregos formais. Isso gerou em 2021 saldos extremamente positivos”, complementou Dalcolmo sobre a desaceleração. Ele menciona também que o temor com a variante Ômicron do coronavírus também limitou os números em janeiro. Os dados do mês mostram um fechamento de 60 mil vagas no comércio, único setor com resultado negativo no mês. O saldo reverte o desempenho de um ano atrás, quando o segmento criou 10,1 mil vagas. De acordo com o Ministério do Trabalho e Previdência, o fechamento das vagas no setor está em parte relacionado com o fim das festas de fim de ano e em parte com o encerramento do programa emergencial. Por outro lado, o mês foi beneficiado pela criação de empregos puxada pelo setor de serviços (102 mil postos), seguido por indústria (51,4 mil), construção (36,8 mil) e agropecuária (25 mil). Na distribuição geográfica, as cinco regiões criaram postos de trabalho em janeiro e foram lideradas pelo Sul (com abertura de 58,7 mil vagas). Em seguida, ficaram Sudeste (52,6 mil), Centro-Oeste (33,8 mil), Nordeste (5,3 mil) e Norte (2,4 mil). O salário médio de admissão no país continua abaixo de um ano antes. Em janeiro, o indicador ficou em R$ 1.920,59 —queda real de 1,2% na comparação com mesmo mês de um ano atrás. Apesar disso, esse é o melhor patamar registrado em sete meses. Os dados vieram acompanhados também de um aumento nos pedidos de seguro-desemprego. Foram 529 mil requerimentos em janeiro, patamar mais alto em nove meses e também 10% acima de janeiro do ano passado (quando o total foi de 480 mil). Os trabalhadores têm de 7 a 120 dias após a data do desligamento para requerer o benefício. De acordo com o ministério, a economia mais movimentada produz elevação tanto em admissões como em desligamentos —o que aumenta o número de pedidos de seguro-desemprego. “Naturalmente, quando a economia está aquecida, há aumento dos desligamentos e dos pedidos”, disse. Os analistas esperam criação de vagas em 2022, embora em nível inferior ao do ano passado. Em 2021, o Brasil criou 2,7 milhões de vagas de emprego formal. Onyx Lorenzoni, ministro do Trabalho e Previdência, afirmou que a projeção da pasta é de criação de 1,5 milhão a 2 milhões de vagas formais em 2022. Ele adiantou que o ministério está elaborando um programa de microcrédito digital que vai permitir aos “invisíveis” se transformarem em microempreendedores individuais, mas não deu detalhes. Conforme já mostrou a Folha, a proposta em discussão é usar um fundo garantidor de microcrédito para impulsionar pequenos empréstimos para empreendedores e trabalhadores informais, podendo contemplar também os negativados. A ideia é usar entre R$ 3 bilhões e R$ 3,5 bilhões do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para aportar em um fundo com essa finalidade.