Grande debandada no Brasil afunila em profissionais mais qualificados e escolarizados

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O Estado de S.Paulo – 12/02/2022 – Em 2021, os Estados Unidos bateram recorde de profissionais pedindo demissão – em novembro, foram 4,5 milhões, cerca de 3% da força de trabalho do país. O fenômeno, que se intensificou na pandemia, ganhou a alcunha de grande renúncia (ou grande debandada e grande migração). Movimentos parecidos foram observados em outros países, como Reino Unido e China, mas e no Brasil? Não há um consenso entre especialistas se o Brasil pode reproduzir as mesmas características da grande debandada. Brasil e Estados Unidos já tiveram índices de desemprego parecidos: em abril de 2020, por exemplo, a taxa estava acima dos 14% nos EUA, enquanto no Brasil atualmente está em 11,6%, segundo o IBGE. No entanto, as semelhanças param por aí. No País norte-americano, a maior parte da grande renúncia foi provocada por profissionais que ocupam a base da pirâmide. Por vários motivos intensificados na pandemia, incluindo a insatisfação com o empregador e a preocupação com a saúde mental, eles deixaram seus empregos. O movimento ganhou até uma hashtag no TikTok, #Quitmyjob (larguei o meu emprego, em inglês), onde funcionários filmam o momento em que pedem demissão – em sua maioria, jovens. Empresas como Amazon e McDonald’s, por exemplo, têm tido dificuldades para encontrar funcionários nos EUA e oferecem até dinheiro para quem for à entrevista e iPhone grátis para contratados. Hoje, a taxa de desemprego nos EUA caiu para 4%. No Brasil, o mercado de trabalho começou a absorver talentos novamente, possivelmente para vagas que foram desocupadas com as demissões do início do isolamento. “Em 2020, tivemos 15 milhões de admissões e 15,8 milhões de desligamentos. Em 2021, até novembro, foram 19 milhões de admissões e 16,1 milhões de desligamentos. Ambas as variáveis do ano passado são maiores do que o momento crítico da pandemia, então é um sinal de dança das cadeiras. As pessoas estão sendo realocadas porque o mercado de trabalho sofreu um grande choque”, explica Marcelo Neri, diretor do FGV Social, da Fundação Getúlio Vargas. No entanto, por aqui, a movimentação de demissões tem ocorrido, segundo os especialistas, entre os profissionais mais qualificados, ou seja, aqueles que têm ensino superior completo e que estão trocando de empresa. Desde os primeiros dias de 2022, postagens anunciando mudanças de emprego surgiram aos montes no LinkedIn. Profissionais mais qualificadosA taxa de desemprego dessa população foi de 6,3% no terceiro trimestre de 2021, segundo o IBGE. Números próximos a 5% são indicativos de pleno emprego, de acordo com especialistas. Mas, uma vez que apenas 17% dos brasileiros acima de 25 anos possuem o ensino superior completo, não há gente suficiente para que uma movimentação de demissões se equipare a um fenômeno como a grande debandada. Essa movimentação, em um País tão desigual como o Brasil, acaba ficando nas mãos de quem é privilegiado social e economicamente. “Temos muitas questões culturais, tecnológicas, sociais, políticas e econômicas. Há desníveis muito grandes entre Brasil e EUA. Aqui, as pessoas estão buscando emprego. Claro que os profissionais altamente qualificados vão sempre ser procurados e sempre vão procurar novas oportunidades. Elas vão procurar uma vaga melhor, mas primeiro elas vão ver se há essa vaga melhor, antes de pedir demissão”, explica Tania Casado, professora da USP e diretora do Escritório de Carreiras da USP (Ecar/USP). De acordo com a consultoria Robert Half, 51% das demissões de profissionais qualificados no terceiro semestre de 2021 ocorreram a pedido dos colaboradores. O índice foi obtido a partir dos microdados do novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que passaram por uma análise com metodologia própria da consultoria. No entanto, para o professor da FGV Marcelo Neri, medir a autodemissão ainda é um desafio no Brasil, já que é comum as empresas fazerem acordos com os funcionários durante o desligamento. A busca pelo novo empregoO mundo não é o mesmo na pandemia nem será quando ela acabar. Nos dois últimos anos, muitas coisas mudaram, entre elas a forma que os profissionais encaram o mercado de trabalho, refletem os entrevistados. “As pessoas que têm condição, porque não são todas elas e nem são todos os postos de trabalho que vão poder fazer essa transição (apenas 11% dos trabalhadores ficaram em home office na pandemia), já estão dando mais valor para coisas como o modelo híbrido. Então, é claro que essas pessoas vão tentar refazer seu planejamento da jornada de trabalho”, diz Tania. Uma outra parte da pesquisa feita pela Robert Half com 1.161 profissionais constatou que 49% dos qualificados que estão empregados pretendem buscar um novo emprego neste ano. Entre eles, 61% querem mudar de empresa, mas continuar na mesma área e outros 39% planejam mudar de área de atuação. A maior motivação entre os dois grupos de profissionais é a remuneração. Outras razões incluem o desejo de inovar ou aprender algo novo (19%), a busca por realização pessoal (17%) e a expectativa de uma melhor qualidade de vida (12%). “Antes as empresas eram mais preocupadas em recrutar e oferecer bons salários, que, claro, é um baita motivo para os funcionários ficarem. Mas, com a pandemia, as pessoas passaram a olhar para outras coisas, como a flexibilidade – lembrando que ser só remoto ou só presencial não é flexível”, explica Lucas Nogueira, diretor associado da Robert Half. “Se o empregado qualificado começa a observar que a empresa não oferece flexibilidade nem um modelo novo de trabalho, que o chefe não se atenta a novos modelos de gestão, essa pessoa vai sair, porque agora as possibilidades são maiores. Demitimos muita gente no começo da pandemia e agora estamos contratando mão de obra qualificada, sem mais limites de geografia, então a guerra de talentos ficou mais forte”, completa. Ele aponta que as áreas onde há mais debandadas e consequente briga por talentos são: https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg (tanto atendimento quanto desenvolvimento), logística (desde manutenção e operação de novos equipamentos, como drones, à cadeia logística de compras online) e a área técnica do agronegócio (melhora de produtividade e distribuição de alimentos). Na última semana, Felipe M., de 38 anos,

Entre o ruim e o pior

O Estado de S.Paulo – editorial – 14/02/2022 – Um mercado de trabalho em acelerada transformação exige uma legislação trabalhista em constante renovação. Essa obviedade seria indigna de nota se o atual presidente da República, Jair Bolsonaro, não tratasse os direitos do trabalho como meros empecilhos a serem removidos, e se o líder das pesquisas de intenção de voto à Presidência não propusesse o oposto de uma modernização desses direitos: longe de revisar a reforma de 2017, muito menos aprimorá-la ou complementar suas lacunas, Luiz Inácio Lula da Silva propõe revogá-la por completo. Promovida pelo governo Temer e laboriosamente deliberada pelo Congresso, a reforma foi um marco jurídico sofisticado de raro equilíbrio social e econômico que atualizou a legislação anacrônica herdada da era Vargas, proporcionando mais liberdade e flexibilidade nas condições de trabalho. O ex-presidente Lula repete o mantra de que a reforma não gerou empregos e de que flexibilização é sinônimo de precarização. Em primeiro lugar, não há uma relação causal direta entre reforma e emprego. Uma boa legislação é condição necessária para criar empregos, mas não suficiente. Ofertas de empregos e boas condições de trabalho dependem de investimentos e crescimento econômico. Mas justamente a irresponsabilidade fiscal da gestão lulopetista mergulhou o País na recessão que destruiu milhões de empregos não resgatados até hoje. Lula gosta de citar como modelo a contrarreforma recém-aprovada na Espanha. De fato, após a crise de 2008, os legisladores espanhóis apostaram na redução à proteção de diversas formas de contratação como uma tentativa de estimular as empresas a empregarem. Mas a reforma aprovada no Brasil não extinguiu um único direito. Ao contrário, criou novas formas de proteção não contempladas antes dela, como no caso dos trabalhadores terceirizados. Todas as novas modalidades criadas garantem as proteções previstas na Consolidação das Leis do Trabalho e na Constituição. Entre outras conquistas, a reforma introduziu a regulação do trabalho remoto; criou novas modalidades de contratação temporária, intermitente ou terceirizada; reduziu o excesso de litígios que sobrecarregavam a Justiça do Trabalho; reduziu a insegurança jurídica e consagrou a autonomia e a liberdade de empregados e empregadores ao ampliar suas prerrogativas de negociar condições específicas de suas relações de trabalho; e eliminou a imoral e inconstitucional “contribuição” obrigatória dos trabalhadores aos sindicatos. A maior crítica que se pode fazer à reforma é que ela não foi suficientemente abrangente. A mazela possivelmente mais grave do mercado brasileiro, a alta taxa de informalidade, que atinge cerca de 40% da força de trabalho, e a consequente lacuna entre os custos e proteções do trabalhador formal e do informal, ainda precisa de soluções mais robustas. Tampouco a legislação brasileira oferece uma regulação satisfatória para contratos entre trabalhadores nacionais e empresas internacionais, ou vice-versa, essencial em uma economia cada vez mais digitalizada e globalizada. Isso sem falar das megatendências que estão desafiando todo o mundo, como o envelhecimento da população ou as inovações tecnológicas, que exigirão políticas capazes de recriar os sistemas de formação e realocação dos profissionais. Como já dito neste espaço (O PT não sabe o que é cidadania, 9/1/22), “assim como todo Direito, a legislação trabalhista deve proporcionar, por meio de uma regulação adequada das relações sociais, autonomia e liberdade. Não é barbárie ou anarquia (como propõe Jair Bolsonaro), como também não é cabresto ou sujeição (como propõe Lula)”. A reforma trabalhista não é um dogma. Como toda legislação ou política pública ela deve ser reavaliada e pode ser revisada pelo Parlamento. Mas não é isso o que propõe o PT. Em seu negacionismo econômico característico, ele quer não só resgatar as políticas que mergulharam o País no desastre econômico no qual agoniza até hoje; deseja retroceder a legislação trabalhista em mais de meio século, de volta às leis da ditadura varguista.

Cai número de novas ações trabalhistas; aviso prévio ainda é o assunto recordista

Folha de S.Paulo – 13/02/2022 – O número de novas ações trabalhistas caiu durante os dois anos sob pandemia, na comparação com 2019. Os assuntos que mais levaram os trabalhadores ao judiciário continuam os mesmos. Segundo balanço estatístico do TST (Tribunal Superior do Trabalho), o pagamento do aviso prévio foi o motivo mais recorrente entre os processos iniciados em 2021 nas varas trabalhistas. No ano passado, 337,5 mil ações citavam o pagamento a que os trabalhadores têm direito na demissão. Em 2019, no pré-pandemia, 472,5 mil ações tratavam do pagamento do aviso prévio. No ano seguinte, em 2020, foram 363,8 mil.​ As verbas rescisórias, no geral, seguem motivando a maioria das novas ações na Justiça do Trabalho. A segunda cobrança mais citada em processos nas varas trabalhistas é o pagamento da multa de 40% sobre o saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Em 2021, 284,2 mil ações citavam o direito. No pré-pandemia, foram 397,2 mil, e em 2020, 299,5 mil.